Afinal, parece que tudo não passou de uma tempestade num copo de água.
Ou, mais classicamente, a montanha que pariu um rato. Ou, como dizia o meu pai,
de brincadeira... “deixá-los lá falá-los que eles calarão-se-ão”... Será? Se
for, ainda bem que o é...
ANÁLISE
A resposta “contida” do
Irão
As primeiras salvas de mísseis do Irão são provavelmente as últimas. A
“guerra assimétrica” pode continuar mais tarde.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 8 de Janeiro de
2020
1.Cinco dias depois da
eliminação às ordens de Donald Trump do general Qassem Soleimani, o Irão retaliou. Optou pela via militar, disparando
salvas de mísseis contra duas bases militares iraquianas onde estão
estacionadas tropas americanas e da coligação internacional. Não houve vítimas,
embora o regime de Teerão fale em 80 “terroristas” americanos mortos. Os actos
e as palavras dos responsáveis de Teerão revelam prudência. A retaliação
está “concluída”, escreveu o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano,
Javad Zarif num tweet.
O regime cumpriu o prometido: retaliou, simbolicamente à mesma hora
em que Soleimani foi morto, demonstrando à opinião pública que não tem medo
dos EUA. As autoridades de Teerão, incluindo a ala dura do regime, sabem que
não é através do confronto militar que conseguirão infligir o devido “castigo”
aos EUA e aos seus aliados regionais. Essa é a guerra que não querem travar,
porque a perderiam. O que não quer dizer que não regressem à “guerra
assimétrica”, a
especialidade de Soleimani com a sua rede de milícias violentas espalhadas por
todo o Médio Oriente – o terreno onde pode provocar mais danos e onde a
esmagadora superioridade militar americana conta menos. As possibilidades vão de atentados terroristas
contra alvos americanos algures no mundo à crescente desestabilização do
Iraque, criando uma situação insustentável para as tropas americanas e da
NATO que estão no terreno e obrigando os cidadãos americanos a sentirem-se
alvos quotidianos desde que estejam fora dos Estados Unidos.
Teerão também
prometeu atingir o território americano. É altamente improvável, mas seria uma tremenda
derrota para Donald Trump. Desde o 11 de Setembro que nenhum atentado terrorista provocado por
forças extremistas estrangeiras atingiu os EUA. O
terrorismo de raiz islâmica atingiu em primeiro lugar o próprio mundo árabe e
islâmico, onde aconteceram os mais mortíferos e frequentes atentados da
Al-Qaeda e onde o Daesh provocou o maior número de vítimas. Os dois grupos
terroristas são sunitas, ou seja, inimigos do Irão xiita. A Europa também foi
duramente atingida por uma série de atentados mortíferos de larga escala, desde
2004 (Madrid), e é ainda hoje o terreno privilegiado dos chamados “lobos
solitários”, que tentam eliminar infiéis nas ruas das grandes cidades
europeias, normalmente providos de armas rudimentares, mas mesmo assim letais.
2. O Presidente
americano respondeu aos dois ataques de mísseis com a sua “simplicidade”
habitual: “Até agora, tudo bem”. Sem se esquecer de lembrar que tem à
disposição o exército mais poderoso do mundo. Se o Irão ficar por aqui,
pelo menos no imediato, Trump poderá facilmente cantar vitória. É essa
linguagem primária, muito distante da que estávamos habituados a esperar do
ocupante da Casa Branca, que lhe permite manter o apoio de quase metade dos
americanos, ultrapassando todas as crises que os analistas tenderiam a
considerar fatais para qualquer outro no seu lugar.
A confusão sobre a retirada das tropas americanas no Iraque,
depois de o Parlamento iraquiano ter votado pela sua expulsão, ou a ideia de visar alvos que são património cultural da humanidade
provocaram, apesar de tudo, algum mal-estar no Pentágono, que se tem visto
marginalizado das “grandes decisões” da Administração Trump, com a crescente
preponderância do chefe do Departamento de Estado, Mike Pompeo.
Quanto aos aliados, a diplomacia americana foi à sede da NATO em Bruxelas, no
dia 6 de Janeiro, informá-los de que a “dissuasão” face a Teerão tinha sido
restabelecida com a morte de Soleimani e de que os passos seguintes seriam no
sentido de evitar uma escalada.
3. Do lado de cá do
Atlântico, não há grandes surpresas. A Europa sofre as dores da sua dificuldade
em adaptar-se a um mundo para o qual não estava e ainda não está preparada.
Teria um papel a desempenhar (como desempenhou na crise ucraniana, por
exemplo), se em Washington estivesse outro Presidente, e nem sequer seria
preciso que fosse Obama. Basta trazer à memória a rapidez com que a maior crise
da relação transatlântica depois da Guerra Fria, provocada pela guerra do
Iraque em 2003, foi superada, com a reaproximação entre a Administração Bush e
as principais potências europeias. Com Donald Trump, o papel de
intermediação que a Europa poderia desempenhar numa crise internacional desta
natureza é mais difícil, se não mesmo impossível.
Mesmo assim, os europeus estenderam a mão à ala
moderada do regime, posta momentaneamente em cheque com a eliminação do “número
dois” da sua ala dura, convidando o ministro Zarif para conversações em
Bruxelas. O objectivo é manter alguns canais abertos com Teerão
que permitam salvar in extremis o acordo nuclear de 2015, que
negociou e subscreveu com os Estados Unidos. Teerão já ameaçou
abandoná-lo. O teste será a
continuação das missões de verificação dos sites onde o
enriquecimento do urânio para fins civis é possível. Hoje, perante a
“retaliação” iraniana, não houve dessintonia com Washington. Em Berlim,
Paris ou Londres, os dois ataques de mísseis foram devidamente condenados.
Muita coisa vai depender também da forma como se conseguirem articular
no quadro da NATO (para já não dizer da União Europeia) sobre uma resposta de
mais longo prazo. Vão retirar-se do Iraque, onde mantêm missões de formação das
forças armadas iraquianas? Em ordem dispersa? Alguns países da Aliança, como o
Canadá ou a Espanha, já anunciaram a retirada parcial das suas tropas. A
Alemanha anunciou a redução do seu contingente. O Reino Unido e a França, como
seria se esperar, ainda estão a avaliar a situação. Países como Portugal, cujo
empenho na NATO é forte, reservam a sua decisão para uma tomada de posição
conjunta. O mais provável é que a Europa acabe por retirar-se
progressivamente do Iraque, onde o confronto entre o Irão e os EUA deverá
continuar por entrepostos actores.
“Entalada” entre um mundo onde prevalece cada vez mais
a força sobre a lei internacional e uma Administração americana pouco interessada nas suas
velhas alianças e ainda menos no desempenho do seu papel de garante da ordem
internacional, a Europa constata as suas próprias limitações. Mesmo assim,
como notou a imprensa europeia, as três potências europeias – França Alemanha e Reino Unido – afinaram
muito facilmente pelo mesmo diapasão na forma como reagiram à crise, provando
que o “Brexit” não vem alterar significativamente o forte alinhamento dos
interesses britânicos com os dos seus principais parceiros europeus.
COMENTÁRIOS:
Fernando Varela, 08.01.2020: Os comentadores de plantão, não
conseguem responder o porquê de o Irão ter disparado 35 mísseis e não ter feito
um único arranhão num soldado e ter feito estragos sem qualquer monta !!! No
mínimo estranho ou não acham ? O Irão é um bluf, e acho que os EUA perdem
uma grande oportunidade de resolver um problema que se pode tornar maior no
futuro. A propósito, a Europa, com a sua hipocrisia já habitual, de querer
defender Deus e o Diabo, deveria ser deixada só, para que se defendesse da
Rússia e dos Islâmicos. O petróleo em poucos anos, não tem qualquer valor e
interesse comercial, e nessa altura o que vai valer é o poder das armas. Os
americanos salvaram a Europa por 2 vezes nos últimos 75 anos, do nazismo e do
comunismo. Agora poucos se recordam dessa parte da História moderna. !!!
José Cruz Magalhaes, 08.01.2020: Os países europeus ,incluindo
Portugal,apressaram-se a condenar o lançamento de mísseis iranianos, contra
bases militares norte-americana .Aguardemos que o equilíbrío seja
mantido,contra possíveis retaliações do exército americano,ou dos seus
aliados,locais, já que a condenação da acção que eliminou o general
iraniano,não teve reacção proporcional dos mesmos países. A Europa e os países
europeus teriam tudo a ganhar com o aumento da distância entre a sua diplomacia
e a política externa norte-americana, que é, hoje, um mero exercício de força, para
condicionar aliados e adversários e, sobretudo, para preservar as clientelas
internas, cada vez menos esclarecidas e mais radicalizadas.
SC RIBEIRO, 08.01.2020: Resposta Iraniana claramente para conter
as multidões fanatizadas pelos dirigentes do Governo. Eles sabem que a resposta
dos EUA será duríssima, caso haja baixas de militares ou cidadãos. Por agora
não se fala mais nisso...
Joao, 08.01.2020: Nesta concordo em geral com a Teresa.
Também acho que a resposta foi directa e frontal mas muito contida e mesmo
anunciada para tentar garantir que não haveria vítimas mortais. Vamos ver,
também não esperava que os iranianos respondessem assim frontalmente e
enganei-me.
De salientar duas coisas para os trolliteiros pró-guerras
americanas que têm andado aqui a espalhar mentiras. Primeiro “O terrorismo
de raiz islâmica atingiu em primeiro lugar o próprio mundo árabe e islâmico,
onde aconteceram os mais mortíferos e frequentes atentados da Al-Qaeda e onde o
Daesh provocou o maior número de vítimas.” … o principal alvo dos
terroristas wahabitas criados pela aliança saudita/americana desde 1979 no
Afeganistão, o principal alvo dos terroristas são os governos das repúblicas
mais “laicas” ou mais “socialistas”, aliás para isso é que foram criados,
coincidindo com os governos de países com ainda algum número de xiitas. Ataques
por aqui são apenas salpicos dessas matanças e extermínios sobre as minorias
xiitas, cristãs, assírias, maronitas, druzas, etc.
Segundo “Os dois grupos terroristas são sunitas, ou seja,
inimigos do Irão xiita.” assim como são inimigos dos xiitas todos os grupos
terroristas, Exército do Islão, Brigada Islâmica, do Levante, etc. Aliás
repito, são praticamente o único inimigo, o resto são salpicos descontrolados.
Quem combate os terroristas são todos os outros que não são wahabitas nem
estão a soldo da aliança saudita/americana, são os xiitas no Iraque (onde são a
maioria) mas são os sunitas na Síria (onde são a maioria), ajudados pelos
palestinianos (teoricamente sunitas), pelos libaneses (parte xiitas), ou pelos
cristãos, pelos druzos, assírios, etc. Ou seja, quase todos ali na zona
combatem os terroristas wahabitas que a aliança saudita/americana e Nato
protegem e mandaram para lá.
lgss, 08.01.2020: O Acordo de 2015 não existe sem os EUA. A
UE não tem nada a oferecer sem os EUA. O Irão depois de esperar um ano
pelos europeus já o abandonou de facto. Como retratar o presente sem assumir o
passado?
PRO, 08.01.2020: O Brexit demonstra ser verdadeiramente um
empecilho. Como se viu com o Irão, o RU só tem amigos deste lado do Atlântico.
É com a Alemanha e a França que o RU comunga nas decisões internacionais. E a
cooperação irá continuar muito forte. Úrsula está hoje em Londres para falar
com BoJo sobre a nova fase das negociações e irá propor uma provável extensão
do período de transição. O RU tem poucas alternativas. A Austrália já veio
dizer que um acordo de comércio livre não irá além do que já existe e rejeitou
a proposta Britânica de facilitar a circulação de cidadãos entre ambos os
países. Os US de Trump nem vale a pena falar. Só estão interessados em esmiuçar
o que resta da economia Britânica. O RU precisa da UE para a sua exportações de
serviços financeiros.
manuelserra72, 08.01.2020: A quarta ou quinta economia do mundo é
"o que resta da economia Britânica". Lol
manuel.m2, 08.01.2020: Finalmente hoje Boris reapareceu no
Parlamento depois de andar perdido pelas Caraíbas desde 1 de Janeiro. E falou
para reafirmar a sua lealdade a Trump, ele que é chefe de um governo vassalo da
América.
Leitor Registado, 08.01.2020: Tenho muitas dúvidas que os EUA, com
Trump ou sem Trump, possam permitir um ataque às suas tropas sem retaliar.
Seria uma demonstração de fraqueza e de falta de apoio às suas tropas.
FERNANDO RODRIGUES, 08.01.2020: A retaliação foi o míssil que matou o
general. Retaliação ao ataque à embaixada que não deixou margem para dúvidas
sobre o que acontece quando se coloca em risco civis ou militares americanos.
Este ataque do Irão não atingiu nenhum soldado americano ou iraquiano pois já
se sabia com antecedência onde cairiam os mísseis. Foi apenas uma forma de os
iranianos sentirem que tiveram a sua vingança, algo culturalmente importante
para aquelas bandas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário