E mais o que se conta de corrupção, a
contribuir para o descalabro. Fala-se também em paraísos fiscais para os mais
argutos, favorecedores do buraco negro financeiro. Mais se poderia dizer que
tem relação com uma educação deficitária e uma ausência de princípios e de brio
profissional…
Não, nem a varinha da fada já nos pode
valer. E sobretudo às gerações futuras, os filhos dos nossos filhos, dos nossos
netos …
A dívida e a debilidade das instituições /premium
A dívida total do Estado, empresas e
famílias representa cerca de 320% do PIB, continua a ser uma das mais elevadas
do mundo, expõe a economia a graves riscos e põe a nu a debilidade das
instituições.
FERNANDO ALEXANDRE
FERNANDO ALEXANDRE
OBSERVADOR, 15 jan 2020
A
dívida total do Estado, empresas e das famílias representa cerca de 320% do
PIB. Apesar deste valor ser bastante inferior ao valor máximo de 380%
registado em 2012, continua a ser um dos mais elevados do mundo. Este
montante de dívida expõe a economia portuguesa a graves riscos e põe a nu a
debilidade das nossas instituições.
Uma
crise nos mercados financeiros pode expor a população portuguesa a graves
riscos. Num contexto de redução demográfica e da população em idade activa, quanto
mais tarde a dívida for paga maior será o esforço exigido por trabalhador.
Reduzir a dívida é assim o melhor seguro que podemos fazer para acautelar o
futuro. Daqui decorre a importância de alcançar excedentes orçamentais em 2020
e nos anos seguintes.
A
dívida foi uma das mais importantes inovações da história da humanidade. A
dívida é um instrumento financeiro que permite realizar investimentos ou
antecipar consumo que os rendimentos do Estado, das empresas ou das famílias
não permitem financiar na totalidade. O desenvolvimento dos mercados
financeiros tornou mais complexa a relação entre o presente e o futuro e, por
outro lado, mais imbrincada a relação económica entre os países.
Na história económica não faltam
exemplos dos efeitos positivos da dívida no crescimento das economias e no
bem-estar das sociedades. No entanto, não faltam também exemplos de crises
económicas e de falências empresariais e pessoais, com consequências muitas
vezes trágicas, em resultado da incapacidade de cumprir um contrato de crédito.
De facto, as crises da dívida, sobretudo quando estão associadas a crises
bancárias, resultam em recessões prolongadas, recuperações lentas e elevados
custos económicos e sociais.
Na
vigência do regime democrático, os portugueses conheceram por três vezes os
custos impostos por crises de dívida. Nessas três ocasiões, o Estado português,
para cumprir as suas obrigações com os credores e com os portugueses
(funcionários públicos, pensionistas e utilizadores dos serviços públicos) foi
obrigado a recorrer à assistência financeira de instituições internacionais. As
duas primeiras crises financeiras – em 1977 e 1983 – aconteceram na
juventude do novo regime democrático, num contexto de instabilidade económica,
incluindo um choque petrolífero. Por outro lado, as debilidades existentes nos
mecanismos de controlo orçamental eram também compreensíveis.
A
terceira crise, que resultou no resgate pela troika em 2011, é mais
difícil de compreender. As nossas instituições democráticas estavam já mais
maduras, Portugal integrava a moeda única desde a sua criação em 1999 e estava
obrigado a respeitar as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Por
outro lado, os mercados financeiros internacionais e as agências de rating avaliavam
a solvabilidade do Estado português e do sistema bancário.
Entre
2008 e 2012, a economia portuguesa perdeu 12% do PIB (na UE, naquele período,
só a Grécia e a Espanha tiveram uma quebra maior no PIB), o desemprego atingiu
17%, cerca de 50 mil portugueses emigraram anualmente, os pensionistas viram as
suas pensões reduzidas e os funcionários públicos receberam apenas 12 meses de
salários, com cortes.
O que falhou nas instituições para
que a crise da dívida tivesse custos tão elevados?
Sabemos que houve muitas falhas nas
instituições internacionais, incluindo na Comissão Europeia e no Banco Central
Europeu, que subavaliaram os riscos do endividamento. As agências de rating e
os investidores internacionais – que nos continuaram a financiar a baixas taxas
de juro – também não fizeram soar sinais de alarme.
Muitos
ainda argumentam que se as instituições internacionais não anteciparam os
riscos para a economia portuguesa, como é que as instituições nacionais o
poderiam ter feito.
A
história do sucesso de uma economia ou de uma sociedade é a história do sucesso
das suas instituições – peço
desculpa por referir esta evidência. Ao longo da história, as sociedades
mais bem-sucedidas aperfeiçoaram as suas instituições para promoverem a
cooperação entre os seus membros e para se protegerem dos riscos que sobre elas
impendiam. Numa economia com níveis de endividamento elevado, um dos maiores
riscos é o risco de incumprimento dos contratos estabelecidos com os credores.
Na crise da dívida, as instituições nacionais, que promoveram a contracção de
mais crédito público e privado, falharam ao não antecipar os riscos a que
expunham os portugueses.
As debilidades das nossas
instituições, e as suas implicações para o aumento da dívida, revelaram-se a
vários níveis. Em primeiro lugar, através a prevalência de uma visão
de curto prazo sobre uma visão de médio e de longo prazo. A concentração nos
objectivos de curto prazo, muitas vezes associados ao ciclo eleitoral,
reflectiu-se, por exemplo, no aumento dos défices orçamentais e nas
dificuldades de consolidação orçamental. A prevalência da visão de curto prazo
lançou um pesado fardo sobre o bem-estar das gerações futuras. Por outro lado,
o enfoque no curto prazo também não contribuiu para criar uma cultura de
poupança nas famílias. De tal forma, que a palavra poupança, um instrumento essencial
de protecção do risco, continua a ter uma conotação negativa.
Em segundo lugar, a coincidência de um elevado endividamento com um
fraco crescimento reflecte um insuficiente conhecimento das vantagens
competitivas da nossa economia. Ora, as instituições devem incorporar todo o
conhecimento disponível sobre a sociedade, a economia e o contexto em que se
inserem e desenhar as melhores políticas para que possam prosperar. Esta falha
das instituições está patente na incapacidade de recolher benefícios da grande
vaga da globalização e na aposta nos sectores não transaccionáveis.
Em terceiro lugar, a crise da dívida, em particular a que afectou os
bancos e as empresas, está associada a problemas de supervisão, governação e
gestão – três dimensões institucionais. As empresas portuguesas, desde meados
da década de 90, tiveram acesso a crédito como nunca tinha acontecido – em
2012, o seu endividamento representava 150% do PIB. Deste endividamento não
resultou crescimento económico. O nível de crédito às empresas em incumprimento
atingiu 15% do total em 2015. O resultado destas decisões de atribuição de
crédito já terá custado aos contribuintes mais de 20 mil milhões de euros.
Entretanto registaram-se alterações importantes na governação do sistema
bancário. O aumento das exportações também sugere melhorias na gestão. As
regras da supervisão também foram alteradas.
O
sucesso do processo de ajustamento da economia portuguesa, com redução da
dívida, alcançado num contexto de estabilidade social e institucional, sugere melhorias
no funcionamento das instituições. De facto, se o elevado montante de dívida
reflecte a debilidade das instituições, a determinação em reduzi-la será um bom
indicador da sua melhoria.
Colunista do Observador, Professor da
Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho
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