Já há dias, ouvimos Paulo Portas – e não foi o único – a propósito dos resultados das
eleições espanholas, com o PSOE de Pedro Sanchez
sem maioria absoluta e formando coligações com grupos separatistas, anunciar
que, perdida a Catalunha, natural seria que o governo espanhol, por falta
daquela, a oriente, viesse requerer Portugal, a ocidente, para compensar aquela
perda, embora irreparável. Achei Portas um tanto pedante com tal sugestão que
poria todos os Portas e os Janelas do nosso país a transferir-se de armas e
bagagens para as sopas do país vizinho, de preferência a defender o seu torrão,
pois já vimos como os torrões pátrios foram ultimamente menosprezados pelas forças
armadas do nosso torrão pobrezinho. De resto, só vejo as praias algarvias ou
algumas da nossa costa ocidental, por Camões reduzidas a “ocidental praia
lusitana”, para compensar – a banhos – o governo espanhol pela perda do vasto
torrão catalão. Mas Paulo Rangel vai ainda mais longe com o desfazer dos torrões espanhóis, por via das
coligações. E voltamos aos tempos cediços de Leão e Castela e aos condados da
Galiza e de Portugal, lembrando as manas Urraca e Teresa e desprezando Afonso
Henriques que bateu na mãe por conta do torrãozinho que desejou seu pátrio lar.
Não nos basta vermos o mundo a desfazer-se, com as cheias, os incêndios,
os ciclones e os degelos. Sentimos os tremores da nossa cobardia a sugerir que,
porque falhamos na governação, pretendemos que outros nos aleitem...
Deve ser por isso que cheguei a ouvir dantes a designação de “sítio”
para o nosso país. Mas “torrão” sempre é mais poético, poor thing!
O transe geopolítico posto pelo novo Governo espanhol
Aquilo que verdadeiramente me preocupa – e que, creio, nos deve
preocupar a todos – é a sequência de transacções e concessões às forças
políticas separatistas e independentistas.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 7 de Janeiro de
2020
1. A urgência e gravidade da actual crise no Médio Oriente pôs na sombra os
desenvolvimentos políticos em Espanha, cruciais para a equação
geopolítica portuguesa. Não
me reporto à circunstância de, pela primeira vez na história destes 42 (ou 45)
anos de democracia, haver um governo de coligação. Ainda que minoritária,
trata-se de uma coligação entre os socialistas do PSOE e a esquerda radical do
Unidas-Podemos. Na cena partidária, representa inovação e surpresa. Basta
lembrar o que Pedro
Sánchez e Pablo
Iglesias disseram um do outro e dos respectivos partidos ao longo de
2019.
2. Não me refiro à
circunstância de estarmos diante de uma solução política que é seguramente a
mais à esquerda destas quatro décadas. A substância do acordo terá obviamente
impacto sobre a economia e a confiança dos investidores. Sabendo o quão
sensível é a economia portuguesa às evoluções na vizinha Espanha, haverá
decerto repercussões a que temos de estar atentos. E terá decerto impacto sobre
alguns dos consensos da transição dos anos 70, rompendo com eles e contribuindo
para uma maior radicalização da vida política, já de si muito tensa e extremada.
3. Aquilo que verdadeiramente me preocupa – e que, creio, nos deve preocupar a todos – é a sequência de transacções e concessões às forças políticas separatistas e independentistas. Com efeito, nas últimas semanas, como a coligação PSOE-Podemos não dispõe de uma maioria suficiente no Congresso espanhol, Sánchez dispôs-se a negociar – e a negociar efectivamente – com toda a sorte e espécie de forças políticas separatistas e independentistas.
Ponhamos as coisas no seu contexto. Este não é o primeiro governo
minoritário no quadro da Constituição de 1978. Já os houve do PP e do PSOE, e
mais do que um de cada um. Todos eles negociaram com partidos regionais,
designadamente como PNV (Partido Nacionalista Vasco) e com a CiU (Convergencia
i Unió), ambos partidos do centro ou centro-direita, à época vistos como
moderados, um do País Vasco, o outro da Catalunha. Ambos alimentavam alguma ambiguidade quanto ao
destino final das autonomias (mais o PNV do que a CiU), mas, mesmo estendendo o
leque de competências regionais, mantinham-se dentro do quadro constitucional.
Enquanto assim foi, o equilíbrio constitucional e político interno, feito de
uma tensão permanente entre as autonomias históricas e Madrid, foi
integralmente preservado. Entretanto, muito na sequência do enorme escândalo de
corrupção que abalou a família Pujol (mítico presidente da Generalitat), a CiU
dissolveu-se e foi “substituída” pelo Juntos pela Catalunha, que é hoje
ferozmente independentista (é o partido de Puigdemont). O PNV continua a
apostar numa enorme ambiguidade, mas tem vindo a alargar o seu apetite
independentista.
4. O
problema agora é outro e representa um salto no escuro, um salto olímpico no
escuro. Sánchez negociou directamente com as forças
políticas mais radicais, seja da Catalunha, seja do País Vasco, seja até da
Galiza. Na Catalunha, fez um
acordo expresso com a ERC (Esquerda Republicana), liderada por Oriol Junqueras
(que está preso), aceitando a celebração de uma misteriosa consulta ao povo
catalão, cujas características e desígnio ainda ninguém descortinou. No País Vasco, transigiu com o Bildu, partido
sucessor do Herri Batasuna (braço político da ETA), e que nunca renegou o
terrorismo. E, porque a ter sucesso na investidura, não terá uma vantagem
superior a um ou dois votos, também negociou com os independentistas galegos do
BNG (Bloco Nacionalista Galego). Esta última concessão causa algum embaraço directamente a Portugal,
pois, entre outras coisas, o BNG exigiu um acesso livre às televisões e rádios
em língua portuguesa na Galiza. Um governo assente nestes trapézios estará
sujeito a todo o tipo de reivindicações, pressões, ameaças e ultimatos. Corre
seriamente o risco de ser o catalisador do retalhamento da Espanha. E será
seguramente, pela indução que fará dos movimentos integristas e nacionalistas
espanhóis, o detonador de uma enorme radicalização da cena política. De resto,
basta ter assistido ao debate de investidura neste fim-de-semana para logo se
perceber que as rupturas já estão em curso.
5. A sequela
continua, aliás, embora por cá ninguém se inquiete. Acaba de irromper com força e visibilidade o movimento
leonês de autonomia, que quer a separação entre Leão e Castela, na região que
hoje os agrega e que se chama Castela e Leão. Esta reivindicação é
profundamente simbólica e significaria o regresso dos três reinos cristãos do
Ocidente da Península: Leão, Galiza e Castela. As províncias de Leão, Zamora e
Salamanca formariam uma
nova região, evocativa do velho Império de Leão, dos nossos tão conhecidos
Afonso VI e Afonso VII. O frenesim é tal que já se fala em “Lexit”: a saída de
Leão da grande autonomia castelhana. A dinâmica centrífuga parece imparável.
6. Diante destas
novas realidades e riscos, Portugal tem de estar atento e vigilante. O momento geopolítico peninsular pode ser ou é já
tão exigente como foi o da guerra da Sucessão de Espanha no início do século
XVIII, das invasões napoleónicas no início do século XIX ou da guerra civil e
II Guerra Mundial nos anos 30-40 do século XX. O simples espectro de uma fragmentação peninsular ou
de um rearranjo geopolítico, mesmo que não venha a concretizar-se, é promotor
de uma enorme instabilidade. E significa uma mudança em 500 anos de
consistência fronteiriça.
7. Pelo Natal e por mão
amiga, chegou-me um opúsculo de Damião Peres, com que este se apresentou ao concurso para a
cátedra em Coimbra: “A diplomacia portuguesa e a sucessão de
Espanha (1700-1704)”. Ler a
correspondência dos embaixadores e ministros portugueses – D. Luís da Cunha
(Londres), José da Cunha Brochado (Paris) e Francisco Sousa Pacheco (Haia) – dá
bem o retrato de como pensavam, debatiam e cuidavam, em momento delicado, do
interesse nacional. Eis um tempo em que, mais do que excogitamos, merecem ser
evocados.
SIM Juan Guaidó. A coragem (até física) com que enfrentou
o golpe de Maduro e a agilidade com que organizou
nova sessão eleitoral da Assembleia deram um novo impulso à
oposição ao chavismo.
NÃO Nicolás Maduro. A tentativa
de golpe para evitar que Juan Guaidó fosse eleito Presidente da Assembleia
Nacional da Venezuela é mais um agravo da ditadura chavista e
da sua máquina repressora.
COMENTÁRIOS:
TML: A ideologia leva a estas coisas... Enquanto
que é inaceitável o que se sucedeu às portas da Assembleia Nacional
Venezuelana, este Juan Guaidó é uma figura tão oportunista e vendida aos
interesses americanos que até mete dó. Vá-se agora apoiar uma votação feita
numa redacção de jornal por um partido. Não tarda nada a américa mete lá um
Pinochet e vai tudo, feliz, apoiar a liberdade.
JLR, 07.01.2020: Esta afirmação no texto de
Paulo Rangel está deliciosa: "(...) Esta última concessão causa algum
embaraço directamente a Portugal, pois, entre outras coisas, o BNG exigiu um
acesso livre às televisões e rádios em língua portuguesa na Galiza. (...)"
Uma iniciativa que nos deveria dar satisfação ( a difusão da cultura portuguesa
na Galiza) para PR é um embaraço... que aparentemente se enquadra "(...)
em todo o tipo de reivindicações, pressões, ameaças e ultimatos" (...).
Cuidado, não façam muito barulho nem dêem muito nas vistas, pois podem
desagradar aos senhores castelhanos! Houve tempo em que pensei que Paulo
Rangel daria um bom político...
bento guerra, 07.01.2020: O Sanchez é uma
vergonha.Traz para governação de Espanha os "indignados" do 15-M e
negociou com os inimigos catalães a investidura-.Vai ficar na mão deles para
governar
OldVic1, 07.01.2020: Numa altura em que o mundo a abarrotar de pessoas precisa
de união e de consensos, promover directa ou indirectamente a proliferação de
micro-países em nome de ressentimentos caducos é de uma irresponsabilidade
suicida. Enquanto alguns fazem isso, a Natureza olha para eles e ri-se, afiando
a tesoura de poda.
Tiago Vasconcelos, 07.01.2020: "proliferação de micro-países em nome de
ressentimentos caducos" -- excelentemente formulado
Retábulo Galante, 07.01.2020: Dr. P. Rangel, o senhor evoca
orgulhosamente 500 anos de estabilidade fronteiriça! Muito bem, portanto seriam
desejáveis mais 500 ou 1000. Já agora, porque não inventarmos um novo conceito
geoestratégico designado "Países-Presépio"; tudo compostinho, verde,
arranjado e os cidadãos e as instituições, tal qual figuras do presépio,
distribuídos de forma muito conveniente. Há apenas aqui um pequeno senão, os
povos e as pessoas que habitam dentro dessas fronteiras, sabe deus como foram
engendradas, não são como os figurantes dos presépios, estão vivos e têm
vontade própria. Portanto, não se detenha perante essa sua vontade de querer que
tudo fique sempre na mesma, porque tudo muda, quer lhe agrade quer não, é só
uma questão de tempo. A questão é saber se a mudança será ruidosa ou
silenciosa.
Suspicious Minds, 07.01.2020 : Ui, que vem aí "El
Diablo". O que o nosso amigo Paulo Rangel não diz, é que foram os seus
amiguinhos da extrema-direita corrupta, herdeira do franquismo, e a sua
irracionalidade espanholista repressora, que levou ao extremar de posições.
Quanto ao palhaço amestrado venezuelano, nem merece comentários.
Suspicious Minds 07.01.2020: ...ah,
o que deveria causar embaraço ao governo português, e ao Paulo Rangel, é o
facto da Lei Paz Andrade, votada por maioria no Parlamento Galego, que
permitiria a difusão dos canais de rádio e televisão portugueses na Galiza,
ainda ter sido implementada. Ou seja, é a nossa língua comum que está a ser
desbaratada na Galiza, com a total complacência do governo português. E por
falar em desbaratar a língua: Em português é País Basco, e não
"Vasco", à castelha
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