Que bem nos assusta, com as suas
pesquisas e prognósticos. Depois não se diga que não fomos avisados. Merecemo-lo?
Afinal, o nosso grande defeito é querermos
viver em paz, como o Mário de Sá-Carneiro
da “Caranguejola”: “Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar
bolor - / Plo menos era o sossego completo… História! Era a melhor das vidas…”
A verdade que o socialismo impõe /premium
Há esperança? Há. Conforme é típico
nos nativos do Largo onde tem a sede, o PS costuma sair de cena no momento em
que o navio se afunda, ou acaba o dinheiro. A esperança é essa: o advento da
miséria.
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 25 jan 2020
Para
ilustrar a notícia sobre o protesto de cidadãos pela reabertura das urgências
no hospital Garcia de Orta, que é público e portanto está a cair aos bocados,
a agência Lusa usou uma fotografia em que cidadãos distintos, obviamente em
protesto distinto, seguravam uma faixa com os dizeres “Se a saúde for privada,
ficamos privados de saúde”. Simples erro? Se acreditarmos que a fortuna do
eng. Sócrates adveio do cofre materno, com certeza que sim. A Lusa, espécie de
demonstração cabal do que o contrapoder não deve ser, sempre existiu para
servir o poder propriamente dito. Sob o actual governo, e sob o actual
director, aquele sr. Nicolau que convidava impostores para desacreditarem o
governo de “direita” na televisão, a Lusa desceu da mera propaganda para a
publicidade desconchavada: além de um veículo do PS, é um veículo reles, com a
carcaça ferrugenta e as peças à vista.
Aliás, a situação da Lusa é idêntica
à da RTP, instituição também conhecida pela serventia a quem manda. Recentemente, a directora de informação da casa,
Maria Flor Pedroso, saiu após revelação de um bonito episódio censório, em
que uma reportagem desagradável para a tutela do Ambiente foi adiada para não
interferir nas eleições. No seu lugar, depositou-se António José Teixeira,
cujo currículo tem tantas vénias ao socialismo que o homem ainda arranja uma
hérnia valente. Talvez fosse demasiado ostensivo nomear para o cargo
mais um familiar do dr. César dos Açores. Os resultados, porém, não seriam
diferentes. Quando o governante do “audiovisual” é o autodesignado humorista
Nuno Artur Silva (que só tem graça ao lembrarmo-nos que apoia o dr. Costa desde
os tempos da autarquia lisboeta), nada espanta no universo do jornalismo
estatal, de resto uma contradição nos termos e um sintoma de atraso de vida.
O
pior é que o jornalismo não estatal não anda longe dessa subjugação descarada
aos rústicos que nos pastoreiam. De facto, até anda perto, tão perto que
frequentemente não se nota a diferença. Esta
semana, um ministro afirmou que se os polícias compram equipamento do bolso
deles é apenas porque lhes apetece. A bojarda, que em países civilizados
despacharia o tal ministro para a gruta de onde o resgataram e que vinda de um
governante “neoliberal” inspiraria 18 capas indignadas do “Público”, por cá
passou quase despercebida na generalidade dos “media”, entretidos a chamar
génio das finanças a um aldrabão como o dr. Centeno. Na maioria, os “media”
dedicaram igual indiferença à sugestão do secretário de Estado da Saúde, que
pretende erradicar as agressões a funcionários hospitalares mediante o
fornecimento de chá e bolinhos aos pacientes. Em compensação, os “media” não
desprezaram o dr. Costa, que numa oficina da pujante CP prometeu a vanguarda
mundial na produção de comboios. Isto só nos últimos dias.
Não
sei se esta gente diz tais barbaridades por estupidez própria ou confiança na
alheia. Sei que as diz com impunidade, por não haver escrutínio nem
consequências. As autoridades espanholas bem podem acusar o irrequieto António
Vitorino de lavagem de milhões para o regime venezuelano que, aqui, o assunto
não sai fora dos rodapés. As manchetes estão ocupadas com Isabel dos Santos,
cautelosamente para que o frenesim justiceiro de hoje não recorde a submissão
babada de ontem, altura em que as altas figuras da pátria faziam biscates
enquanto tapetes da senhora. Tudo é filtrado, manipulado, ocultado, distorcido.
Tudo é, meço a palavra, grotesco. “Habituem-se!”, para citar o engraçado dr.
Vitorino. Estamos a habituar-nos. E já nos habituáramos a que, citando outro
socialista de categoria, quem se meter com o PS, leva. Poucos se metem com o
PS. Muitos metem-se no PS, de modo a garantir emprego e prebendas.
Falei nos “media”. Podia falar nos
partidos, que salvo microscópicas e imprevisíveis excepções se transformaram em
satélites do Partido Único. Podia falar nas empresas, que delegam a
sobrevivência ao compadrio com os sobas locais e centrais. Podia falar na
população, suficientemente abstraída ou suficientemente dependente para
legitimar através do voto semelhante arranjo. O arranjo é interessante: uma
democracia formal sob os critérios de uma ditadura informal, descontraída,
suave, medonha. É possível tratar-se da consagração “natural” do regime, ainda
preso a uns resíduos de liberdade civil pelos fios de uma Europa em cacos. É
provável estarmos à porta de um regime novo, definido pelo enxovalho radical do
indivíduo às mãos vorazes do Estado, que se confunde com o PS e que, no fundo,
é o PS.
Há esperança? Há. Conforme é típico
nos nativos do Largo onde tem a sede, o PS costuma sair de cena no momento em
que o navio se afunda, ou acaba o dinheiro. Não tarda, o dinheiro, retirado a
contribuintes espremidos para financiar compadrios desavergonhados, vai acabar.
A esperança é essa: o advento da miséria, e uma miséria de que não nos
resgatem. Não sendo grande coisa, é melhor do que isto. Antes a realidade do
que a verdade que o PS impõe.
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