quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Desanuviamento



Afinal, parece que tudo não passou de uma tempestade num copo de água. Ou, mais classicamente, a montanha que pariu um rato. Ou, como dizia o meu pai, de brincadeira... “deixá-los lá falá-los que eles calarão-se-ão”... Será? Se for, ainda bem que o é...
ANÁLISE
A resposta “contida” do Irão
As primeiras salvas de mísseis do Irão são provavelmente as últimas. A “guerra assimétrica” pode continuar mais tarde.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 8 de Janeiro de 2020
1.Cinco dias depois da eliminação às ordens de Donald Trump do general Qassem Soleimani, o Irão retaliou. Optou pela via militar, disparando salvas de mísseis contra duas bases militares iraquianas onde estão estacionadas tropas americanas e da coligação internacional. Não houve vítimas, embora o regime de Teerão fale em 80 “terroristas” americanos mortos. Os actos e as palavras dos responsáveis de Teerão revelam prudência. A retaliação está “concluída”, escreveu o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Javad Zarif num tweet.
O regime cumpriu o prometido: retaliou, simbolicamente à mesma hora em que Soleimani foi morto, demonstrando à opinião pública que não tem medo dos EUA. As autoridades de Teerão, incluindo a ala dura do regime, sabem que não é através do confronto militar que conseguirão infligir o devido “castigo” aos EUA e aos seus aliados regionais. Essa é a guerra que não querem travar, porque a perderiam. O que não quer dizer que não regressem à “guerra assimétrica”, a especialidade de Soleimani com a sua rede de milícias violentas espalhadas por todo o Médio Oriente – o terreno onde pode provocar mais danos e onde a esmagadora superioridade militar americana conta menos. As possibilidades vão de atentados terroristas contra alvos americanos algures no mundo à crescente desestabilização do Iraque, criando uma situação insustentável para as tropas americanas e da NATO que estão no terreno e obrigando os cidadãos americanos a sentirem-se alvos quotidianos desde que estejam fora dos Estados Unidos.
Teerão também prometeu atingir o território americano. É altamente improvável, mas seria uma tremenda derrota para Donald Trump. Desde o 11 de Setembro que nenhum atentado terrorista provocado por forças extremistas estrangeiras atingiu os EUA. O terrorismo de raiz islâmica atingiu em primeiro lugar o próprio mundo árabe e islâmico, onde aconteceram os mais mortíferos e frequentes atentados da Al-Qaeda e onde o Daesh provocou o maior número de vítimas. Os dois grupos terroristas são sunitas, ou seja, inimigos do Irão xiita. A Europa também foi duramente atingida por uma série de atentados mortíferos de larga escala, desde 2004 (Madrid), e é ainda hoje o terreno privilegiado dos chamados “lobos solitários”, que tentam eliminar infiéis nas ruas das grandes cidades europeias, normalmente providos de armas rudimentares, mas mesmo assim letais.
2. O Presidente americano respondeu aos dois ataques de mísseis com a sua “simplicidade” habitual: “Até agora, tudo bem”. Sem se esquecer de lembrar que tem à disposição o exército mais poderoso do mundo. Se o Irão ficar por aqui, pelo menos no imediato, Trump poderá facilmente cantar vitória. É essa linguagem primária, muito distante da que estávamos habituados a esperar do ocupante da Casa Branca, que lhe permite manter o apoio de quase metade dos americanos, ultrapassando todas as crises que os analistas tenderiam a considerar fatais para qualquer outro no seu lugar.
A confusão sobre a retirada das tropas americanas no Iraque, depois de o Parlamento iraquiano ter votado pela sua expulsão, ou a ideia de visar alvos que são património cultural da humanidade provocaram, apesar de tudo, algum mal-estar no Pentágono, que se tem visto marginalizado das “grandes decisões” da Administração Trump, com a crescente preponderância do chefe do Departamento de Estado, Mike Pompeo. Quanto aos aliados, a diplomacia americana foi à sede da NATO em Bruxelas, no dia 6 de Janeiro, informá-los de que a “dissuasão” face a Teerão tinha sido restabelecida com a morte de Soleimani e de que os passos seguintes seriam no sentido de evitar uma escalada.
3. Do lado de cá do Atlântico, não há grandes surpresas. A Europa sofre as dores da sua dificuldade em adaptar-se a um mundo para o qual não estava e ainda não está preparada. Teria um papel a desempenhar (como desempenhou na crise ucraniana, por exemplo), se em Washington estivesse outro Presidente, e nem sequer seria preciso que fosse Obama. Basta trazer à memória a rapidez com que a maior crise da relação transatlântica depois da Guerra Fria, provocada pela guerra do Iraque em 2003, foi superada, com a reaproximação entre a Administração Bush e as principais potências europeias. Com Donald Trump, o papel de intermediação que a Europa poderia desempenhar numa crise internacional desta natureza é mais difícil, se não mesmo impossível.
Mesmo assim, os europeus estenderam a mão à ala moderada do regime, posta momentaneamente em cheque com a eliminação do “número dois” da sua ala dura, convidando o ministro Zarif para conversações em Bruxelas. O objectivo é manter alguns canais abertos com Teerão que permitam salvar in extremis o acordo nuclear de 2015, que negociou e subscreveu com os Estados Unidos. Teerão já ameaçou abandoná-lo. O teste será a continuação das missões de verificação dos sites onde o enriquecimento do urânio para fins civis é possível. Hoje, perante a “retaliação” iraniana, não houve dessintonia com Washington. Em Berlim, Paris ou Londres, os dois ataques de mísseis foram devidamente condenados.
Muita coisa vai depender também da forma como se conseguirem articular no quadro da NATO (para já não dizer da União Europeia) sobre uma resposta de mais longo prazo. Vão retirar-se do Iraque, onde mantêm missões de formação das forças armadas iraquianas? Em ordem dispersa? Alguns países da Aliança, como o Canadá ou a Espanha, já anunciaram a retirada parcial das suas tropas. A Alemanha anunciou a redução do seu contingente. O Reino Unido e a França, como seria se esperar, ainda estão a avaliar a situação. Países como Portugal, cujo empenho na NATO é forte, reservam a sua decisão para uma tomada de posição conjunta. O mais provável é que a Europa acabe por retirar-se progressivamente do Iraque, onde o confronto entre o Irão e os EUA deverá continuar por entrepostos actores.
“Entalada” entre um mundo onde prevalece cada vez mais a força sobre a lei internacional e uma Administração americana pouco interessada nas suas velhas alianças e ainda menos no desempenho do seu papel de garante da ordem internacional, a Europa constata as suas próprias limitações. Mesmo assim, como notou a imprensa europeia, as três potências europeias – França Alemanha e Reino Unido – afinaram muito facilmente pelo mesmo diapasão na forma como reagiram à crise, provando que o “Brexit” não vem alterar significativamente o forte alinhamento dos interesses britânicos com os dos seus principais parceiros europeus.
COMENTÁRIOS:
Fernando Varela, 08.01.2020: Os comentadores de plantão, não conseguem responder o porquê de o Irão ter disparado 35 mísseis e não ter feito um único arranhão num soldado e ter feito estragos sem qualquer monta !!! No mínimo estranho ou não acham ? O Irão é um bluf, e acho que os EUA perdem uma grande oportunidade de resolver um problema que se pode tornar maior no futuro. A propósito, a Europa, com a sua hipocrisia já habitual, de querer defender Deus e o Diabo, deveria ser deixada só, para que se defendesse da Rússia e dos Islâmicos. O petróleo em poucos anos, não tem qualquer valor e interesse comercial, e nessa altura o que vai valer é o poder das armas. Os americanos salvaram a Europa por 2 vezes nos últimos 75 anos, do nazismo e do comunismo. Agora poucos se recordam dessa parte da História moderna. !!!
José Cruz Magalhaes, 08.01.2020: Os países europeus ,incluindo Portugal,apressaram-se a condenar o lançamento de mísseis iranianos, contra bases militares norte-americana .Aguardemos que o equilíbrío seja mantido,contra possíveis retaliações do exército americano,ou dos seus aliados,locais, já que a condenação da acção que eliminou o general iraniano,não teve reacção proporcional dos mesmos países. A Europa e os países europeus teriam tudo a ganhar com o aumento da distância entre a sua diplomacia e a política externa norte-americana, que é, hoje, um mero exercício de força, para condicionar aliados e adversários e, sobretudo, para preservar as clientelas internas, cada vez menos esclarecidas e mais radicalizadas.
SC RIBEIRO, 08.01.2020: Resposta Iraniana claramente para conter as multidões fanatizadas pelos dirigentes do Governo. Eles sabem que a resposta dos EUA será duríssima, caso haja baixas de militares ou cidadãos. Por agora não se fala mais nisso...
Joao, 08.01.2020: Nesta concordo em geral com a Teresa. Também acho que a resposta foi directa e frontal mas muito contida e mesmo anunciada para tentar garantir que não haveria vítimas mortais. Vamos ver, também não esperava que os iranianos respondessem assim frontalmente e enganei-me.
De salientar duas coisas para os trolliteiros pró-guerras americanas que têm andado aqui a espalhar mentiras. Primeiro “O terrorismo de raiz islâmica atingiu em primeiro lugar o próprio mundo árabe e islâmico, onde aconteceram os mais mortíferos e frequentes atentados da Al-Qaeda e onde o Daesh provocou o maior número de vítimas.” … o principal alvo dos terroristas wahabitas criados pela aliança saudita/americana desde 1979 no Afeganistão, o principal alvo dos terroristas são os governos das repúblicas mais “laicas” ou mais “socialistas”, aliás para isso é que foram criados, coincidindo com os governos de países com ainda algum número de xiitas. Ataques por aqui são apenas salpicos dessas matanças e extermínios sobre as minorias xiitas, cristãs, assírias, maronitas, druzas, etc.
Segundo “Os dois grupos terroristas são sunitas, ou seja, inimigos do Irão xiita.” assim como são inimigos dos xiitas todos os grupos terroristas, Exército do Islão, Brigada Islâmica, do Levante, etc. Aliás repito, são praticamente o único inimigo, o resto são salpicos descontrolados. Quem combate os terroristas são todos os outros que não são wahabitas nem estão a soldo da aliança saudita/americana, são os xiitas no Iraque (onde são a maioria) mas são os sunitas na Síria (onde são a maioria), ajudados pelos palestinianos (teoricamente sunitas), pelos libaneses (parte xiitas), ou pelos cristãos, pelos druzos, assírios, etc. Ou seja, quase todos ali na zona combatem os terroristas wahabitas que a aliança saudita/americana e Nato protegem e mandaram para lá.
lgss, 08.01.2020: O Acordo de 2015 não existe sem os EUA. A UE não tem nada a oferecer sem os EUA. O Irão depois de esperar um ano pelos europeus já o abandonou de facto. Como retratar o presente sem assumir o passado?
PRO, 08.01.2020: O Brexit demonstra ser verdadeiramente um empecilho. Como se viu com o Irão, o RU só tem amigos deste lado do Atlântico. É com a Alemanha e a França que o RU comunga nas decisões internacionais. E a cooperação irá continuar muito forte. Úrsula está hoje em Londres para falar com BoJo sobre a nova fase das negociações e irá propor uma provável extensão do período de transição. O RU tem poucas alternativas. A Austrália já veio dizer que um acordo de comércio livre não irá além do que já existe e rejeitou a proposta Britânica de facilitar a circulação de cidadãos entre ambos os países. Os US de Trump nem vale a pena falar. Só estão interessados em esmiuçar o que resta da economia Britânica. O RU precisa da UE para a sua exportações de serviços financeiros.
manuelserra72, 08.01.2020: A quarta ou quinta economia do mundo é "o que resta da economia Britânica". Lol
manuel.m2, 08.01.2020: Finalmente hoje Boris reapareceu no Parlamento depois de andar perdido pelas Caraíbas desde 1 de Janeiro. E falou para reafirmar a sua lealdade a Trump, ele que é chefe de um governo vassalo da América.
Leitor Registado, 08.01.2020: Tenho muitas dúvidas que os EUA, com Trump ou sem Trump, possam permitir um ataque às suas tropas sem retaliar. Seria uma demonstração de fraqueza e de falta de apoio às suas tropas.
FERNANDO RODRIGUES, 08.01.2020: A retaliação foi o míssil que matou o general. Retaliação ao ataque à embaixada que não deixou margem para dúvidas sobre o que acontece quando se coloca em risco civis ou militares americanos. Este ataque do Irão não atingiu nenhum soldado americano ou iraquiano pois já se sabia com antecedência onde cairiam os mísseis. Foi apenas uma forma de os iranianos sentirem que tiveram a sua vingança, algo culturalmente importante para aquelas bandas.


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