terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Tal como o pinhal



Do “plantador de naus a haver”. Também este Cabrita Reisouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo De Império, ondulam sem se poder ver”, inacessível, pois, ainda, aos cequinhos das artes escultóricas, e que por isso fornece lições para os pacóvios e destreinados como nós. Mas, ao contrário do outro, do D. Dinis, cujos cantares eram ainda e apenas “arroio, (esse cantar jovem e puro)” que “busca o oceano por achar”, este esculpir de Cabrita Reis é o próprio “oceano” já achado, que, por tal, até se chama “Linha do Mar”, a dar lições sobre arte, “som presente desse mar” não mais “futuro” porque já presente para tantos sábios como C. R, que não têm, deste modo, que ansiar “pelo mar”, que já lhes canta, numa escultura de espigões, com sítios para repouso dos velhotes, e para as brincadeiras dos meninos, além da vandalização dos rebeldes habituais. Uma arte multifacetada, pois, para se poder jogar ao “cache-cache”, ou às “damas” enquanto os pensamentos voam em “bebedeiras de azul” e branco, ou em devoções direccionadas para o Deus nas alturas e a sua glória.
I – OPINIÃO: Serenamente, frente ao mar
A Linha do Mar é uma obra de arte. Afirmo-o eu, Pedro Cabrita Reis, seu autor, porque tenho de o fazer, porque o devo fazer e porque o posso fazer.
PEDRO CABRITA REIS    PÚBLICO, 14 de Janeiro de 2020
1. Serenamente, a minha escultura A Linha do Mar passará para as gerações vindouras, ali onde a coloquei, frente ao mar de Leça, e aí ficará, por muito tempo. O mesmo tempo que, célere, varrerá da memória a controvérsia que, em torno dela, recentemente alguns resolveram atear e outros alimentar.
Pese embora a vacuidade de uma boa parte do que foi escrito, e não esquecendo as palavras lúcidas que também foram ditas, gostaria de enquanto artista e cidadão (redundância justificada...) deixar aqui duas ou três linhas para escrutínio público.
Desde 1992 fiz entre Portugal e a Europa, e se a memória não me atraiçoa, cerca de 30 obras para o espaço público, encomendadas por instituições oficiais ou por privados. Entre estas obras, duas delas foram em tempos e lugares diferentes vandalizadas.
Com Leça da Palmeira, são três. A assim designada “arte pública” está, pelas condições da sua existência, sujeita a actos de vandalismo invariavelmente cometidos sob anonimato e quase sempre a coberto da noite. Se são esclarecedores quanto ao tipo de pessoas que os fazem ou que os mandam fazer, os actos desta natureza vêm acentuar a importância de uma política continuada de valorização do espaço público. A comunidade não o pode ser sem os artistas.
2. Parece ainda haver quem ache que uma obra de arte só o seria quando ornada pelo sofrimento, perlada pelo suor do trabalho, arrancada com a fúria própria de vulcões emocionais que, incendiando o atelier, trariam por fim o fulgor da Mão, sem a qual a Obra não teria a patine da Verdade, assinatura espiritual e insubstituível do Artista, criatura demiúrgica tocada pelo Destino.
Reivindica-se aqui um modelo inventado pelo Romantismo, imagem hoje anacrónica mas que ainda perdura. Pobre figura, isolada e melancólica na solidão obscura do seu atelier, abandonado por todos, perseguido pelo senhorio e assediado pelo dono da tasca, marginalizado enquanto pessoa e rejeitado enquanto artista, prestes a suicidar-se ou, no melhor dos casos, a cortar uma orelha, mas inexorável e infatigavelmente artesão. Tocado por Deus que lhe ilumina as mãos, cria então a Obra, assim se revelando finalmente como Artista.
Lamento, mas já não é bem assim. Uns já o sabem, outros não tanto... A realização da obra começa no momento da sua concepção. Imaginar a obra, pensá-la é já fazer.
A Linha do Mar, para profundo desagrado de alguns, é uma obra de arte. Afirmo-o eu, Pedro Cabrita Reis, seu autor, sem qualquer pudor ou arrogância, mas porque sim, porque tenho de o fazer, porque o devo fazer e porque o posso fazer. Como tal, desde que a imaginei até que acabou de ser construída e colocada onde está, a obra estava já realizada quando, frente ao mar de Leça, soube o que queria fazer. Os artistas determinam o que é ou não é passível de ser considerado como obra de arte. Contra as pressões de patronos e encomendadores, contra as incompreensões próprias do gosto vigente ou ainda contra as rejeições da “opinião pública”, orquestrada ou não... Tomando este imperativo como válido, a prerrogativa de o exercer mais não é do que a afirmação, se tal ainda fosse necessário (e parece afinal que o é...), da absoluta liberdade de acção e pensamento que assiste à criação da obra de arte e da qual, sem grande risco, podemos imaginar que nenhum artista prescindirá.
3. E agora, é claro, a questão do dinheiro. Terreno fértil para ad nauseam cultivar enganos e exponenciar mediaticamente as atenções das muitas e desvairadas gentes... Para além da banalidade especulativa dos leilões, a verdade, e já que temos de falar em dinheiro, é que a arte não tem preço. Uma obra de arte nunca será nem cara nem barata.
Tem um valor, por muito volátil que seja, que lhe é outorgado pelo reconhecimento conferido ao seu autor. E o dinheiro que se paga por ela no mercado, seja em galerias, leilões ou nos ateliers, quantifica unicamente a dimensão do desejo de quem a quer comprar. Se o cliente, neste caso a Câmara Municipal de Matosinhos, me pagou o que eu propus, é porque pode e porque desejava ter uma peça da minha autoria na cidade. E pode, porque tem as suas contas bem feitas, acredito, e porque sabe que uma obra de arte é tão importante na construção da cidade quanto a habitação social, ou o desporto e a cultura para os jovens e os menos jovens, ou a Orquestra de Jazz de Matosinhos, ou a Casa da Arquitectura ou a Biblioteca Florbela Espanca, ou os jardins, os parques, as ciclovias, etc., enfim, tudo aquilo que as câmaras municipais se propõem e devem fazer para honrar os seus compromissos junto do eleitorado, o qual, naturalmente, inclui por igual mesmo os que votam contra, porque vivemos em democracia, ainda que isso pareça incomodar alguns. Questão de “lana caprina” esta do dinheiro que se paga por uma obra de arte e que não merece aqui mais desenvolvimento.
4. A História de Arte sendo uma história inevitavelmente imersa no cenário mais vasto da História das transformações sociais, políticas, económicas, das revoluções sonhadas, da democracia possível, e das ditaduras que vamos permitindo, é, ao fim e ao cabo, mais uma história de indivíduos que, oriundos indiferentemente das massas ou das elites, constroem entre si cumplicidades de acção e de pensamento, acumulando nesse processo uma inteligência que se vai transmitindo de geração em geração através da poesia ou da literatura, do teatro ou da música, do cinema ou da dança, da arquitectura ou da arte, da filosofia ou da ciência. É neste tesouro acumulado ao longo dos séculos por gentes de muitas geografias, de culturas, religiões e rituais, práticas sociais e políticas diversas, que parece moldar-se aquilo que, à falta de melhor, convencionámos designar por civilização, termo que, por muito precário e discutível que se nos possa afigurar hoje no seu significado e limites, é ainda uma das poucas palavras desejavelmente possíveis. A arte que, apesar de tudo, não é tão velha como a espécie, seguramente continuará a acompanhá-la e, num qualquer dia próximo ou longínquo, virá a perecer com ela. Mas até esse dia, artistas hão-de continuar a nascer e morrer, o pensamento transformar-se-á incessantemente, revoluções hão-de talvez continuar a ser feitas, gerações suceder-se-ão, os jovens serão combativos como sempre foram, a humanidade construirá novos sonhos sobre os escombros de horrores ainda por vir. A arte, essa, será sempre. Até ao último dos dias.
 II - CARTAS AO DIRECTOR:
“A arte, essa, será sempre”. Que arte?
O escultor Pedro Cabrita Reis (PCR), autor da vergonhosa peça escultórica intitulada “A Linha do Mar”, veio, prenhe de embófia, debitar algumas empertigadas considerações num artigo de sua autoria intitulado “Serenamente, frente ao mar” publicado no dia 14 de Janeiro no PÚBLICO. Nesse artigo pretendeu elucidar e esclarecer os néscios indígenas deste país - que ainda tivessem algumas dúvidas - para a singularidade especiosa da sua obra. No texto do prócere escultor ficou patente o incomensurável narcisismo e soberba que exala a criatura que teima em afirmar que “A Linha do Mar” “é uma obra de arte”. E afirma que “é uma obra de arte” porque “tem de o fazer , porque o deve fazer e porque o pode fazer”. Ou seja, umas vigas de ferro - umas colocadas na horizontal e outras empinadas - custaram à Câmara de Matosinhos 300 mil euros. Uma autêntica vergonha, um puro despautério! Assim se malversam os dinheiros públicos (não será demais repeti-lo). Deduz-se que a câmara nada em dinheiro… PCR ainda tem o topete de afirmar no seu texto que “se a Câmara de Matosinhos me pagou o que eu propus, é porque pode e porque desejava ter uma peça de minha autoria na cidade”. ANTÓNIO CÂNDIDO MIGUÉIS – VILA REAL
III - COMENTÁRIO ( entre 244)
carlos manuel baptista, 15.01.2020: PCR bem pode falar do alto do púlpito da sua vaidade. A sua obra é bem o exemplo de uma certa ideia de arte que vem ganhando terreno, de puro cariz mercenário e mercantilista. Arte que nada comunica e recusa qualquer ideia de transcendência, reflexo da impotência criadora de quem a produz e, oportunisticamente, estabelece a partir dela um negócio para ludibriar tolos. É um anacronismo vir o artista delimitar o território daquilo que é arte, e situar-se presunçosamente dentro das fronteiras por si arbitrariamente estabelecidas. Não precisamos que nos convença, basta-nos sensibilidade e espírito crítico para formularmos o nosso próprio juízo.

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