terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Altura de reler Camões



O CDS foi magia, em tempo próprio, dos que se sentiam sem arrimo, inesperadamente chutados de espaços e convicções que jamais sairão da memória. Hoje, o CDS já nem tem razão de ser, bem evocado por Rui Ramos e comentado com pertinência por alguns leitores. Desde o momento que se demarcaram do PSD, abandonando Passos Coelho à sua sorte, nem CDS nem PSD merecem mais do que piedade. E tristeza. Mas esta, todos os partidos a merecem, mau grado a saliência de alguns. Merecemo-la todos, de resto.
Sim, altura de reler Camões:

Alegres campos, verdes arvoredos,
claras e frescas águas de cristal,
que em vós os debuxais ao natural,
discorrendo da altura dos rochedos;
Silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual,
sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.
E pois me já não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.
Semearei em vós lembranças tristes,
Regando-vos com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.

O partido que não sabe o que lhe aconteceu /premium
O CDS fixou-se em André Ventura como se a concorrência do Chega tivesse sido a razão do seu descalabro eleitoral. Não foi, e o CDS precisa de um líder que lhe faça esquecer Ventura.
RUI RAMOS, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 24 jan 2020
Para os dirigentes do CDS, os resultados eleitorais do ano passado continuam a ser um enigma. Não os esperavam, apesar das sondagens, e ainda não os perceberam, apesar de todos os debates. Como é hábito da classe política portuguesa, só lhes ocorre, para dar conta do colapso, questões de procedimento e de comunicação (não se souberam explicar, ou os seus eleitores não os compreenderam, etc.).
De facto, o problema da direcção do CDS foi ter tentado, nos últimos cinco anos, fazer tudo bem – de acordo com o que, no regime, se achava bem. Em 2015, quando a geringonça tomou o poder, a oligarquia recomendou aos antigos partidos do governo que se distanciassem de Passos Coelho e “virassem a página”, e o CDS fez isso com muita aplicação. Em 2017, o sucesso autárquico em Lisboa e a saída de Passos levaram-no por outro caminho: afinal, ia ser o grande partido da direita, e o mais agressivo interlocutor de António Costa.
Tudo, de acordo com a sabedoria média do regime, estava certo. Tal como estavam certas as passadeiras pintadas em arco-íris em Arroios, para provar que era moderno, ou o apoio parlamentar a Mário Nogueira, para demonstrar que era “social”. O que não estava talvez certo era a soma de tudo isso: o oportunismo era demasiado evidente. E até agora, nada mudou: os candidatos continuam a tentar ser tudo, como quem pudesse comprar todos os bilhetes para garantir que ganha a lotaria: todos falam de “direita”, mas todos querem “dialogar” com o PS; todos se propõem ser muito definidos, mas todos desejam integrar as mais variadas correntes; etc.
Nada disto é novo, e talvez não seja evitável. O CDS foi sempre assim desde o primeiro dia. Que podia fazer o mais pequeno, o mais recente e o mais perseguido dos grandes partidos do regime, a não ser tentar agarrar-se a tudo o que lhe parecia flutuar? Logo em 1976, Jorge Gaspar e Nuno Vitorino, na sua análise das eleições para a Assembleia Constituinte de 1975, diagnosticaram-lhe um problema: ao contrário do PCP em relação ao PS, a votação do CDS funcionava num sistema de vasos comunicantes com o PSD. Nenhum partido conheceu tantos altos e baixos. Já muitas vezes pareceu que estava para acabar (o que deve animar os militantes de hoje). Por isso, o CDS experimentou todas as estratégias e ideologias: governou com o PS e com o PSD, foi democrata cristão com Adriano Moreira e liberal com Lucas Pires, europeísta com Freitas do Amaral e nacionalista com Manuel Monteiro, etc. As suas convicções consistiram, frequentemente, numa tentativa de adivinhar para onde soprava o vento.
É provável que a relevância do CDS passe sobretudo pela possibilidade de uma maioria de direita. Não depende, por essa razão, só de si próprio, uma vez que é o PSD que tem sido o motor dessas maiorias. No entanto, não é isso que o parece inquietar. O CDS fixou-se em André Ventura como se a concorrência do Chega tivesse sido a razão do seu descalabro eleitoral. Em Outubro, porém, o CDS perdeu 13 deputados, e o Chega só elegeu um: não foi o Chega que herdou os deputados do CDS. Mas o CDS fala de Ventura como se tivesse sido assim. É talvez a sua maneira de racionalizar o que lhe aconteceu.
Ao tomar o Chega como referência, para imitar ou para se demarcar, o CDS corre um risco, que é o de fazer de Ventura o líder de facto do CDS, e parecer finalmente irrelevante e incompreensível. Por isso, antes de mais, o CDS precisa de um líder que sossegue o partido. João Almeida representa a continuidade e não conseguirá, por essa razão, dissipar o presente nervosismo. Francisco Rodrigues dos Santos, através da renovação do pessoal dirigente (é fundamentalmente isso, aliás, que está em causa), parece o mais capaz de fazer esquecer Ventura e dar ao CDS tempo para respirar.
COMENTÁRIOS:
Geraldo Sem Pavor: Julgo que RR não está correto na análise que faz no seu artigo. Não pela descrição histórica dos acontecimentos, que são de facto corretos, mas pela análise dos mesmos. O assalto aos ativos pela nova classe dirigente não foi de facto diferente do que aconteceu noutros países africanos após a independência, e é similar ao registado no médio Oriente, onde "sheiks" familiarmente ligados aos líderes que lutaram pela independência dos respetivos territórios acabaram por se apoderar das riquezas dos seus países. Convém lembrar que a Europa passou por algo parecido na idade média (rei e senhores feudais) e que ainda hoje num país como Portugal, onde os sistemas do seu regime democrático são ainda frágeis, o capital dos cidadãos e espoliado com impostos pelo PS (MPLA português) e alguns sobas como Sócrates e Salgado continuam as suas vidinhas normais. Por tudo isto, não julgo que o tema esteja relacionado com descolonização mas apenas com a "apropriação primitiva de capital" para citar um sujeito barbudo.
Maria Emília Ranhada Santos: O CDS apareceu a concorrer às eleições vazio de conteúdo político específico de partido de Centro ou direita. Foi isso que o fez deslizar tanto! As democracias para o serem tem de ter partidos de direita e de esquerda, ou não o são! Os portugueses da direita, não acharam que o CDS estivesse realmente empenhado em defender as suas questões e os seus problema, politico-sociais, mais urgentes. Perderam a confiança na liderança! O Ventura está a somar votos, porque ele não tem "vergonha" de ser de direita. Ventura aparece-nos a nós portugueses que não o conhecíamos, como alguém carismático, que não gagueja a intervir quando é preciso, que não é politicamente correto, que se apresenta com transparência, e mais, que é capaz de ser humilde suficiente para aceitar os seus erros! E ele vai ganhar muito mais, porque é deste tipo de pessoas que os portugueses esperavam.
José Gaspar: O problema do CDS é o mesmo do PPD, PS e de todos os restantes partidos, os eleitores já não acreditam nem confiam em nenhum, todos eles fogem de dizer aos eleitores o que tem de ser feito para que Portugal comece a criar riqueza que pague o que deve e dar bem-estar ao povo, querem saber que propostas e como as vão aplicar e aí é que  porca torce o rabo nenhum tem ideia do que fazer por isso passam a campanha a atacarem-se uns aos outros, os partidos precisam de se renovar e dizer aos eleitores o que tem de ser feito, mas como dizia o João Almeida do CDS se dissermos a verdade não ganhamos eleições.
Felipe Azyral: A Coligação Ventura Destra formada pelo Chega, Liberal, Aliança, CDS, pode ir acima dos Vinte por Cento se tiver a Coragem de se Formar.....!!!!!
Manuel Magalhães: O problema do CDS foi durante os 40 anos de democracia nunca se soube afirmar com clareza como um partido de direita e ter andado sempre aos zigue zangues entre o centro e o centro direita deixando a direita real e democrática completamente órfã e na sua maioria sem votar, ora toda essa gente neste momento vê uma esperança nos novos partidos IL e Chega, a culpa foi apenas do CDS...
Utilizador removido: Concordo e defendi que o descalabro eleitoral do CDS não se deveu ao Chega. É porém certo que o Chega, em grande medida, tornará o CDS, enquanto coisa que quiz ser tudo e não é nada, e que quando no poder adoptou como política efectiva o socialismo, o homossexualismo e o globalismo, uma excentricidade e uma irrelevância. Os actuais situacionistas do CDS, como o Almeida e o Ávila, devem abraçar, no PS ou na IL, a sua condição genética de meros progressistas-socialistas, tolerantes do mercado. O papel útil à nação que gente não socialista, actualmente no CDS, pode desempenhar, resume-se a concorrer para o fortalecimento, ao nível de infraestrutura e de quadros, de um verdadeiro espaço de direita em Portugal. O CDS está morto. Deveremos ser-lhe para sempre gratos por ter funcionado como porto de abrigo temporário à resistência possível ao totalitarismo socialista-marxista.
Carlitos Sousa: O CDS fixou-se em André Ventura É verdade, o eleitorado do CDS, PSD, muitos abstencionistas, e até socialistas desagradados com as geringonças. André Ventura pode ser a colher que vai dar volta à sopa azeda. Partidos como o CDS e PSD, que já estiveram algumas vezes no poder, e nunca aplicaram ( com desculpas diversas... )  a ideologia de direita: REDUÇÃO DRÁSTICA  de impostos, REDUÇÃO DRÁSTICA do Estado confinando-o às funções de soberania.  Defesa das Liberdades Individuais e da Iniciativa Privada.
   O CDS/PSD sempre fizeram uma política ligeiramente idêntica à dos socialistas. Nenhum destes partidos se coloca à direita, sendo um de CENTRO (CDS) e outro com Rui Rio a afirmar-se de Centro Esquerda.
Paulo Guerra > Carlitos Sousa: Menos estado como o Salazar?
Carlitos Sousa >Paulo Guerra: O Estado de Salazar não serve de referência pois não passava de uma ditadura com protecção de grupos económicos. Mesmo assim, após o 25/abril assistiu-se às nacionalizações apressadas, ao desmantelamento do tecido empresarial nacional, e à entrada do Estado em sectores financeiros, empresariais, e até de pequeno comércio! O Estado tornou-se “um monstro” em Despesa, em entidades, em funcionários, que precisa de uma Receita enorme de Impostos para ser mantido. Custa caro, presta maus serviços ( como se vê na saúde e educação ), e os portugueses continuam a pagar em dobro. Pagam os impostos para o Estado e quando estão doentes vão à saúde privada. Quer comparar, compare por exemplo com a Irlanda.
Paulo Guerra > Carlitos Sousa: O país não tem problema nenhum com o Estado. Nem ficou todo a masturbar-se com a tanga da TINA e da bancarrota como aqui no OBS. Então o empréstimo foi todo direitinho para os bancos e o Estado é que levou o país à bancarrota? O que levou ao empréstimo foi a divida privada e a especulação dos mercados.
Maria Múrias: Óptimo, Rui Ramos virou-se para o CDS. Quer dizer que o CDS vai recuperar estrondosamente .
Pedro Dragone: "O partido que não sabe o que lhe aconteceu" Não é apenas o CDS que não sabe o que lhe aconteceu. É toda uma direita Passista, onde se inclui o Rui Ramos, que não sabe o que lhe aconteceu!!! E o que aconteceu ao CDS foi o mesmo que aconteceu ao PSD (embora neste caso em menor grau graças a Rui Rio): foram centenas de milhar de votantes destes dois partidos que fugiram para a esquerda, para a abstenção e para os novos partidos da direita em resultado dos exageros austeritários que praticaram durante o governo da Troika. E depois disso, se houve partido que fez uma oposição dura (e com estilo trauliteiro!) ao Governo da Geringonça, um estilo que era defendido pelo Montenegro no PSD e pela alt-right do Observador, foi precisamente o CDS!
Compreende agora o Rui Ramos o que aconteceu ao CDS e à direita em geral? Compreende ou ainda precisa que lhe façam um desenho?
Francis Ferrer: Tem razão o articulista. Essa preocupação com o Chega, é estar a descer a um nível muito baixo. Mas os elogios da imprensa de direita às prestações do Chega, assim empurram aquelas pobres cabeças…
“O partido que não sabe o que lhe aconteceu”? Pois, com conselheiros como o Rui Ramos, é natural que ainda andem à procura do rabo, enquanto ao lado Rui Rio faz o caminho, caminhando, apesar dos ataques dos comentaristas de direita localizados na capital do império. Ainda não perceberem que foram vítimas da herança do Passismo, que encostou os partidos da PAF à direita, onde não há grande espaço em Portugal . Insistir na movimentação em direcção ao gueto de direita, faz muito bem às descargas biliares dos comentadores de direita, mas só leva ao abstencionismo dos eleitores moderados do centro-direita, que são quem pode eventualmente vir a dar uma vitória a uma coligação de direita .  
Ana Ferreira: Ao contrário do que RR pretende, aplicando psicologia invertida, o CDS sabe que o seu eleitorado fugiu do estilo regateiro de Cristas de "cão que ladra não morde", para o de pitbull que antes de ladrar morde. Faz bem João Almeida em demarcar-se de um e de outro, na demanda de um partido conservador de Direita digno desse nome!
José Broa: Mais um exemplo de que RR, vive num mundo paralelo (Provavelmente em 1960). O CDS está moribundo e só tem uma de duas hipóteses: Ou se levanta, ou se extingue (sendo esta a hipótese mais provável). O CDS só se reerguerá, quando abdicar do "Portismo, da beatice, dos betos e assumir uma linha política clara de direita, sem esqueletos no armário. Olhando para os candidatos ... não me cheira. João Almeida é mais do mesmo, o Chicão é a betice, o estereotipo do menino do "papá", que ganhará algum (pouco), público ... do costume. A solução, não é combater o Chega, mas encostarem-se ao IL, no que ao posicionamento politica e comunicação diz respeito. De mim (qualquer um deles) não terá nenhum voto, mas será um caminho.
Luis Jorge: O problema do CDS é o mesmo que o do PSD, embora em medidas diferentes: foram atrás do PS (cada vez mais à esquerda) e perderam o apoio dos seus eleitores. Quem vota (à esquerda, centro ou à direita), vota no original e não em cópias baratas. Agora estão descredibilizados, e quem procurou alternativas, só voltará a votar no CDS se lhe for reconquistada a confiança. E pelo andar da carruagem, só o conseguirão se os novos partidos no parlamento se espalharem ao comprido.
Carlos Quartel: A queda tem razão de ser. Vítima da manobra de Costa, em vez de cimentar a unidade com Passos, denunciando a burla ao eleitor e insistindo na narrativa da indecência e falta de escrúpulos do PS, passou rapidamente ao oportunismo de pensar ter dimensão para substituir o PSD, como maior partido da área não socialista.  A candidatura de Cristas a Lisboa foi a declaração de guerra e o início do descalabro. A ilusão dos 15% levou a altas pensamentos, mas houve milhares que não lhe perdoaram. Foi-se a credibilidade, ficou o manobrismo e o oportunismo. E, no entanto, é o partido da família política mais definida, com larga experiência de governação na Europa, onde os seus parentes estão no poder. Saber se está morto ou se tem ainda sopro, é a questão.


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