quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

O que nós queremos é mama



Já há dias, ouvimos Paulo Portas – e não foi o único – a propósito dos resultados das eleições espanholas, com o PSOE de Pedro Sanchez sem maioria absoluta e formando coligações com grupos separatistas, anunciar que, perdida a Catalunha, natural seria que o governo espanhol, por falta daquela, a oriente, viesse requerer Portugal, a ocidente, para compensar aquela perda, embora irreparável. Achei Portas um tanto pedante com tal sugestão que poria todos os Portas e os Janelas do nosso país a transferir-se de armas e bagagens para as sopas do país vizinho, de preferência a defender o seu torrão, pois já vimos como os torrões pátrios foram ultimamente menosprezados pelas forças armadas do nosso torrão pobrezinho. De resto, só vejo as praias algarvias ou algumas da nossa costa ocidental, por Camões reduzidas a “ocidental praia lusitana”, para compensar – a banhos – o governo espanhol pela perda do vasto torrão catalão. Mas Paulo Rangel vai ainda mais longe com o desfazer dos torrões espanhóis, por via das coligações. E voltamos aos tempos cediços de Leão e Castela e aos condados da Galiza e de Portugal, lembrando as manas Urraca e Teresa e desprezando Afonso Henriques que bateu na mãe por conta do torrãozinho que desejou seu pátrio lar.
Não nos basta vermos o mundo a desfazer-se, com as cheias, os incêndios, os ciclones e os degelos. Sentimos os tremores da nossa cobardia a sugerir que, porque falhamos na governação, pretendemos que outros nos aleitem...
Deve ser por isso que cheguei a ouvir dantes a designação de “sítio” para o nosso país. Mas “torrão” sempre é mais poético, poor thing!

O transe geopolítico posto pelo novo Governo espanhol
Aquilo que verdadeiramente me preocupa – e que, creio, nos deve preocupar a todos – é a sequência de transacções e concessões às forças políticas separatistas e independentistas.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 7 de Janeiro de 2020
1. A urgência e gravidade da actual crise no Médio Oriente pôs na sombra os desenvolvimentos políticos em Espanha, cruciais para a equação geopolítica portuguesa. Não me reporto à circunstância de, pela primeira vez na história destes 42 (ou 45) anos de democracia, haver um governo de coligação. Ainda que minoritária, trata-se de uma coligação entre os socialistas do PSOE e a esquerda radical do Unidas-Podemos. Na cena partidária, representa inovação e surpresa. Basta lembrar o que Pedro Sánchez e Pablo Iglesias disseram um do outro e dos respectivos partidos ao longo de 2019.
2. Não me refiro à circunstância de estarmos diante de uma solução política que é seguramente a mais à esquerda destas quatro décadas. A substância do acordo terá obviamente impacto sobre a economia e a confiança dos investidores. Sabendo o quão sensível é a economia portuguesa às evoluções na vizinha Espanha, haverá decerto repercussões a que temos de estar atentos. E terá decerto impacto sobre alguns dos consensos da transição dos anos 70, rompendo com eles e contribuindo para uma maior radicalização da vida política, já de si muito tensa e extremada.

3. Aquilo que verdadeiramente me preocupa – e que, creio, nos deve preocupar a todos – é a sequência de transacções e concessões às forças políticas separatistas e independentistas. Com efeito, nas últimas semanas, como a coligação PSOE-Podemos não dispõe de uma maioria suficiente no Congresso espanhol, Sánchez dispôs-se a negociar – e a negociar efectivamente – com toda a sorte e espécie de forças políticas separatistas e independentistas.
Ponhamos as coisas no seu contexto. Este não é o primeiro governo minoritário no quadro da Constituição de 1978. Já os houve do PP e do PSOE, e mais do que um de cada um. Todos eles negociaram com partidos regionais, designadamente como PNV (Partido Nacionalista Vasco) e com a CiU (Convergencia i Unió), ambos partidos do centro ou centro-direita, à época vistos como moderados, um do País Vasco, o outro da Catalunha. Ambos alimentavam alguma ambiguidade quanto ao destino final das autonomias (mais o PNV do que a CiU), mas, mesmo estendendo o leque de competências regionais, mantinham-se dentro do quadro constitucional. Enquanto assim foi, o equilíbrio constitucional e político interno, feito de uma tensão permanente entre as autonomias históricas e Madrid, foi integralmente preservado. Entretanto, muito na sequência do enorme escândalo de corrupção que abalou a família Pujol (mítico presidente da Generalitat), a CiU dissolveu-se e foi “substituída” pelo Juntos pela Catalunha, que é hoje ferozmente independentista (é o partido de Puigdemont). O PNV continua a apostar numa enorme ambiguidade, mas tem vindo a alargar o seu apetite independentista.
4. O problema agora é outro e representa um salto no escuro, um salto olímpico no escuro. Sánchez negociou directamente com as forças políticas mais radicais, seja da Catalunha, seja do País Vasco, seja até da Galiza. Na Catalunha, fez um acordo expresso com a ERC (Esquerda Republicana), liderada por Oriol Junqueras (que está preso), aceitando a celebração de uma misteriosa consulta ao povo catalão, cujas características e desígnio ainda ninguém descortinou. No País Vasco, transigiu com o Bildu, partido sucessor do Herri Batasuna (braço político da ETA), e que nunca renegou o terrorismo. E, porque a ter sucesso na investidura, não terá uma vantagem superior a um ou dois votos, também negociou com os independentistas galegos do BNG (Bloco Nacionalista Galego). Esta última concessão causa algum embaraço directamente a Portugal, pois, entre outras coisas, o BNG exigiu um acesso livre às televisões e rádios em língua portuguesa na Galiza. Um governo assente nestes trapézios estará sujeito a todo o tipo de reivindicações, pressões, ameaças e ultimatos. Corre seriamente o risco de ser o catalisador do retalhamento da Espanha. E será seguramente, pela indução que fará dos movimentos integristas e nacionalistas espanhóis, o detonador de uma enorme radicalização da cena política. De resto, basta ter assistido ao debate de investidura neste fim-de-semana para logo se perceber que as rupturas já estão em curso.
5. A sequela continua, aliás, embora por cá ninguém se inquiete. Acaba de irromper com força e visibilidade o movimento leonês de autonomia, que quer a separação entre Leão e Castela, na região que hoje os agrega e que se chama Castela e Leão. Esta reivindicação é profundamente simbólica e significaria o regresso dos três reinos cristãos do Ocidente da Península: Leão, Galiza e Castela. As províncias de Leão, Zamora e Salamanca formariam uma nova região, evocativa do velho Império de Leão, dos nossos tão conhecidos Afonso VI e Afonso VII. O frenesim é tal que já se fala em “Lexit”: a saída de Leão da grande autonomia castelhana. A dinâmica centrífuga parece imparável.
6. Diante destas novas realidades e riscos, Portugal tem de estar atento e vigilante. O momento geopolítico peninsular pode ser ou é já tão exigente como foi o da guerra da Sucessão de Espanha no início do século XVIII, das invasões napoleónicas no início do século XIX ou da guerra civil e II Guerra Mundial nos anos 30-40 do século XX. O simples espectro de uma fragmentação peninsular ou de um rearranjo geopolítico, mesmo que não venha a concretizar-se, é promotor de uma enorme instabilidade. E significa uma mudança em 500 anos de consistência fronteiriça.
7. Pelo Natal e por mão amiga, chegou-me um opúsculo de Damião Peres, com que este se apresentou ao concurso para a cátedra em Coimbra: “A diplomacia portuguesa e a sucessão de Espanha (1700-1704)”. Ler a correspondência dos embaixadores e ministros portugueses – D. Luís da Cunha (Londres), José da Cunha Brochado (Paris) e Francisco Sousa Pacheco (Haia) – dá bem o retrato de como pensavam, debatiam e cuidavam, em momento delicado, do interesse nacional. Eis um tempo em que, mais do que excogitamos, merecem ser evocados.
SIM Juan Guaidó. A coragem (até física) com que enfrentou o golpe de Maduro e a agilidade com que organizou nova sessão eleitoral da Assembleia deram um novo impulso à oposição ao chavismo.
NÃO Nicolás Maduro. A tentativa de golpe para evitar que Juan Guaidó fosse eleito Presidente da Assembleia Nacional da Venezuela é mais um agravo da ditadura chavista e da sua máquina repressora.
COMENTÁRIOS:
TML: A ideologia leva a estas coisas... Enquanto que é inaceitável o que se sucedeu às portas da Assembleia Nacional Venezuelana, este Juan Guaidó é uma figura tão oportunista e vendida aos interesses americanos que até mete dó. Vá-se agora apoiar uma votação feita numa redacção de jornal por um partido. Não tarda nada a américa mete lá um Pinochet e vai tudo, feliz, apoiar a liberdade.
JLR, 07.01.2020: Esta afirmação no texto de Paulo Rangel está deliciosa: "(...) Esta última concessão causa algum embaraço directamente a Portugal, pois, entre outras coisas, o BNG exigiu um acesso livre às televisões e rádios em língua portuguesa na Galiza. (...)" Uma iniciativa que nos deveria dar satisfação ( a difusão da cultura portuguesa na Galiza) para PR é um embaraço... que aparentemente se enquadra "(...) em todo o tipo de reivindicações, pressões, ameaças e ultimatos" (...). Cuidado, não façam muito barulho nem dêem muito nas vistas, pois podem desagradar aos senhores castelhanos! Houve tempo em que pensei que Paulo Rangel daria um bom político...
bento guerra, 07.01.2020: O Sanchez é uma vergonha.Traz para governação de Espanha os "indignados" do 15-M e negociou com os inimigos catalães a investidura-.Vai ficar na mão deles para governar
OldVic1, 07.01.2020:  Numa altura em que o mundo a abarrotar de pessoas precisa de união e de consensos, promover directa ou indirectamente a proliferação de micro-países em nome de ressentimentos caducos é de uma irresponsabilidade suicida. Enquanto alguns fazem isso, a Natureza olha para eles e ri-se, afiando a tesoura de poda.
Tiago Vasconcelos, 07.01.2020:  "proliferação de micro-países em nome de ressentimentos caducos" -- excelentemente formulado
Retábulo Galante, 07.01.2020: Dr. P. Rangel, o senhor evoca orgulhosamente 500 anos de estabilidade fronteiriça! Muito bem, portanto seriam desejáveis mais 500 ou 1000. Já agora, porque não inventarmos um novo conceito geoestratégico designado "Países-Presépio"; tudo compostinho, verde, arranjado e os cidadãos e as instituições, tal qual figuras do presépio, distribuídos de forma muito conveniente. Há apenas aqui um pequeno senão, os povos e as pessoas que habitam dentro dessas fronteiras, sabe deus como foram engendradas, não são como os figurantes dos presépios, estão vivos e têm vontade própria. Portanto, não se detenha perante essa sua vontade de querer que tudo fique sempre na mesma, porque tudo muda, quer lhe agrade quer não, é só uma questão de tempo. A questão é saber se a mudança será ruidosa ou silenciosa.
Suspicious Minds, 07.01.2020 : Ui, que vem aí "El Diablo". O que o nosso amigo Paulo Rangel não diz, é que foram os seus amiguinhos da extrema-direita corrupta, herdeira do franquismo, e a sua irracionalidade espanholista repressora, que levou ao extremar de posições. Quanto ao palhaço amestrado venezuelano, nem merece comentários.
Suspicious Minds 07.01.2020:  ...ah, o que deveria causar embaraço ao governo português, e ao Paulo Rangel, é o facto da Lei Paz Andrade, votada por maioria no Parlamento Galego, que permitiria a difusão dos canais de rádio e televisão portugueses na Galiza, ainda ter sido implementada. Ou seja, é a nossa língua comum que está a ser desbaratada na Galiza, com a total complacência do governo português. E por falar em desbaratar a língua: Em português é País Basco, e não "Vasco", à castelha



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