E admirando a coragem nessas longas horas perdidas nos aeroportos, nos
passeios aéreos que obrigam a mudanças de aviões, no incómodo dos passeios a
pé, e mesmo de barcos superlotados... mas gostando de ler esses descritivos que
nos trazem ao pensamento lembranças da história da Marseillaise, que cantávamos
com as alunas e de que contávamos a história que Salles da Fonseca evocou. E os sítios superlotados do alimento,
lembrando turismo e dinheiro de fazer inveja, em terras de longa história e de belos
monumentos. E o permanente prazer viageiro de SF,
aliado ao vivo interesse pela História, com a política de permeio, a
sacudir-nos da inércia... A continuação de uma boa viagem e de belas histórias,
com Zarathustra a alvitrar...
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 03.01.20
Há quem diga que a recta é a mais curta distância
entre dois pontos mas há excepções nesse entendimento. Sim…? Sim! Por exemplo,
as agências de viagens. Porquê? Porque para nos deslocarmos de Lisboa a
Estrasburgo tivemos que passar por Amesterdão. Para piorar a solução, tivemos
que cumprir uma seca de cinco horas até que nos levassem ao destino final. Voos sem história, apenas uma nota de desconforto
relativamente à indústria aeronáutica europeia pois o avião de Lisboa a
Amesterdão foi um Boeing da KLM e de Amesterdão a Estrasburgo foi um Embraer de
empresa também pertença da Air France. Também? Sim, a KLM é da Air France.
Sem percalços, chegámos ao hotel pelas 18,30 h., ou seja, 18 horas
depois de termos pisado o aeroporto de Lisboa. A próxima agência de viagens
que me fale de rapidez, vai ter que provar previamente não estar a gozar
comigo. Respirámos um pouco e chegou a hora de procurarmos um restaurante
alsaciano para o jantar. Pois… Nas redondezas do hotel, a parte antiga da
cidade e mais turística, tudo cheio (era Sábado) com o letreiro «complet» e,
pior ainda, com filas às portas. Continuando… fomos parar à porta de um
restaurante com óptimo aspecto e sem fila à porta. Entrámos, não fomos
rejeitados mas disseram que só tinham uma mesa para duas pessoas lá ao fundo,
no corredor. Muito bem, faríamos o pleno dessa mesa sem sobras. Mas era um
restaurante espanhol. E nós, que até gostamos de «tapear», não se nos deu
nos incómodos e mandámos vir várias espanholices que nos souberam lindamente.
Acompanhámos com um tinto Rioja que desceu muito bem. Da próxima vez
que formos a Granada, para a troca, havemos de procurar um restaurante
alsaciano… Tivemos que corrigir a conta porque estavam a querer
oferecer-nos quase metade do que tínhamos consumido. Mesmo assim, não foi
caro. Esta foi a primeira vez que vimos o Macron ser fintado. Não há
recibos, facturas nem nada para registo nas Finanças, tudo economia paralela.
Nunca ouvimos a pergunta – para nós, portugueses, perfeitamente banal – se
queríamos factura-recibo com número de Contribuinte. Saímos saciados e
satisfeitos pela barateza. Pudera, poupámos na componente fiscal. Espero
que a gloriosa França não peça ajuda financeira ao humilíssimo Portugal para
endireitar as suas finanças públicas quando o paralelismo vencer e levar tudo
de rojo. Ao pormos o pé na rua, a
minha ambliopia não me impediu de ver uma patrulha de quatro militares de
camuflado, pistola metralhadora em guarda baixa (apontadas para o chão a 45º),
«coisas» penduradas no cinturão, deslizando silenciosamente entre os
passeantes. Há muito que não pregávamos olho, apetecia-nos sossegar antes que
os franceses desatassem aos tiros. Recolhemos «a quartéis» que, no nosso
caso, tinham um nome bastante estranho - «Hotel Maison Rouge». Apesar do
nome, é casa séria. Estafados, dormimos… amanhã é que vamos conhecer
Estrasburgo a que eles chamam Strasbourg.
(continua) Janeiro de 2020
COMENTÁRIOS:
Anónimo 03.01.2020:E encontrou o Zoroastro?
Adriano Miranda
Lima 03.01.2020: Realmente, vale a pena ler estes relatos de
viagem do Dr. Salles. Apesar de relativamente curtos, são densos de conteúdo,
muito informativos e divertidos. O seu humor sai com uma naturalidade tal que
se pode dizer que a narrativa o não pode jamais dispensar. Como fiquei com uma
péssima impressão sobre a refeição que me foi servida a bordo da TAP na minha
última viagem realizada, gostaria de saber se nas companhias estrangeiras o
padrão anda a primar também pelo mesmo miserabilismo. Isto para não ser mais
severo nas palavras.
Henrique Salles da
Fonseca, 03.01.2020: Nestas
companhias não se come mal, come-se pessimamente. Uns pastéis a ferver, umas
pizzas de massa grossa... para esquecer. Na volta, a KLM serviu um tinto muito
razoável produzido e engarrafado na África do Sul. Como era da marca
"Cape", presumi que de Capetown. Tudo o resto dos comes e bebes, para
esquecer.
Anónimo 04.01.2020: Leio com
imenso prazer praticamente tudo que e sou dos que tem aprendido muitíssimo
consigo. Voo? brasileiro... tem-o repetido ene vezes!
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 04.01.20
Domingo, 29 de
Dezembro de 2019, dá connosco Estrasburgo adentro…
Se há, não descobrimos os autocarros do «Op on – Op off»; descobrimos,
isso sim, excursões a pé mas eu só fui de Infantaria na recruta, quando
tinha idade para isso. Optámos, então, por um percurso de barco pelos canais
da cidade. Para não nos sentirmos sozinhos quando entrássemos no barco, já
lá tinham posto mais 198 figurantes.
Auriculares a funcionar e aí vamos nós… Passeio de duas horas
com meia hora de subida e de descida numa eclusa transposta nos dois sentidos.
Mas isso também faz parte da História e do combate ao stress por que passáramos
na correria para não perdermos o barco que, recordando, já tinha 198 cidadãos
de alhures à nossa espera.
No caminho para lá, a conversa foi sobre a margem direita; na
volta lá ao fundo, a Senhora que estava dentro dos auriculares falou acerca das
construções militares mandadas erigir por Luís XIV e no regresso, a conversa
foi sobre a que de início era a margem esquerda mas que se transformara em
direita. E se isto aconteceu na visita à parte velha da cidade, o mesmo
rodopiar de margens aconteceu na outra metade do percurso, a visita à parte
moderna.
E que retive eu da muita conversa? Duas informações que me pareceram
interessantes e uma questão para que não peço resposta.
Gostei de recordar que o Dr. Albert Schweizer
era alsaciano; gostei de aprender que tinha sido Pastor luterano na
igreja de São Nicolau junto da qual navegámos e que a Senhora dos auriculares
assinalou; mais me recordou que ele era médico e organista; mas a partir
daqui ela nada mais disse sobre esse importante Senhor e fui eu que me lembrei
de que lhe foi atribuído o Nobel da Paz pelo trabalho desenvolvido em África
com o hospital (sobretudo gafaria) em Lambaréné, na selva gabonesa; à minha
questão sobre que influência terão tido as tocatas e fugas de Bach nos ouvidos
dos cidadãos do Gabão que o ouviam, fiquei a saber pelo meu Amigo Bruno
Caseirão que o Dr. Schweizer não tinha um órgão em Lambaréné mas sim um piano
revestido a metal para que as térmitas não o comessem.
Terá sido em 1792 que Rouget de Lisle, Oficial da guarnição de
Estrasburgo, terá composto a letra e a música de um «Chant de guerre pour
l’Armée du Rhin» quando a sua Unidade se dirigiu à Áustria em pé de guerra;
posteriormente, o canto tornou-se muito popular e as tropas assentadas em
Marselha tomaram-na como sua mudando-lhe o nome para «La Marseillaise»;
seguiu-se a adopção do canto como Hino Nacional de França. Não sabia,
fiquei a saber.
Sob o comando de um tal Wagner (cuja identificação mais concreta não
descobri na Internet), a ocupação nazi de Estrasburgo durou cerca de quatro
anos durante os quais se cometeram as tropelias típicas daqueles transtornados.
Quatro anos é muito tempo para que um invasor possa prescindir de apoios
locais. É esta a parte da História a que o turista não tem acesso. Mas,
mesmo que a língua alsaciana seja muito mais germanizada do que os franceses
gostariam, talvez não fosse mau fazer saber à memória colaboracionista que nós,
os da liberdade, sabemos dessas tropelias e que Pétain e Laval não nasceram
do nada… Mas o machado dessa guerra está enterrado, deixemo-lo assim. Até
porque a guerra agora é outra e já nos bate à porta ao som das exéquias do
General Soleimani.
Saídos do «bateaurama», passámos pela catedral que estava
fechada apesar de ser Domingo e rumámos à procura de almoço. Na praça da
catedral, nem pensar em encontrar lugar em qualquer dos muitos restaurantes
pelo que decidimos sair dali. À saída da praça não tivemos problemas mas quem
entrava era espiolhado pela Polícia (municipal?) como se estivesse a passar um
controle de segurança num aeroporto. E foi aqui que, mais uma vez, me
lembrei do peso histórico da passagem francesa pelo Magreb.
Encontrámos um bistrot muito acolhedor, almoçámos já não sei
quê, fizemos honras à mesa e pelas ruas antigas circundantes porque o check-in no
barco do cruzeiro no Reno seria só às 6 da tarde.
(continua)
Janeiro de 2020
Henrique Salles da
Fonseca
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