Ou antes, sabatino, mas com sabor
festivo, domingueiro, porque se lê com gosto, tal como se saboreava aos
domingos o leite-creme que a minha mãe fazia e o meu pai queimava, com os ferros
aquecidos no fogareiro de serradura, na nossa infância africana, o meu pai que faria hoje 119 anos, mas que morreu há 40.
Leve e saborosa, a prosa fina de VPV, afirma e condena, certeira e viajada, mas sem arrebatamentos tempestuosos causadores de medo e desesperança. Ao menos, vamos degustando, embora sem cantar nem rir, como no Hino de antigamente.
Leve e saborosa, a prosa fina de VPV, afirma e condena, certeira e viajada, mas sem arrebatamentos tempestuosos causadores de medo e desesperança. Ao menos, vamos degustando, embora sem cantar nem rir, como no Hino de antigamente.
CRÓNICA
Diário
Gostava de ver a lista dos hóspedes
portugueses que Isabel dos Santos recebeu no seu apartamento de Monte Carlo.
Seria com certeza muito consolador. Claro que ela era o casamento perfeito: uma
noiva rica sem país, um país velho sem dinheiro.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 25 de Janeiro de 2020
18 de Janeiro
A
sra. Joacine Katar Moreira e o sr. Rui Tavares tiveram a oportunidade de discutir longamente as suas divergências e as
suas concordâncias sobre a
política de um partido inexistente chamado Livre. Claro que a discussão durou
muito tempo mas talvez as duas personagens se consolem com a ideia de que,
teoricamente, podiam ter levado uma eternidade. A origem e as condições em que
foi criado não prometiam nada de bom para o Livre. De qualquer maneira, aquele
pequeno bando de lumpen proletariat conseguiu fazer-se notado e (Deus
sabe como) eleger a sra. Joacine. A estúpida classe média portuguesa acha graça
a estas fitas e para não votar vulgarmente no PS vota no Livre. Tudo aquilo é
um equívoco. O Livre não sabe o que é; e a média burguesia que vota nele também
não. Não vale a pena comentar mais o caso.
21 de Janeiro
Gostava
de ver a lista dos hóspedes portugueses que Isabel dos Santos recebeu no seu
apartamento de Monte Carlo. Seria com certeza muito consolador.
22 de Janeiro
Dizem
agora muito mal de Isabel dos Santos, mas para mim ela é um génio: conseguiu
entender-se no meio das baralhadas de dinheiro em que viveu toda a vida. O mal
dela foi, como todos os parvenus, o de
querer a respeitabilidade e a segurança. Investiu muito dinheiro nessa obra. Só
não percebeu que a cada passo se tornava mais vulnerável e, portanto, mais
fácil de apanhar.
Foi apanhada. Não lhe
serviu de nada o apartamento em Monte Carlo, nem as colecções de arte, nem uma
pose tardia de conspícua accionista do EuroBic e da Sonae. O centro da luta,
como a origem da fortuna dela, sempre fora Luanda. Perdida em Luanda estava
perdida em toda a parte.
23 de Janeiro
A
judicialização da política americana é completa. Começou com Nixon, continuou
com Clinton e agora chegou a Trump.
A Câmara dos Representantes percebeu que pode derrubar um presidente quando ele
não é a seu gosto. Claro que o presidente tem de dar uma ajudinha. Nixon deu
uma grande ajuda com os seus grupos de assaltantes e de ladrões (ainda por cima
incompetentes). Monica Lewinsky ia derrubando Clinton com a sua atenção à roupa
que vestia para o encontrar. E agora Trump, com uns telefonemas indiscretos
para a Ucrânia dos quais se tem tirado um espantoso partido. Não é que os
presidentes americanos tenham tendência para degenerar; é que o sucesso das
tentativas anteriores de impugnação entusiasma os senhores congressistas, mas,
sobretudo, que os senhores congressistas têm um infalível aliado nos
jornalistas da imprensa e da televisão. Não é por acaso que um dos convidados
preferidos da CNN é o sr. Carl Bernstein, quando não é John Dean, o grande
herói do Watergate por ter delatado o que se passava na Casa Branca.
A
mim estas coisas fazem-me bem, lembram-me os bons anos e o imbecil que eu era
nessa altura.
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