Os comentadores explicam melhor (excepto os 2 últimos). Eu não tenho
palavras. Ou antes...pachorra.
OPINIÃO: Sopram bons ventos de Espanha
A investidura deste governo, com base num acordo que é mais englobante
e ambicioso que o acordo de 2015 entre as esquerdas portuguesas, tem uma
importância estratégica para a Europa.
PÚBLICO,9 de
Janeiro de 2020, 6:25
São bons os ventos que sopram de Espanha. Pela primeira vez desde a
transição democrática de 1978, os dois principais partidos de
esquerda unem-se para formar governo. A articulação de esquerda de que Portugal foi
pioneiro na Europa a partir de 2016 teve um papel importante, ainda que indirecto, na solução espanhola.
Sinalizou que o bom senso poderia ocorrer em política mesmo que durante
muito tempo tivesse parecido impensável. Mostrou que, para além do muito que
divide os diferente partidos de esquerda, o que os une é suficientemente
substantivo para construir um programa de governo partilhado. E porque se tratava
de um caminho pouco trilhado houve que reduzir a escrito e detalhar os termos
do acordo.
Sabia-se que as desconfianças mútuas eram muitas e persistiam. Sabia-se
que as forças de direita tudo fariam para demonizar o novo governo e que teriam
o caminho tanto mais facilitado quanto mais vaga fosse a convergência. Mostrou
ainda que as políticas da União Europeia, apesar de conservadoras, permitiam
alguma capacidade de manobra e permitiam-no tanto mais quanto a burocracia de
Bruxelas não se sentisse ameaçada ou questionada (o que tinha acontecido com a
Grécia).
Mostrou finalmente que, depois da devastação neoliberal dos anos
anteriores (com o empobrecimento geral dos portugueses), não aumentar demasiado
as expectativas era importante (dadas as condições do país) e era politicamente
aceitável na medida em que o pouco saberia a muito. A solução revelou-se exitosa
e os resultados das eleições de 2019 foram prova cabal disso. Ao longo dos
últimos quatro anos, muitos foram os contactos peninsulares sobre este tema. As
condições sociais, políticas e culturais de Espanha eram muito diferentes.
Portugal tinha tido uma revolução em 1974 enquanto a Espanha fizera uma
transição pactuada com a ditadura anterior e com todos os que mais beneficiaram
dela, nomeadamente as elites económicas e a Igreja Católica. Por exemplo,
apesar das continuidades com a ditadura (sobretudo nas Forças Armadas e no
sistema judicial), em Portugal, como antes na Itália e na Alemanha, houve
consenso para eliminar das ruas, praças e pontes os nomes mais marcantes da
ditadura, enquanto em Espanha esse tema continuou a incendiar os debates até
hoje.
Ao contrário de Portugal, a Espanha tinha dois problemas potencialmente
muito fracturantes: a questão do regime, dado o desgaste da monarquia nos
tempos mais recentes, e a questão das nacionalidades. Verdadeiramente só depois
de 1808 é que os habitantes do Estado espanhol tinham dado algum sentido
político de pertença ao facto de serem todos espanhóis.
Por estas e outras razões, a vontade política de convergência entre as
esquerdas teve altos e baixos numa sequência simultaneamente turbulenta (três eleições
gerais entre 2016 e 2019) e paralisante (sucessão de governos de gestão
corrente). Foi ganhando consenso a ideia que em Espanha a melhor solução para
uma coligação de esquerda não seria o mero apoio parlamentar (a solução
portuguesa) mas sim a participação no governo e com responsabilidades
políticas substantivas. Seria uma solução mais arriscada mas a considerada mais
eficaz para enfrentar a oposição da direita que se antecipava ser feroz. E a
solução aí está e todos os democratas do mundo a devem saudar. Neste momento,
quero apenas salientar alguns pontos.
1. É importante destacar que este acordo constitui uma articulação
inédita entre as esquerdas espanholas. Não há precedentes de coligação a
nível estatal. Até agora, só tinha havido coligações progressistas a nível
autonómico. O novo governo está formado por dois partidos cujo acordo
progressista representa um diálogo e um entendimento entre as duas culturas
políticas de esquerda na Espanha dos nossos dias: a que vem da transição
democrática de 1978 e a mais recente, do movimento dos indignados (o 15M de
2011).
2. Para
além da estreita colaboração entre as duas culturas, o governo também vai
precisar da estreita colaboração (apoio parlamentar) dos partidos nacionalistas
como PNV, ERC, BNG, Bildu. Está em jogo a consolidação de uma nova
maioria constituída pelo PSOE e UP e aberta às forças nacionalistas (bascas,
valencianas, galegas e catalãs), um bloco com capacidade para dar um novo rumo
à política espanhola.
3.O acordo é mais englobante e ambicioso que o acordo de
2015 entre as esquerdas portuguesas. Nas suas 50 páginas, o texto contém
compromissos e medidas concretas que correspondem, em geral, aos programas com
que os dois partidos concorreram às eleições. Há compromissos firmes nas áreas
da educação, pensões, salário mínimo, memória histórica e igualdade de género
(as “políticas feministas” são destacadas como um dos onze capítulos do
acordo). São mais vagos os compromissos em matéria de habitação, migrações,
política externa, defesa e segurança. Aponta para um programa social-democrata
moderado que visa predominantemente repor direitos sociais e económicos que
tinham sido fragilizados ou eliminados pelos governos de direita. Ao contrário
do que o PSOE defendia no seu último programa eleitoral, prevê-se a subida dos
impostos para os rendimentos mais altos (talvez não mais que 0,8% dos
espanhóis). Evita os temas mais fracturantes. Na política territorial subjaz ao
acordo uma tendência federal. No caso da Catalunha propõe a única
solução de bom senso: abrir o diálogo e criar as condições para uma solução
política.
4. A investidura deste governo tem uma importância estratégica para a Europa. A violência quase golpista com que a ultra-direita (a
direita mais tradicional aliada à nova extrema-direita) procurou bloquear a
investidura não tem precedentes na Europa mas pode estar a indicar o caminho
que o neofascismo europeu pretende seguir. Esse caminho consiste em desconhecer
os resultados eleitorais sempre que estes sejam desfavoráveis às forças de
direita e seguir uma estratégia de desestabilização que visa levar a cabo
golpes brandos contra qualquer governo de esquerda, por mais moderado que ele
seja.
Essa estratégia tem os seguintes componentes gerais: deslegitimar
mediaticamente as políticas do governo com recurso, sempre que necessário, às
notícias falsas; ampliar simbolicamente quaisquer medidas que toquem nos
preconceitos da classe média para os transformar em prenúncios de apocalipse;
“aquecer” as ruas, utilizando o mínimo descontentamento para provocar actos de
repressão legítima convertidos de imediato em ameaças totalitárias; recorrer ao
órgão do Estado mais conservador e menos sujeito às pressões democráticas, o
sistema judicial, para lançar uma guerra jurídica (lawfare) contra as políticas do governo (a judicialização da
política usada de modo particularmente grosseiro no Brasil). Para esta
desestabilização, os agentes internos contam agora com o apoio da
extrema-direita norte-americana apostada na destruição da União Europeia
(capitaneada pelo estratega do euro-fascismo, Steve Bannon). No caso da
Espanha, é lamentável que a ultraconservadora Conferencia Episcopal se mostre
preocupada e peça aos espanhóis para rezarem apesar de o programa do governo
não tocar nos Acordos Igreja-Estado e apenas eliminar o financiamento dos
colégios privados conveniados que segregam por sexo, eliminação que decorre de
um mandato constitucional.
5.O governo progressista espanhol vai precisar do apoio de todos os
democratas do mundo, em particular, dos seus vizinhos, nós os portugueses. O
governo português propõe-se continuar a política que inspirou os espanhóis.
Infelizmente, o PS achou dispensável reduzir a escrito o compromisso com o BE.
Todos sabemos que a doença infantil dos partidos socialistas europeus é terem
mais medo dos partidos à sua esquerda do que dos partidos à sua direita.Esta
doença tem-nos levado à morte, ora abrupta (Grécia), ora lenta (Alemanha).
Oxalá os próximos anos nos mostrem que o PS está curado. Será outra novidade
auspiciosa para a Europa e para todos e todas os que lutam contra o avanço da
extrema-direita. Director Emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
COMENTÁRIOS
Domnall Mór Ua Briain, 09.01.2020 O homem está feliz da vida, está um
admirador e apoiante do regime chavista no governo de Espanha, há que deitar os
foguetes e apanhar as canas.
Matoteka Francisco: "Bons ventos"?, o
fundamentalismo parece não o deixar ver mais longe, observou a eleição no
parlamento?, não viu o ódio extremo das partes?, não percebeu os acordos
impossiveis com independentistas fanáticos?, não percebeu que aquilo não tem
pernas para andar?, que este governo está preso por cabelos?, que Sanches e o
do Podemos se odeiam e que a Esquerda Catalã impôs condições inaceitaveis para
Espanha e que a Justiça Espanhola desferiu um golpe terrivel hoje, ao manter
Junqueras preso e não o deixar tomar posse no PE?,,,as cambalhotas que Sanches
deu, só para ser PM,,,"bons ventos"????, eu digo , quanto tempo vai
durar.
Domnall Mór Ua Briain,
09.01.2020: Segundo transcrito do La Vanguardia, o que se passou com
Junqueras: "En definitiva – concluye la Sala- quien participa en un
proceso electoral cuando ya- está siendo juzgado, aunque finalmente resulte
electo, no goza de inmunidad conforme al derecho nacional. No puede condicionar
el desenlace del proceso ni, menos aún, el dictado de la sentencia. Por todo
ello, conforme artículo 9 del Protocolo de Inmunidades, no era ni es necesaria
autorización del Parlamento”.
alfredo silva, 09.01.2020 : Que tristeza de pensamento!!!!! Vai ver
onde estes seus "bons ventos" vão levar a Espanha.... não se esqueça do que aqui
escreveu!!!
PRO, 09.01.2020: Não partilharia muito deste optimismo. É
bom que a Espanha tenha finalmente alguma estabilidade política e esperemos que
assim seja por algum tempo. A economia já se estava a ressentir e isso seria
mau para Portugal que depende fortemente da economia Espanhola. Mas o governo
irá ter desafios grandes e será preciso um grande jogo de cintura. Só um
aparte: a burocracia de Bruxelas (ou lá o que isso seja) não tinha qualquer
razão para se opor ao governo Espanhol nem sequer isso foi falado. Ambos os
partidos só pro UE e nunca questionaram a permanência da Espanha quer na UE
quer no Euro. Nem sequer houve uma palavra vinda de Bruxelas. Este tipo frases
podiam ser evitadas e estragam a qualidade dos artigos. (!!!!)
Nuno Silva, 09.01.2020: Veio atrasada e com limitações, mas mais
vale tarde e a mancar, do que na maca sem enfermeiras(os)... (!!!!!)
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