terça-feira, 28 de janeiro de 2020

O rico bago



“Recolha o bago, amigo Palma! Negócios são negócios, e o baguinho está aí a arrefecer”: É do capítulo XV de “OS MAIAS” a referência, da cena entre Carlos da Maia, João da Ega e Palma Cavalão, este último redactor de “A Corneta do Diabo”, e ao qual os dois amigos oferecem um punhado de libras, em troca de um seboso artigo sobre as relações de Carlos e de Maria Eduarda, e as provas incriminatórias do mandatário do artigo, Dâmaso Salcede, artigo que não chegara a ser publicado por emperramento providencial da impressora. Não, não se trata, neste caso agora em evidência, de iguais antros de uma pandilha obscena como o descrito por Eça. A mulher rica agora em foco, que espezinha com altivez igualmente sórdida, todas as regras da decência, que muitos lacaios conquistaria, certamente que trata em locais mais requintados e com pessoas de punho branco e gravata, só Palma Cavalões na igual ânsia pelo bago, cada vez apetecido, numa sociedade desenfreadamente e inescrupulosamente ávida, afinal, em toda a parte do mundo. Mas neste caso, não houve emperramento das máquinas, que aí estão, ávidas de condenar, embora em estilo mais sóbrio.
I TEXTO: OPINIÃO: Socialismo tóxico
Isabel dos Santos é hoje um “activo tóxico”, mas o real activo tóxico é o Socialismo, que expôs o Estado, dono de tudo, à ganância obscena das cliques privadas que o capturaram. Uma cleptocracia perfeita, foi o que o Socialismo estabeleceu em Angola.
M. FÁTIMA BONIFÁCIO
PÚBLICO, 27 de Janeiro de 2020,
Nos anos quarenta do século XIX, Costa Cabral, chegado a Lisboa em finais dos anos trinta, e desde 1842 ministro do Reino, acumulou em pouco tempo uma fortuna espantosa. Na Câmara dos Pares, o visconde de Fonte Arcada comentou: “As fortunas repentinas são sempre suspeitosas.” Isabel dos Santos alega que começou a trabalhar desde os 24 anos: uma sortuda, porque a maioria de nós começa a trabalhar desde que entra para a escola primária. Isabel dos Santos é um verdadeiro “case study”. Levanta problemas entre a política e a moral, entre o poder e a ética, suscita as maiores interrogações sobre a probidade do Estado em comparação com a probidade da iniciativa privada, e descarna as relações pérfidas e nefastas que podem estabelecer-se entre os privados e o Estado. A respeito destas últimas, nós, no pequeno rectângulo peninsular, estamos bem instruídos: Sócrates e Ricardo Espírito Santo são, também eles, casos de estudo preciosos.
O que mais me fascina e intriga, nos casos referidos, é a ausência de limites para a ambição de riqueza e poder. O poder nunca chega, os milhões e os biliões nunca chegam: quer-se sempre mais poder, quer-se sempre mais milhões. Como os drogados de toda a ordem: nunca chegam a cocaína, a heroína, a morfina, o álcool. O poder e o dinheiro são vícios, vícios muito nefastos; como também o vício do jogo, escalpelizado por Dostoievski. Isabel dos Santos sofre desta doença de cura difícil ou até impossível.
Em 1975, Portugal entregou Angola ao MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola. Um Movimento tutelado e financiado pela URSS, o exemplar Estado ou império comunista, onde alegadamente prevaleceriam a frugalidade e a abnegação em favor dos mais pobres. Angola é hoje um território infinito de pobreza, insalubridade e porcaria. Em contrapartida, as “elites” que a governaram em nome do Socialismo enriqueceram espalhafatosamente. José Eduardo dos Santos acumulou, bem como o grupo que o rodeava, uma fortuna milionária roubando a riqueza natural de Angola, deixando ao abandono e à miséria uma população carente de tudo, da saúde aos esgotos, à habitação e à alimentação. Isabel dos Santos é hoje um “activo tóxico”, mas o real activo tóxico é o Socialismo, que expôs o Estado, dono de tudo, à ganância obscena das cliques privadas que o capturaram. Uma cleptocracia perfeita, foi o que o Socialismo estabeleceu em Angola.
Perante tudo o que tem vindo a lume, o PCP mantém-se calado. A obscena “fraternidade socialista” impõe a cumplicidade do silêncio: nada de novo, nada a estranhar. Mas Portugal esteve e continua muito mal nesta história sórdida. O nosso primeiro-ministro, os nossos governantes, remetem tudo para a Justiça, invocando hipocritamente o sagrado respeito pela divisão dos poderes. Teoricamente, estaria bem. Mas, como diria Victor da Cunha Rego, “na prática a teoria é outra”. E a “prática” é que Portugal vive há anos de joelhos perante Angola, exaltando uma “irmandade” que não passa de hipocrisia, fingimento e vergonhosa submissão. Isabel dos Santos usou o nosso país como meio de penetração na Europa e no Mundo. Portugal facilitou-lhe o caminho. Infiltrou-se, com o apoio do nosso governo, nas empresas e bancos que lhe estenderam a passadeira vermelha para ir muito mais além. E ela foi, airosa, por aí fora – até que um consórcio internacional de jornalistas resolveu investigar a prodigiosa ascensão da senhora Dos Santos. A cumplicidade do governo e de empresas portuguesas é descarnada. Estas dizem agora que Isabel dos Santos é um “activo tóxico”… Dá vontade de rir, ou de chorar.
Já várias vezes escrevi a denunciar a hipocrisia presidente à CPLP e à (suposta) especialíssima relação com Angola. As relações entre os dois países azedaram por causa do processo Manuel Vicente. E recompuseram-se quando a Justiça portuguesa vergou a cerviz e se decidiu a devolver a Angola o processo em que aquele senhor era arguido em Portugal. Antes disso, porém, recordemos, Marcelo foi a Luanda por ocasião da tomada de posse de João Lourenço: este nomeou todos os chefes de Estado presentes na cerimónia – até o representante da Espanha, mas omitiu acintosa e malcriadamente o nome do Presidente português! E nós, pedintes e desgraçados, depois desta afronta vergonhosa, retomámos, agradecidos e jubilosamente, as relações fraternas com a antiga colónia…
Deste caso Isabel dos Santos, três conclusões se podem tirar de imediato: o que Max Weber considerava e apelidava de “ética capitalista” é coisa descartável; o Estado e respectiva burocracia não têm mais escrúpulos do que a iniciativa privada; o Socialismo não passa de um abjecto regime santificado pela propaganda – e imposto pela força.
II -TEXTO
Isabel dos Santos e os limites do poder do dinheiro /premium
O dinheiro dava e deu jeito e todos fecharam os olhos. Até que “princesa” angolana caiu. Em Portugal parece aguardar-se a nova “princesa”. Esta também é uma lição sobre os limites do poder do dinheiro
HELENA GARRIDO
OBSERVADOR, 27 jan 2020
«….Isabel dos Santos percebeu que o dinheiro não compra tudo, que há um limite para o poder do dinheiro. Foi a sua grande lição. Se Angola vai de facto ganhar com o que está a acontecer só o tempo o dirá. Para já, tudo parece resumir-se a controlar os poderes de quem gravitava à volta de José Eduardo dos Santos e a garantir o repatriamento de alguns capitais num tempo em que o FMI está em Angola.
Por aqui, em Portugal, as declarações que se ouvem parecem apontar no sentido de nos juntarmos aos novos donos do dinheiro. Uma atitude não muito diferente da do resto do mundo. A princesa deixou de ser princesa e já não pode ir a Davos. Espera-se pela nova “princesa”.  Para se voltar a fechar os olhos, porque alguém tem de comprar as empresas de um país sem capital. O poder do dinheiro tem o limite que o poder político lhe quiser dar, como aqui se viu. A hipocrisia, obviamente, impera. Nada de novo.»


COMENTÁRIOS:
Nuno Silva: Ou o socialismo da EDP, empresa pública chinesa, vendida pelo Coelho Mentiroso a esses 'perigosos comunistas'...
correiaramos: Temos aqui vários equívocos: Costa Cabral afinal era socialista? Se o socialismo é tóxico, os socialistas são o quê? Isabel dos Santos é socialista? Pela leitura deste extraordinário artigo de opinião, brilhante pela análise e ainda mais pela conclusão, concluo que Isabel dos Santos não mais fez que seguir as leis da ganância e do poder do capitalismo, esse sim, verdadeiramente tóxico.
gualter.cabral: Obscena e abjecta são as pseudo democracias, como a nossa, que faz constar defender os interesses dos seus cidadãos, mas não lhes deixando exercer essas mesmas funções: é fogo de vista. Não existindo, de facto, nenhuma democracia digna desse nome - excluindo, obviamente, os ditos socialismos e capitalismos a priori - fica à consideração dos cidadãos lutar por essa causa. Evidentemente, que o cidadão não "sabe da missa nem metade", e diga-se em abono da verdade: não estão muito interessados, dado que o seu interesse, primordial, está em saber o que se passa no mundo do futebol que lhe é servido em rações exorbitantes. Portanto, cara, M. Fátima Bonifácio, não se "rale tanto" e deixe seguir a marcha ao flambó.
Raquel Azulay: Socialismo etcetera.
José Cruz Magalhaes : A visão da autora omite a prostração de todos os agentes económicos e a dos sucessivos governos da República e dos partidos que os apoiaram, perante a utilização discricionária dos recursos naturais de Angola, por um conjunto de vencedores de uma guerra civil, prolongada e mortífera. A ganância dos generais e da cúpula do MPLA, a concupiscência dos "parceiros" lusos, no sector bancário e financeiro, antes de todos, mas também da administração e na Justiça, são o que permite a continuada exploração de um povo de forma capitalista e neo-colonialista, travestida de socialismo. A espoliação de Angola o luxo e opulência de Isabel dos Santos e a reverência dos sectores financeiro e empresarial, são consequências de um único agente tóxico, que é bem diferente do Socialismo.
bento guerra: "Socialismo" de Angola e o do Largo do Rato.  O "estado é deles"
Carlos Fonseca: Começa no título. Bonifácio aproveita o caso Isabel dos Santos para uma manifestação primária de anti-socialismo. E, no tempero da luta, mistura o socialismo de cariz soviético, matriz inicial do MPLA, com o socialismo democrático ou a social-democracia que é mais ou menos a marca do governo de António Costa. Esquece-se deliberadamente dos governos e da figura de Cavaco Silva, apoiante activo de José Eduardo dos Santos. Não se lembra das idas de Passos Coelhos e Paulo Portas a Luanda. Curvaram-se perante Eduardo dos Santos a esmolar investimento no tempo da 'troika'. Há imagens e provas documentais de tudo isto. De resto, os partidos com melhores relações com o MPLA foram inicialmente o PCP; depois, o PSD e, por último, chegou o CDS. O PS não foi tão afectivo. Soares apoiava a Unita.
Jose: Um texto escrito por uma professora universitária e historiadora não podia ser propaganda primária, mentirosa, escroque. Aqui fala a frustrada esquerdista, anti comunista. O que está em curso é a perseguição de uma pessoa rica. É um crime de perseguição pessoal que anima os leaks todos. Angola é uma ampla área geográfica colonizada por séculos onde não há capacitação das pessoas, pelo contrário, há séculos. A hierarquia militar colonialista foi derrotada militarmente, veio para casa com o rabo entre as pernas e ficaram lá os guerrilheiros em guerra civil até há pouco tempo. Os habitantes de Angola são vítimas desse processo secular e não estão capazes de fazer economia de tipo nenhum. A paz é paga aos ex-generais da guerra com rios de dinheiro. Não é o caso de Isabel dos Santos que investe
FzD: O Jose está cada vez mais baralhado...
Fowler Fowler: Angola, após a independência, precisava de formar uma burguesia. Acabou por comprá-la a um preço demasiado alto. A relação entre Portugal e Angola corresponde proporcionalmente à relação entre França e Argélia ou entre Reino Unido e Índia/Paquistão. Angola é um mercado importante para Portugal, pena é que muitas das empresas portuguesas que por lá trabalharam ainda não tenham sido pagas. Cabe à diplomacia e a Marcelo negociar fases desse pagamento.
francisco tavares: O que é pena é que o tipo de consórcio internacional de jornalistas que investiga os "Leaks" não existisse em Portugal antes do 25 de Abril e pudesse investigar sem limites. A cronista havia de ver coisas semelhantes ou piores ao que se passa em regimes ditos socialistas. Não vale a pena classificar regimes políticos se são socialistas ou liberais antes de sabermos se são democracias de tipo ocidental, ou ditaduras. Nesse ponto a ditadura salazarista era semelhante à ditadura soviética. E prolongou-se por mais de 40 anos.
Henrique da Costa Ferreira: Excelente artigo, Fátima. Obrigado.
Carlos Almeida: Não esquecer que o premiado como gestor do ano Zeinal Bava é um grande socialista...
antonio rocha: Hahaha a direitalha a querer limpar os nossos gestores de "excelência". O que a senhora chamará aos casos similares a este que ocorrem na França, Inglaterra e Holanda?
OldVic1: Há muito que acho que a tristemente célebre "descolonização exemplar" foi a pior sandice que Portugal fez às ex-colónias. Abandonámos o povo angolano (e outros) aos "libertadores" que se revelaram muito mais mortíferos e corruptos do que os administradores coloniais. Estou convencido que um modelo de democracia, igualdade de direitos e autonomia crescente até à independência (se essa fosse a vontade democraticamente expressa dos povos em questão) teria poupado muito do sofrimento que os povos das ex-colónias sofreram.
Fernando Ferreira: Que pena que não tivesse feito a guerra colonial na Guiné. De certeza que você sozinho tinha pacificado toda aquela colonia e que o império colonial nunca tinha caído. Ou seja, não passa de um herói que se revelou tarde para o problema.
OldVic1: Está rapidamente a especializar-se em ataques ao mensageiro sem qualquer referência objectiva à mensagem. É lá consigo, mas um aviso de amigo: não faz nenhum bem à sua imagem, nem à sua credibilidade.
Carlos Fonseca: Depois de anos de guerra em que a minha geração perdeu milhares de jovens, diria que foram as 'descolonizações possíveis'. Por que razão se fala só de Angola e se omite Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste. O petróleo e os diamantes são uma atracção irresistível desde sempre.
rfp: Tudo é tóxico, depreendemos. O capitalismo internacional é tóxico por causa do socialismo (também tóxico). Valha-nos a bolha de hálito fresco que a cronista


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