sábado, 25 de janeiro de 2020

DOMINICAL


Ou antes, sabatino, mas com sabor festivo, domingueiro, porque se lê com gosto, tal como se saboreava aos domingos o leite-creme que a minha mãe fazia e o meu pai queimava, com os ferros aquecidos no fogareiro de serradura, na nossa infância africana, o meu pai que faria hoje 119 anos, mas que morreu há 40. 
Leve e saborosa, a prosa fina de VPV, afirma e condena, certeira e viajada, mas sem arrebatamentos tempestuosos causadores de medo e desesperança. Ao menos, vamos degustando, embora sem cantar nem rir, como no Hino de antigamente.
CRÓNICA
Diário
Gostava de ver a lista dos hóspedes portugueses que Isabel dos Santos recebeu no seu apartamento de Monte Carlo. Seria com certeza muito consolador. Claro que ela era o casamento perfeito: uma noiva rica sem país, um país velho sem dinheiro.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 25 de Janeiro de 2020
18 de Janeiro
A sra. Joacine Katar Moreira e o sr. Rui Tavares tiveram a oportunidade de discutir longamente as suas divergências e as suas concordâncias sobre a política de um partido inexistente chamado Livre. Claro que a discussão durou muito tempo mas talvez as duas personagens se consolem com a ideia de que, teoricamente, podiam ter levado uma eternidade. A origem e as condições em que foi criado não prometiam nada de bom para o Livre. De qualquer maneira, aquele pequeno bando de lumpen proletariat conseguiu fazer-se notado e (Deus sabe como) eleger a sra. Joacine. A estúpida classe média portuguesa acha graça a estas fitas e para não votar vulgarmente no PS vota no Livre. Tudo aquilo é um equívoco. O Livre não sabe o que é; e a média burguesia que vota nele também não. Não vale a pena comentar mais o caso.
21 de Janeiro
Gostava de ver a lista dos hóspedes portugueses que Isabel dos Santos recebeu no seu apartamento de Monte Carlo. Seria com certeza muito consolador.
Claro que ela era o casamento perfeito: uma noiva rica sem país, um país velho sem dinheiro.
22 de Janeiro
Dizem agora muito mal de Isabel dos Santos, mas para mim ela é um génio: conseguiu entender-se no meio das baralhadas de dinheiro em que viveu toda a vida. O mal dela foi, como todos os parvenus, o de querer a respeitabilidade e a segurança. Investiu muito dinheiro nessa obra. Só não percebeu que a cada passo se tornava mais vulnerável e, portanto, mais fácil de apanhar.
Foi apanhada. Não lhe serviu de nada o apartamento em Monte Carlo, nem as colecções de arte, nem uma pose tardia de conspícua accionista do EuroBic e da Sonae. O centro da luta, como a origem da fortuna dela, sempre fora Luanda. Perdida em Luanda estava perdida em toda a parte.
23 de Janeiro
A judicialização da política americana é completa. Começou com Nixon, continuou com Clinton e agora chegou a Trump. A Câmara dos Representantes percebeu que pode derrubar um presidente quando ele não é a seu gosto. Claro que o presidente tem de dar uma ajudinha. Nixon deu uma grande ajuda com os seus grupos de assaltantes e de ladrões (ainda por cima incompetentes). Monica Lewinsky ia derrubando Clinton com a sua atenção à roupa que vestia para o encontrar. E agora Trump, com uns telefonemas indiscretos para a Ucrânia dos quais se tem tirado um espantoso partido. Não é que os presidentes americanos tenham tendência para degenerar; é que o sucesso das tentativas anteriores de impugnação entusiasma os senhores congressistas, mas, sobretudo, que os senhores congressistas têm um infalível aliado nos jornalistas da imprensa e da televisão. Não é por acaso que um dos convidados preferidos da CNN é o sr. Carl Bernstein, quando não é John Dean, o grande herói do Watergate por ter delatado o que se passava na Casa Branca.
A mim estas coisas fazem-me bem, lembram-me os bons anos e o imbecil que eu era nessa altura.
Colunista


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