domingo, 5 de janeiro de 2020

Mas o tal Qassem Soleimani era ou não perigoso?

Confesso que não percebo o motivo de tanta ira contra Trump, que mais uma vez tenta safar o mundo, sacrificando o seu povo, afinal. O que virá a seguir é uma incógnita. Esperemos que não seja a III WW.
OPINIÃO: Este homem não vai sair de lá sem duas guerras: uma civil e outra (espera-se) regional
Deviam olhar para Churchill na Segunda Guerra e não para Chamberlain, porque é a falta de uma reacção forte e decidida das democracias que permite a Trump fazer o que quer.
JOSÉ PACHECO PEREIRA     PÚBLICO, 4 de Janeiro de 2020
Enquanto a gente por cá se entretém a fazer interpretações mais ou menos escolásticas de frases simplistas, dúplices, sibilinas, em dupla língua orwelliana, sem sentido ou com sentido, cínicas, lugares-comuns, disparatadas, ambíguas, explícitas, mas de um modo geral muito pouco importantes, proferidas pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro, o mundo está perigoso como nunca esteve desde a crise dos mísseis. Esta nossa capacidade para a irrelevância é ela própria assustadora e, embora isso pouco sirva de justificação, é também do conjunto da Europa “civilizada” da Europa do “meio” até ao Atlântico, passando ao lado do “Brexit”.
Este é um dos casos em que os actuais riscos mundiais têm uma interpretação pouco marxista, porque se devem à acção de um indivíduo: Donald Trump e a sua trupe e ao partido de serviçais em que se tornou o Partido Republicano. Claro que tudo em que ele mexe tem razões, racionalidades, explicações estruturais e conjunturais e pode ser interpretado, ou seja, tem um sentido implícito. Mas ele mesmo é irracional, criativo e carismático, no sentido genuíno da palavra cujo uso está muito abastardado, e, por isso, não explicável na sua irredutível singularidade.
Claro que homens racionais, frios, cerebrais, determinados podem ser também muito perigosos, como também o são homens de fé cega, que não conhecem limitações à sua crença, e às suas epifanias, e quase sempre à relação privilegiada que acham que têm com o Divino ou o Destino. Mas podem ser percebidos, interpretados e limitados pelo mundo exterior que os compreende. Trump não; é um caso em que um conjunto de idiossincrasias pessoais, a começar pelo seu narcisismo patológico e pela crença em virtudes próprias quase mágicas, assim como uma ignorância abissal, um simplismo grosseiro e uma agressividade sem limites, todos os defeitos de carácter, um comportamento errático e caótico, se associam a esta pequena coisa — ele é o homem mais poderoso do mundo.
A resposta a Trump é débil para o grau da sua perigosidade. É débil nos democratas nos EUA, é débil nos fracos que o compreendem, mas são cobardes para o defrontar, e é débil nos que acham que o podem conter mantendo-o à distância. Mas, acima de tudo, é débil em todos os que ainda não perceberam duas coisas básicas: Trump não sai de lá com eleições e, numa esquina qualquer dos dias, na sua política errática, deita mais gasolina para a fogueira para se vingar, ou mostrar poder, ou gabar-se, e a fogueira pode não ser contida a tempo. Na verdade, Trump nem sequer esconde a sua vontade de ser Presidente vitalício, com uma série de tweets em que os anos passam e ele permanece vestido de Capitão América. E também já disse mais do que uma vez que os seus apoiantes não permitiriam o seu afastamento, mesmo em eleições, que teriam de ser necessariamente fraudulentas, e isso provocaria uma guerra civil. E já disse mais: que com ele estão a polícia, as forças armadas e os cidadãos com armas. O que é que é preciso dizer mais? Mas antes da “guerra civil”, Trump — que não tem uma política externa coerente, com excepção de ser um fantoche de Netanyahu e da extrema-direita israelita, e de M.B.S., o príncipe herdeiro saudita, e, num plano mais global, de Putin envolve os EUA numa série de actos arriscados que servem os seus sinistros aliados, sem a prudência que eles, apesar de tudo, revelam. O assassinato de importantes generais iranianos, no solo de um país estrangeiro que é seu aliado, e com a violação de todas as regras internacionais, não vem na sequência do assalto à embaixada em Bagdad — vem na sequência da morte de um “contratado” americano, esta figura eufemística do mercenário, seguida de ataques da aviação às milícias pró-iranianas no Iraque e, por fim, à invasão da embaixada, que foi devolvida pelos ocupantes sem vítimas.
Vejamos as verdades, o mundo não-Trump. Que o Irão é um país que patrocina milícias em todo o Médio Oriente desde o Líbano ao Iémen é verdade. Que a sua capacidade de construir armas nucleares existe e é inaceitável por Israel também é verdade. Mas que o conflito com a Arábia Saudita, um dos países patrocinadores do terrorismo mundial, põe frente a frente dois adversários parecidos um com o outro, e com um fundamento religioso muito antigo pela hegemonia no islão, é verdade. Que os sauditas fazem o mesmo que o Irão, patrocinando milícias e combatentes clandestinos em todo Médio Oriente, mais uma vez é verdade. Que o Irão é uma teocracia, sem liberdades e democracia, é verdade. Mas na comparação consegue, imaginem, ganhar à Arábia Saudita, onde ainda há menos liberdades e muito menos diversidade do que no Irão. Por fim, quanto à questão nuclear, o acordo com o Irão obtido pela comunidade internacional com enormes dificuldades estava a ser cumprido, e os EUA acabaram com ele, numa das suas reviravoltas políticas que só tem uma explicação: dar cabo de tudo o que Obama tinha conseguido. Face a este homem perigoso, deviam olhar para Churchill na Segunda Guerra e não para Chamberlain, porque é a falta de uma reacção forte e decidida das democracias que permite a Trump fazer o que quer. Um dia acordam com o fogo à porta e vão ler sobre o “estado do mundo” num tweet matinal com erros de ortografia.
Colunista
COMENTÁRIOS:
Diabinho Malandro: Isso é o que o Pacheco quer.
Med Med, 04.01.2020: A opinar sobre paises democratimente constituidos, quando sobre o reinado do sr Obama acumularam se os défices e as guerrinhas pelo mundo fora em nome dos EUA .
rafael.guerra: Bush legou a Obama o caos do Iraque e uma crise financeira colossal.
Anjo Caído, 04.01.2020: JPP fala com sobranceria e desprezo sobre os nossos (democraticamente eleitos) chefes de Estado e com raiva e nojo sobre o (democraticamente eleito) chefe de Estado dos EUA, que, augura JPP, será reconduzido no cargo pelo povo nas próximas eleições. Parece que JPP não simpatiza com a democracia quando ela não dá o que ele quer, como já alguém disse aqui abaixo.
João Carvalho, 04.01.2020: Como se costuma dizer, já as vi começar por menos. Felizmente não vi muitas, mas parece-me que o mundo caminha alegremente para uma WWIII. O ambiente entre países, e mesmo dentro dos países, está de tal forma polarizado, que não seria surpresa nenhuma uma terceira grande guerra. O resultado? Destruição, sofrimento e retrocesso de centenas, ou mesmo milhares de anos. Se é isso que a humanidade deseja, que seja...
MPR, 04.01.2020: Parece-me que o homem vai ser reeleito, face a toda esta campanha internacional para o ridicularizar, humilhar e diminuir. Não que não haja razão para tal, só que a estratégia que está a ser adoptada é péssima e a propaganda diária na imprensa são balões de oigénio para o senhor. para dançar o tango são precisos dois . O mesmo acontece para a guerra...
Espectro, 04.01.2020: Infelizmente para o Mundo, Pacheco Pereira tem razão e tudo o que escreveu sobre Trump não peca por excesso, mas antes por defeito. E como PP disse quase tudo eu apenas acrescento: Entre Hitler e Trump, se calhar preferia Hitler. LOL
José Sousa, 04.01.2020 A memória de milhões de assasinados pelo regime de Hitler, e seus familiares, devem estar a rebolar de rir da sua piada.
reinald.nunes, 04.01.2020: Hitler também dizia que fazia a Alemanha grande outra vez.
Anjo Caído, 04.01.2020: Era ele e não sei quantos outros políticos no mundo de cada vez que se apresentam a eleições. A comparação é simplesmente estúpida.
amora.bruegas, 04.01.2020: E não esqueçamos que Hitler foi um socialista-menino de coro, comparado com Estaline Ou Mao Zedong. Como considero errado comparar uma hipótese com uma certeza (ou várias), entendo que Trump é alvo de má fé porque não aceita a ditadura do politicamente correcto,ou seja uma visão hedonista, contranatura e de uns sustentarem a incapacidade de outros se governarem. E quem tende a dominar os jornais, a manipular as pessoas, são aqueles que querem um governo mundial que acabará na extinção das liberdades individuais, da Dignidade Humana.
Maria Teresa Ramalho: amora.bruegas, como define socialista-menino de coro? O que "apenas" ordenou os campos de concentração e extermínio? Claramente, para si, um pormenor descartável face a Estaline e Mao Zedong (de que não ignoro as barbaridades). Por outro lado, constatar a boçalidade, ignorância e "narcisismo patológico" de Tump é mesmo só má-fé? Ou resulta apenas de juízo enviesado da sua parte?
Conde do Cruzeiro, apenas assinante. 04.01.2020: Oh Pacheco, estou em crer que o homem não vai sair de lá, pelo seu pé.
Henrique da Costa Ferreira, 04.01.2020: O texto é exagerado e eu nem vou comentar. A realidade não é nem tão crua nem tão descontrolada.
Jose, 04.01.2020: O Capitalismo segue o seu caminho de tomar a herança do Feudalismo, seu progenitor, alargando-se a todo o território do planeta através das multinacionais desenhadas para ultrapassar barreiras políticas, religiosas,naturais e até alfandegárias. Esse alargamento da acção do Capitalismo tem consequências nos povos e suas lideranças sejam de hierarquias laicas, religiosas ou militares. Os povos são hoje mais ricos, livres e sonhadores que antes da globalização. As hierarquias dos poderes são cada vez mais fechadas e menos poderosas. Churchill, nos dias de hoje, seria mais um populista a espalhar brasas entre os que enchem os títulos dos instrumentos de propaganda em que se transformou toda a comunicação social. É perigosa a concentração de tanto poder bélico em tão poucos impotentes lideres.
Dr. Severino, 04.01.2020: Esquerda, Direita; Capitalismo, Socialismo. No séxulo XXI ainda há quem tenha mente obtusa e pensamento binário: ou é preto ou é branco.
amora.bruegas, 04.01.2020:  Dr. Severino e há os vira-casacas socialistas, caso da China,ideologicamente agarrado a uma praxis totalitária e socialista, mas no campo económico, aderiu ao consumismo, ao capitalismo selvagem.

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