E a Carochinha,
que achou no chão cinco réis, enquanto varria a cozinha, por conselho da
vizinha que a mandou pôr-se bonitinha, e comprar sedas, brincos, anéis, foi
para a janela interrogar os passantes se quereriam casar com ela, assim bonita
e perfeitinha. Só gostou do discurso do João Ratão e aceitou-o por esposo. E
disse-lhe, eficiente e prazenteira: “Põe-te a descansar, que eu vou comprar
bolinhos para o nosso jantar.” A continuação:
“Mal o nosso João Ratão se viu sozinho, a correr foi
espreitar ao caldeirão que estava ao lume a ferver. Quis roubar um feijãozito. Debruçou-se
e zás! Caiu. Nunca mais ninguém o viu.”
Pelo menos era assim que contava Vasco Santana, naqueles velhos tempos, e
isso aplica-se a estes novos tempos. Todos aspiramos à mão da Carochinha, e aos
feijões da sua panela. Tal como o João Ratão, mas, ávidos, não reparamos que
estão a ferver e zás, como ele, morreremos cozidos e assados no caldeirão. Podemos
renascer, é certo, a esperança sendo a última a desaparecer, mas de momento não
temos ilusões de que isso volte a acontecer, na banalização dos tempos que
correm, embora lamentemos, como a Carochinha: “Ai o meu rico João Ratão que morreu cozido e assado no caldeirão!”.
António
Pires de Lima confessou que é fascista? /premium
Vamos certamente assistir à
multiplicação de “fascistas” e de “populistas”, não porque haja mais
“fascistas” e “populistas”, mas porque os que mandam há muito tempo estão com
medo de deixar de mandar.
RUI RAMOS, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 28 jan 2020,
Há
quarenta e cinco anos que as direitas se queixam de que as esquerdas as tratam
como “anti-democráticas”, isto é, sem direito à luz do sol em democracia. Dirão: um problema da esquerda, que, enquanto
auto-proclamada vanguarda do progresso e da virtude, se habituou a tratar
outras opiniões como expressão de atavismo ou de ideias sinistras. Mas não é
só à esquerda que o pluralismo causa problemas digestivos, como se viu no
último congresso do CDS.
Na
noite de sábado, o ex-ministro António Pires de Lima subiu ao palanque para,
agarrando num vocábulo avulso (“quadrilha”), acusar um candidato de deficiência ou
falta de “cultura democrática”. Os
apoiantes do candidato não apreciaram, e reagiram. O que serviu aos que
estavam do mesmo lado de Pires de Lima para dar por provada a imputação.
O
candidato assim acusado por Pires de Lima era Francisco Rodrigues dos Santos,
que aliás veio a ganhar o congresso. Ora, Rodrigues dos Santos (se a sua ficha na Wikipedia estiver correcta) inscreveu-se na organização juvenil do CDS em
2007, ano em que o partido voltou a ser dirigido por Paulo Portas. Foi presidente
da Juventude Popular desde 2015, enquanto Paulo Portas e depois Assunção
Cristas lideraram o CDS. Em 2015, esteve no governo, como adjunto no
gabinete do ministro Luís Pedro Mota Soares, outro dirigente do CDS. Mais: em 2017,
a direcção do CDS, presidida por Assunção Cristas, propôs Rodrigues dos Santos
como candidato à Assembleia Municipal de Lisboa, e em 2019 como candidato à
Assembleia da República.
Que devemos concluir, portanto, se as acusações de Pires de Lima forem
verídicas? Primeiro, que o CDS é um partido que não dá “cultura
democrática” aos seus militantes e dirigentes, e portanto que os valores da
democracia não são os do CDS. Segundo, que as direcções do CDS presididas por
Paulo Portas e depois por Assunção Cristas aceitaram que a sua organização de
juventude fosse dirigida por um indivíduo sem a necessária “cultura
democrática”, a quem se dispuseram a promover à Assembleia Municipal de Lisboa,
Assembleia da República e Governo de Portugal.
António
Pires de Lima foi presidente do Conselho
Nacional do CDS. Que
pensar do CDS, quando um ex-dirigente diz isto do seu próprio partido? Que
pensar de Paulo Portas, de Assunção Cristas e do próprio Pires de Lima? Durante
anos, o Partido Comunista e a extrema-esquerda trataram o CDS como um
partido “fascista” (a sua maneira de dizer que lhe faltava “cultura
democrática”), e como tal chegaram a impedir a sua actividade e a exigir a sua
ilegalização. Está Pires de Lima a confessar que afinal tinham razão?
É
óbvio que não. Simplesmente, na passada noite de sábado, quando Pires de
Lima discursou, a candidatura que ele apoiava estava em risco de ser derrotada
no congresso. Através de Pires de Lima, falaram o desespero, a
desorientação e também o cinismo de um grupo que dirige o CDS há cerca de 20
anos e que se via na iminência de perder o seu brinquedo partidário. Nesse
momento, valeu tudo, incluindo legitimar o tipo de estigmatização a que as
esquerdas sujeitaram o CDS e todos os seus dirigentes, de Freitas do Amaral a
Assunção Cristas. Bastou os seus lugares estarem em risco para que
aqueles que durante anos lutaram por ser respeitados deixassem de se respeitar
a si próprios.
As acusações de falta de “cultura
democrática” contra a direita começaram como parte do esforço das esquerdas
para se tornarem donas do regime. O caso de Pires de Lima mostra que hoje fazem
parte do arsenal de toda a oligarquia, à esquerda mas também à direita, sempre
que sente ameaçadas as suas posições e influências. Vamos certamente assistir à
multiplicação de “fascistas” e de “populistas”, não porque haja mais
“fascistas” e “populistas”, mas porque os que mandam há muito tempo estão com
medo de deixar de mandar.
COMENTÁRIOS:
António
Sennfelt: Receio que grande
parte dos comentários a criticar o artigo de Rui Ramos revelam que os seus
autores não compreenderam nada do artigo... Sad but true!
Joaquim Zacarias: O Chicão parece estar a incomodar muita gente. Não há comentador de
esquerda na CS, que não refira depreciativamente a juventude dele, assim como a
sua origem da jota do CDS. Mas esses não são os motivos das criticas, mas sim
,a afirmação feita no congresso, de que tudo fará para combater a esquerda, e
numa futura aliança, incluirá o Chega.
Ana Baptista > Joaquim
Zacarias: Claro. O único problema para
esta gente, que se antecipa como possível, é a oposição à esquerda totalitária
e corrupta, com a qual esta "direita", que agora critica, alegremente
se irmana na repartição do produto do roubo a Portugal e aos portugueses. O
senhor só erra na parte da aliança. A questão não será saber se o CDS aceita o
Chega, mas o oposto. Por mim o que deve acontecer é sim uma fusão e não uma
mera coligação pontual.
Afonso Portela: Brilhante Rui. Com excepção de Camarate, foi sem dúvida o momento
mais triste e baixo de que guardo memória em toda a história do CDS. O Rui,
certamente por cortesia, só não verbalizou com todas as letras que, como
sabemos, quem pela boca do "fascista" Lima falou foi o inenarrável e
irrevogável Portas. A maleita mais desprezível que alguma vez assombrou a
direita. Se decência houvesse, seria razoável esperar que tal gente se
retirasse de vez, mas claro, sendo o que são, ao invés, começaram a fazer a
vida negra aos novos dirigentes do partido, e por essa via a Portugal, muito
antes de eles serem sequer empossados. Um nojo de gente.
ALEX de Sousa: Alguns leitores por aqui deviam ser um pouco mais sensatos e respeitosos
evitando os insultos ao articulista Rui Ramos. Para quem tenha dúvidas sobre o
que é ou não é insulto, tomem como referência a palavra quadrilha
usada pelo Chicão, o novel líder do CDS, para qualificar as esquerdas. Com
este novo referencial de boas maneiras políticas, fiquem à vontade para
chamarem ao Rui Ramos tudo o que entenderem desde que seja de quadrilha
para cima; quadrilha (ou chefe de quadrilha) incluída…
Luís Martins: Na mouche!
Carlitos Sousa: Desta vez estou totalmente de acordo com a análise. Pires de Lima usou o
que estava à mão para defender o seu candidato. Ficou mal na foto e já deve
estar arrependido. É pena, porque Pires de Lima é um excelente activo do PP.
Manuel Ferreira: Pires de Lima tem umas intervenções um pouco estranhas. Lembro-me daquela
na AR depois do almoço onde também não ficou nada bem na fotografia. Nesta
também fica mal visto dentro e fora do partido. Enfim, de vez em quando calça o
chinelinho de andar por casa!
Manuel Magalhães: Grandes realidades!!!
Dani Silva: Relembro que o CDS teve 4,22% dos votos nas últimas legislativas. Parece-me que se está a dar demasiada
importância (e cobertura mediática) a um partido tão insignificante...
José Ribeiro e Castro: Os insultos que alguns dirigem aqui ao Rui Ramos confirmam o acerto
absoluto do seu artigo. Tenha pena que APL tenha feito aquilo, mas o que Rui
Ramos analisa e conclui é infelizmente certíssimo.
Há muito que a política e a "comentocracia" em Portugal sofrem de um tique deplorável, uma mania medíocre. É o que chamo de "o fascista de turno". Há muita gente que precisa de descobrir e apontar o "fascista" para se sentir "à esquerda" e se aconchegar na zona de conforto. Talvez seja ainda uma arrastada herança do PREC. Ou uma consequência do largo peso gordo que a esquerda mantém no ambiente político-cultural do país.
Há muito que a política e a "comentocracia" em Portugal sofrem de um tique deplorável, uma mania medíocre. É o que chamo de "o fascista de turno". Há muita gente que precisa de descobrir e apontar o "fascista" para se sentir "à esquerda" e se aconchegar na zona de conforto. Talvez seja ainda uma arrastada herança do PREC. Ou uma consequência do largo peso gordo que a esquerda mantém no ambiente político-cultural do país.
Paulo Guerra > José Ribeiro
e Castro: Com o espaço para as viúvas do
Ribeiro e Castro assegurado, como o compreendo meu caro. Se o
leitorzinho de frases feitas chegar às próximas legislativas, voltamos a falar.
José Broa: No fundo, Rui Ramos tem é inveja que alguém chame isso ao Pires de Lima ...
e não a si próprio. O que diga de passagem é injusto, perante todo o esforço de
RR!!!!!
Pedro Dragone: A obsessão desta “direita
calhambeque” com os rótulos políticos, esquerda, direita, fascista,
socialista, etc, vai liquidá-la à nascença. E também não faz cá falta nenhuma,
excepto para “museu”! A esmagadora maioria das pessoas que votam, e com o seu
voto podem ou não dar relevância
a um partido ou corrente política, não liga a rótulos! E as esquerdas já
perceberam isso há muito tempo… Este
pessoal que tanto valoriza o mercado, e a “atenção ao cliente”, parece ignorar
as regras básicas desse mesmo mercado. Neste caso o “mercado da política” que
são os eleitores. Será que o “cliente eleitor” “é estúpido” e precisa de
ser reeducado???
Paulo Guerra: A desonestidade intelectual deste RR nunca pára de nos
surpreender. Pires de Lima não agarrou num vocábulo avulso mas antes
limitou-se a ler a 1ª frase da Moção do Francisco. Que já agora era a única
coisa que ia a votos no Congresso, ou seja a verdadeira razão de ser do Congresso.
Logo e tal como disse Pires de Lima, era uma frase mais que pensada e daí a
gravidade. E que pretendia antes de mais escamotear aquilo que o Observador e
nomeadamente o desonesto RR também não se cansa de escamotear. Em 2015 Cavaco convidou primeiro para formar
Governo os pafiosos. Que como a direita também não se cansa de repetir, tiveram
mais votos. Foi Paços que deu conta a Cavaco que não conseguia formar Governo e
só a partir desse ponto é que Cavaco, com muita dificuldade, como todos pudemos
comprovar mas sem outra alternativa, teve que se virar para Costa, que
assegurava desde logo a aprovação do 1º OE. Não
há outra história, não vale a pena inventar outras narrativas. Aconteceu em
Portugal o que acontece em todas as Democracias parlamentares europeias. Claro
que Pires de Lima está coberto de razão em tudo quanto proferiu. E em relação
ao resto do blá blá do texto do RR, também há um provérbio popular, tão do
agrado dos conservadores, que ilustra bem esta mudança e que diz que “se queres
conhecer realmente alguém, dá-lhe poder.” E
claro que quem não respeita os seus adversários políticos numa Democracia
Parlamentar, não está sequer apto para entrar no Parlamento. Julgo que foi o
que Pires de Lima foi dizer ao Congresso, coberto de razão. Com uma atitude até
muito pedagógica porque em vez de tentar enfatizar os perigos que decorrem de
pensamentos como os expressos na Moção limitou-se a pedir tempo para o
Francisco crescer. Com razão, convenhamos.
Miguel Bergano: Uma excelente reflexão, parabéns pela lucidez.
Ana Ferreira: Vendo uma luz ao fundo do túnel, a reprimir óbvia satisfação, RR no seu
habitual estilo dissimulado, abençoa Chicão. Pode ser que evite a suprema
vergonha de ter que apoiar o charlatão!
Adelino Lopes: Análise simples e directa. Gosto e concordo. Só faltou o complemento. E o
complemento é: “a idade é um posto”. Aprende-se na tropa (quem por lá passou).
Só que os “berros” do “mais velho” resultam (às vezes) nas instituições não
democráticas. Exemplo gritante acontece nas etnias africanas. Neste caso não
resultou. Será que afinal o CDS é democrata?
José Montargil: Um desplante desse tal Pires de Lima! Nada mais.
Esse Lima e o resto da manada, não só do CDS mas de todos os partidos
bem podem ir à vida pois para nós portugueses não servem para nada. Não mostram trabalho quando estão no poder, na
oposição nada de construtivo aparece. É
gente que não interessa ao País. Incluo nessa manada todos os partidos sem
excepção que exerceram o poder. Está na hora de irem para a reforma, de se
preocuparem com o que não fizeram durante os anos que trataram Portugal como
coisa sua. Nenhum deles presta para
nada. Para mim há uma excepção que é Passos
Coelho. O resto, e sobretudo o actual
PR, são prejudiciais ao funcionamento de Portugal, tratam os portugueses como
menores de idade e com arrogância desmedida.
Carlos Quartel: Fraca crónica, em minha opinião. Todo o
episódio não passou da democracia em funcionamento, cada um expressando o que
pensa, sem papas na língua, como deve ser. O
que deve ser realçado é a vivacidade e a discussão acalorada, num congresso
onde se elegem os líderes e onde a vitória não está assegurada. Comparar isto com as "missas" em que se
transformaram os congressos dos partidos com eleições separadas, podia dar
assunto para uma boa crónica.
Rui Vieira da Silva: Muito Bem!
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