Hoje os valores são outros. Mas vale
sempre a pena tentar. Para todos os efeitos, há sempre as excepções. E as escolas
também podem sê-lo. Assim como as câmaras. Desigualdades sempre as houve, há e haverá.
II - Educação e desenvolvimento – utopia e ética
Apesar de todas transformações que
testemunhamos, a educação continua a ser a derradeira esperança para promover
um efectivo desenvolvimento, que seja simultaneamente humano, integral e
ecológico.
Perante a necessidade de nos modificarmos e de transformarmos
o mundo em que vivemos, as utopias são simultaneamente sonhos que nos inquietam
e horizontes que nos desafiam. Interessam-nos especialmente aquelas que
poderíamos descrever como formas utópicas pragmáticas e produtivas, que se
constroem e reconstroem, numa dinâmica reformista e mutável de aperfeiçoamento
permanente. Dito isto, importa realçar a operacionalidade e a extrema
necessidade do pensamento utópico para o desenvolvimento da humanidade.
Ao longo da história foram-se concretizando coisas que
hoje são assumidas como justas, necessárias e mesmo inquestionáveis, mas que
antes foram desvalorizadas e consideradas irrealizáveis. É disso exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em muitos dos seus 30
artigos, consagra valores que durante muito tempo foram entendidos como
impossíveis miragens, mas que hoje constituem, quando não realizações plenas,
pelo menos princípios éticos dificilmente atacáveis.
Em Setembro de 2015, por ocasião da celebração do
septuagésimo aniversário da Organização das Nações Unidas, os chefes de Estado
e de Governo proclamaram os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Estes
constituem simultaneamente um apelo e um plano de acção, com uma agenda de
concretização que se estende apenas até 2030 e que se concretiza por via de 169
metas e 232 indicadores. Apesar de claramente definidos, na amplitude das
ambições dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável inscrevem-se alguns
que podem ressoar como utópicos, como é o caso: da aspiração da erradicação da
pobreza e o fim da fome; da promoção da prosperidade universal e do progresso
social; da efectiva protecção ambiental e gestão prudente dos recursos
naturais; da garantia da liberdade e da paz; da construção de sociedades justas
e solidárias.
O 4º Objectivo de Desenvolvimento Sustentável prevê
que se assegure uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, que promova
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. A tomada de
consciência global tem conduzido a progressos assinaláveis no que concerne à
meta da universalização do ensino básico, de um acesso cada vez maior de
meninas à escola, da redução do abandono escolar precoce e do aumento das taxas
de literacia. No entanto, muito está ainda por fazer no que respeita ao
acesso à escolarização de crianças de regiões marcadas por conflitos armados,
outras onde a pobreza se faz sentir de forma mais dura ou em contextos rurais.
Este objectivo de desenvolvimento prenuncia que, até
2030, todas as meninas e meninos venham a ter acesso a ensino básico e secundário
gratuitos. Também prevê que se proporcione igual acesso ao ensino profissional,
bem como a possibilidade de ingresso num ensino superior de qualidade, de modo
a contribuir para a eliminação das desigualdades sociais e de género. Em
Portugal temos a este nível bons indicadores. Há, contudo, ainda caminho a
fazer para alcançarmos as metas previstas no que respeita à melhoria das
instalações escolares e ao aumento do número de profissionais de educação.
Assumindo-se que o desenvolvimento efectivo se alcança
pelo equilíbrio entre aspectos de natureza social, económica e ambiental, os
Objectivos de Desenvolvimento Sustentável estão forçosamente interrelacionados,
daqui resultando que as acções desenvolvidas numa área afectarão os resultados
de outras áreas. Apesar da complementaridade e interdependência dos objectivos
a atingir, parece evidente que é através da promoção da educação que se criam
os conhecimentos e competências para a concretização de todos os outros Objectivos
de Desenvolvimento Sustentável.
Numa altura em que as desigualdades, a fragmentação
social, a aceleração das alterações climáticas e a fragilidade do planeta se
torna evidente, a educação pode desempenhar um importante papel na aprendizagem
de formas de desenvolvimento integral e de maneiras de protegermos o mundo para
um futuro melhor. Generalizando-se nas nossas escolas o compromisso com a
promoção de aprendizagens significantes e relacionadas com problemas reais, o
tema dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, na sua relevância e transversalidade,
pode ser um bom eixo para todo o tipo de projectos educativos e formativos.
A sustentabilidade é algo que se pode e deve
aprender, através de processos amplos de educação formal, não formal e
informal, que visem a transformação das práticas de produção, consumo,
comunicação circulação e organização. Essas aprendizagens deverão criar novas
vivências e atitudes, novas maneiras de ser e estar, que contribuam para o
desenvolvimento de cada pessoa e a elevação da inteligência colectiva de cada
comunidade e de toda a humanidade.
Não podemos ter a arrogância ou a inocência de
considerar que a educação constitui, só por si, uma fábrica de milagres capaz
de resolver todos os problemas ou regenerar todas as disfunções do mundo. Não
obstante, apesar de todas transformações que testemunhamos, a educação continua
a ser a derradeira esperança para promover um efectivo desenvolvimento, que
seja simultaneamente humano, integral e ecológico. A educação é e continuará a
ser a melhor maneira de colectivamente contribuirmos para transformar sonhos em
realidades, para convertermos as utopias em compromissos éticos devidamente
enraizados, a partir dos quais poderá florescer a esperança de virmos a ter um
mundo melhor e sociedades mais justas.
Vice-presidente
da Câmara Municipal de Almada, finalista da edição mundial do Global Teacher
Prize e Apple Distinguished Educator
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que
discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.
Professor
internacionalmente premiado e actualmente vice-presidente da CM Almada
COMENTÁRIOS:
David Pinheiro: Concordei com tudo! (Será que havia alguma coisa concreta? Passível de
discordância?...)
victor guerra: Linguagem de quem mama no sistema. Que ética?
II -Educação: a cativa que me tem cativo
Há anos, António Guterres utilizou o
slogan ‘Paixão pela Educação’ e, como humanista convicto, acreditou que um país
mais formado seria um país melhor. Precisamos voltar a acreditar nesta paixão.
JOÃO JAIME PIRES, Director do Liceu Camões OBSERVADOR.
16 jan 2020
Nos últimos tempos, tem sido com
profunda inquietação que me interrogo sobre qual foi o momento temporal em que
a educação deixou de se tornar uma prioridade, uma paixão que prometia
florescer, para deixar de ser tema. Proponho apenas três apontamentos sobre o
que penso ser, actualmente, o estado da educação – o vale dos silêncios, os
desaparecidos em combate mas, tal como Sísifo, continuamos convictamente a
carregar a pedra, acreditando que algum dia chegaremos ao topo da montanha. E
se por absurdo voltássemos a tentar?
1 - O Vale dos
silêncios. E sem se dar por nada,
paulatinamente, ela aí está! A descentralização. Tal como afirma Susana Amador, Secretária de Estado da Educação, 2020 será marcado como mais uma mudança de paradigma
na Educação, com o centralismo a diminuir significativamente e o avanço calado
da descentralização a dar cumprimento a objectivos de maior eficácia,
eficiência e proximidade das políticas públicas. A promessa é a de um olhar atento das autarquias
no que à educação diz respeito – alimentação, transporte, sucesso,
solidariedade, planeamento, recursos, correcção de desigualdades e assimetrias,
lógica de proximidade, investimento, equipamento e manutenção de edifícios
escolares, mediante a prática já acumulada. É, talvez esta, a linguagem do silêncio – dar
garantia de sucesso conseguido em todo o processo. Mas será que
todas as autarquias dispõem das mesmas condições humanas, físicas e económicas
para dar resposta a todos os objectivos de uma forma igualitária para todos os
cidadãos? Será possível assegurar uma decisão administrativa que não tenha uma
componente pedagógica? Faz sentido que coexistam no mesmo espaço escolar
funcionários do município (assistentes técnicos e operacionais) e outros do
Ministério de Educação (professores)? Ou não pertencemos todos ao mesmo projecto
educativo de escola? Ou as escolas deixarão de ter uma identidade dentro da sua
localidade? DGAE, DGEsTE, IGEC, IGeFE, CAP, directores de escola e/ou
agrupamentos, conselhos gerais, vão continuar a existir? Com que competências?
Tantas questões se levantam e tanto o silêncio!
2- Desaparecidos
em combate. No
meio de um aparente e confortável oásis administrativo e financeiro, continua
a verificar-se a ausência de políticas educativas consistentes. Na
lógica aditiva de programas, metas, aprendizagens (fundamentais, mínimas,
essenciais), competências do séc. XXI,
referenciais, perfis, quais os documentos curriculares que prevalecem e que
constituem o verdadeiro currículo? Na gula documental em que escolas e
professores se afogam a comparar, seleccionar, reflectir, articular,
fundamentar, incluir, excluir, opções que deviam ser simples, mas que não são,
o que prevalece? Onde fica a reflexão, o debate, as opções, as decisões
sobre o acesso ao ensino superior, a avaliação do desempenho docente, o
estatuto do aluno e da ética escolar, o modelo de gestão e administração das
escolas? Tudo está bem nesta quietude de benfeitorias em que, transferindo para
as autarquias problemas crónicos (como o amianto, por exemplo), o Ministério da
Educação se livra de contestações já ignoradas por todos. Continua a ser
manifestamente evidente que é expectativa do Governo que muitos programas,
planos, projectos e decretos sejam implementados à conta da boa vontade de
funcionários, professores e direcções das escolas, caso contrário, as opções
ficarão uma vez mais no papel, transformando-se em outros domínios de autonomia
fracassados. Gastaram-se. Foram problemas que deixaram de servir.
Verdadeiramente não se resolveram – gastaram-se. O que foi feito dos grandes
temas, desaparecidos em combate, que continuam a dar corpo aos silêncios e aos
desalentos? O que pensa o Ministro da Educação? E os partidos com assento na
Assembleia da República?
3- E
se por absurdo voltássemos a tentar? Dentro
de quatro anos muitos professores vão sair do sistema, aqueles que poderiam
assegurar a passagem do testemunho. De repente, passamos do excesso à
carência. Como vai ser pensada a formação de professores para fazer face
às necessidades? Quais são as propostas para a renovação da classe
docente? Quem quer ser professor? Segundo o relatório do Conselho Nacional de
Educação de 2019, só 0,02% dos docentes estão no topo da carreira com média de
61,4 anos de idade e 39 anos de tempo de serviço, e muitos dos mais jovens,
estão ainda impossibilitados de fazer planos a médio ou a longo prazos, vivendo
o dia-a-dia no fio da navalha, sem qualquer estabilidade. Apesar da
escolaridade ser o indicador com maior impacto no crescimento económico, entre
2009 e 2018, os cursos da área de “Educação” foram os que registaram maior
quebra de inscritos no 1º ano, pela primeira vez. Os professores encontram-se
sem uma carreira valorizada e sem dignificação da classe, pelo que poucos
jovens olham para a profissão como uma carreira de futuro promissor.
Mas, tal como no mito de Sísifo, apesar
do mundo ser um lugar estranho e desumano, é nele que grande parte da nossa
vida é construída, com a esperança do amanhã. Há alguns anos, António Guterres utilizou o slogan ‘Paixão pela Educação’ e, como
humanista convicto, acreditou que um país mais formado seria um país melhor.
Precisamos voltar a acreditar nesta paixão. É que, apesar de tudo, as
escolas continuam a estar dotadas de profissionais a quem os pais confiam “a
guarda” dos seus filhos, em muitos casos mais de sete horas por dia; são eles
que, em primeira mão, com o olhar cuidadoso e atento detectam problemas,
dificuldades e os comunicam à família, no zelo do bem-estar e da saúde dos
jovens, e são eles, que, apesar de todas as adversidades, continuam a levar a
bom porto a sua missão – o desenvolvimento de competências a vários níveis
(académicas, pessoais, sociais, profissionais), numa relação privilegiada com
seres humanos em desenvolvimento. As escolas continuam a estar dotadas de
pessoas que, no seu quotidiano, independentemente das condições adversas,
demonstram a mesma motivação, a mesma vontade, o mesmo empenho e o mesmo
espírito de missão para que todos os alunos tenham sucesso.
Em
maio de 2018, Guterres voltou a afirmar que a Educação deve ser a paixão de
todos os governos, considerando-a
a base para o desenvolvimento e a paz, pelo que, neste “momento absurdo” em que
todos se calam, acredito que algum destes dias, um Ministério cheio de
invisibilidades nos surpreenda com o debate, a reflexão, as propostas, as
ideias, os compromissos de uma paixão renovada. A não ser assim, resta-nos
voltar ao tempo em que ‘De todos os sonhos do homem, a única coisa que não
falhou foi o sonho. E é por isso que ele continua’.
Director
da Escola Secundária de Camões
COMENTÁRIOS:
Maria José Melo: “Paixão pela
Educação “, em que é que isso se traduziu? Quais foram as melhorias? Eu fui
professora durante 38 anos e gostei muito da minha profissão. Reformei-me há
três anos, antecipadamente, pois as condições de trabalho não são compatíveis
com a “paixão “ de ensinar e educar. Pelas informações de colegas no activo,
nada melhorou, antes pelo contrário. As autarquias não conseguem desempenhar o
seu papel no ordenamento do território que têm a seu cargo e os processos nas
câmaras municipais demoram anos. Como se lhes pode entregar a gestão das
escolas? Hoje choveu um pouco mais aqui em Cascais, há poças de água por
todo o lado, já para não falar dos buracos das estradas e dos passeios,
dificultando a deslocação de um peão e até dos automóveis. Mas a autarquia não
se preocupa com as infra-estruturas... Se for um torneio, um arraial, aí já
pode organizar. As coisas não correm bem, porque os princípios estão
errados. A Educação deveria ser uma prioridade para o país. Deveria ser
encarada com rigor e seriedade, sem facilitismos.
J F: Com um
governo que não tem ministro da educação, será impossível manter o nível da
educação em Portugal. Esperemos que os vindouros consigam estancar a
ferida!
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