Tudo podemos dizer, e mesmo acusar, que
não há mais tribunal censório nem pide opressora que nos prenda por tal motivo.
Vivemos em democracia. Os tribunais, o governo, fazem o seu trabalho, tentam
resolver – ou não – o que têm em mãos, indiferentes às vozes e aos escritos,
aos grevistas e aos gritos desses que, destemperados, só sabem acusar, maledicentes
e ingratos. Já podemos falar. Vivemos em democracia, trá lá lá. E escrever, como
tão bem o faz António Barreto. Ninguém
escuta, porém, nem lê. Aos gritos destemperados dos que alcançaram a liberdade
democrática, responde a surdez da democracia governante. As côdeas que esta distribui,
benfazeja, pelos governados, são imediatamente recobertas pelo amontoado
sôfrego dos que governam para, acima de tudo, se governarem. Pobre António Barreto, que não desiste de apontar isso.
Calculo que com vergonha própria. Mas como bem demonstra, não há solução.
Estamos em democracia. No caos.
O que se tem
vindo a verificar na Relação de Lisboa, um dos mais importantes tribunais do
país, é simplesmente aterrador
ANTÓNIO
BARRETO PÚBLICO, 8 de Março de 2020
É bem provável que nunca os
portugueses tenham vivido um período igual na sua história. Não há memória de
uma convergência de processos judiciais desta importância, nem de que um tal
conjunto de crimes e infracções se tenha amontoado às portas dos tribunais e
nos corredores das polícias. Nem aquando das revoluções de 1910, de 1926 e de
1974, até porque as revoluções, por definição, fazem a economia da justiça. Mas
também é certo que, nos anos que antecederam e sucederam às revoluções, os
portugueses, eméritos juristas falhados, se dedicaram vorazmente aos processos
judiciais, tentando resolver nos tribunais o que à política, à economia e aos
costumes pertencia. Mas nem nessas alturas se viu uma tão medonha coincidência
de processos e de casos com fortes repercussões políticas como aquela a que
assistimos agora.
Sucedem-se
os raides de polícias, de inspectores, de agentes ou funcionários das Finanças,
dos Impostos, da Judiciária e dos Estrangeiros, em casa de poderosos, nos
bancos, nas empresas, nos clubes de futebol, nos escritórios de advogados, nas
sociedades de consultoria e auditoria e em departamentos governamentais. Já
quase não há semana sem rusga. De repente, pela manhã, brigadas de funcionários
fiscais batem às portas de empresas e de domicílios. Sucedem-se as pesquisas e
as contrafés. Deixaram de se fazer as velhas rusgas da ASAE, substituídas
agora, dada a sua impopularidade, pelas buscas fiscais e equiparadas.
É triste, mas a verdade é que grande
parte da actividade política, financeira, administrativa e recreativa do país
está sob suspeita. Um
primeiro-ministro, ministros e deputados são hoje nomes tóxicos. O maior grupo
privado financeiro está nas ruas da amargura e parece ter dado conta de
milhares de milhões de euros. Vários bancos de menor importância foram objecto
de roubo e desvio e depois de inquérito, resgate e falência, ficando quase sempre
por punir os responsáveis e por apurar o destino dos rendimentos. Todo o
episódio dos interesses angolanos em Portugal e
portugueses em Angola deixou em aberto uma visão infernal de promiscuidade e
vulnerabilidade que parece sem remédio. Os famigerados roubos
de Tancos e subsequentes episódios de fraude, ocultação e
mentira deixaram as Forças Armadas com mácula e o Governo com culpa. Até as
tragédias dos incêndios florestais acabaram por desvendar uma teia de corrupção, dissimulação e roubo.
As melhores empresas portuguesas da
banca, das telecomunicações, da energia, dos cimentos e dos transportes foram
destruídas ou vendidas sem critério, deixando quase sempre suspeitas corrupção
ainda por averiguar. Uma das maiores indústrias portuguesas, a de jogadores e
treinadores de futebol, está sob
inspecção por centenas de funcionários, polícias e técnicos, naquela
que é seguramente a mais porosa, para não dizer criminosa, das actividades
económicas do país.
Sabe-se
que, num país pequeno como o nosso, o tecido de interesses ilegítimos e de
crimes de colarinho é tão denso que “isto anda tudo ligado”. Parece não haver
casos simples. Daí os “megaprocessos”, entidade original e contraproducente. Processos
com milhares de volumes, centenas de milhares de páginas, anos de inquérito,
centenas de funcionários, milhões de horas de trabalho e dezenas de testemunhas
são excelentes candidatos a nunca chegarem a conclusões, a prescreverem e a
ficar de tal modo confusos e intrincados que não seja possível levar a
julgamento. Pior ainda, são de tal modo complexos que se não podem investigar e
instruir decentemente. É muito fácil uma insuficiência de prova “poluir” os
restantes argumentos.
Durante
muito tempo, pensava-se que o problema da justiça era sobretudo de
meios, de pessoal e de processos legais. Assim como de passividade
do universo legislativo e de receio do poder político. Agora percebe-se que é
muito mais do que isso. É também de promiscuidade e corrupção. De luta entre profissões e corpos judiciais. De
fidelidades partidárias e idiossincráticas de muitos dos seus agentes. De
manipulação fraudulenta dos procedimentos legais. O que se tem vindo a verificar na Relação de Lisboa,
um dos mais importantes tribunais do país, é simplesmente aterrador.
Tudo parece estar a ser ali descoberto: sorteios falsificados, sentenças pagas
e veredictos manipulados…
Como sair do atoleiro? É um dos mais
aflitivos mistérios. Entregar a justiça à política é totalmente ineficaz,
todas as experiências conhecidas mostram que a emenda é pior! Esperar pelos
próprios magistrados? Já se percebeu que agora nem esse meio é possível. Ter
confiança na justiça popular? Seria absolutamente odioso. Depositar esperança
em formas populistas de justiça? O que se sabe é detestável. Não há
ditador nem justiceiro que resolva o problema. Não há salvador nem virtuoso. Só
podemos ter alguma esperança em sistemas de justiça, nas liberdades e na
informação livre. Por isso muitos se perguntam todos os dias: estamos
preparados para o que temos? Estamos prontos para lutar contra o que aí vem?
Temos magistrados em quantidade
suficiente e com as competências técnicas adequadas para julgar estes assuntos
de dinheiros, contrabando, fuga ao fisco, branqueamento internacional e
corrupção organizada? Temos procuradores preparados para as tarefas de
inquérito, instrução e acusação em todas essas áreas? Temos magistrados e
procuradores honestos e disponíveis para garantir o cumprimento dessas tarefas?
Temos processos de sorteio, de investigação e de recurso suficientemente
isentos e à prova de intrusos? Temos leis adequadas para dar conta de tão
difíceis tarefas de apuramento da verdade, de julgamento de criminosos e de
castigo de infracções? Temos leis processuais que impeçam que os poderosos,
ricos e políticos manobrem as investigações e se aproveitem dos sistemas de
garantias, de recursos e de prescrições a seu favor? Temos a paz entre
magistrados e procuradores que permita a realização de processos sem a
intervenção do ciúme, da rivalidade, da vingança e da competição entre
sociedades políticas, religiosas e laicas? Temos a certeza de que o ordenamento
jurídico e o sistema judicial não constituem um monumental bodo de protecção
aos poderosos, aos milionários, aos políticos, aos famosos e aos corruptos?
Está a justiça portuguesa à
altura da tarefa? Às vezes, fazer a pergunta é dar a resposta.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
OldVic1
MODERADOR: "Como sair do atoleiro? É um dos mais aflitivos
mistérios.": o atoleiro acaba quando a maioria do povo português se tornar
intolerante a estas coisas, sejam elas pequenas ou grandes, porque as pequenas
fazem o chão onde se apoiam as grandes. Até agora não foi o que aconteceu. Se
tivesse que apostar, tendo em conta a nossa história, diria que nunca
acontecerá. 09.03.2020
Manuel
Pessoa INICIANTE: Considero errado apontar todos estes
problemas, nomeadamente aqueles que a Justiça vive e enfrenta, sem analisar com
maior profundidade se eles decorrem ou não do ambiente social em que nos
deixámos cair. Sabemos que o inventário de problemas de AB só pecará por
defeito. Então, concluo, é porque há um caldo de cultura que proporciona este
caos. A aceitação, ou não reprovação clara e explícita, de atitudes
fundamentadas na ganância por dinheiro e benefícios individuais haveria de,
mais tarde ou mais cedo, atingir e toldar a sensatez que requeremos para o
pessoal da Justiça. Será que nós (a sociedade) estamos a criar condições para
que o caos não possa instalar-se na vida colectiva? E, se não estamos, com que
legitimidade nos queixamos?
09.03.2020
Coletivo
Criatura INFLUENTE: Há uma afirmação de que sempre duvidei:
deve-se pagar bem aos juízes para serem bons profissionais e não corruptos!
Ora, se ganham 7 mil euros, logo querem ganhar 200 mil numa consultoria; se
ganham estes 200 mil, abrem uma empresa para ganhar uns milhões por ano, etc.,
etc., etc. A honestidade e empenho não se compra ao dar-se para as mãos milhões
de euros. Devem ganhar bem? Sim devem! Mas devem ganhar muito bem, dentro
dos parâmetros deste país com salários de miséria. Quanto mais dinheiro e mais
luxos, mais insaciáveis são as pessoas! E quantos mais luxos e distantes nos
honorários, em relação aos restantes portugueses, mais se julgam impolutos e
fora dos critérios de avaliação da restante sociedade! É o que estamos a
assistir! 09.03.2020
Francis
INICIANTE: Inevitavelmente o cidadão quando vê os titulares de cargos
judiciais a serem aumentados de forma significativa, apesar das limitações
financeiras do Estado, e do estado calamitoso do sector, dos mais improdutivos
do país, só pode tirar uma conclusão - estão a ser pagos favores- …08.03.2020
Fowler Fowler
INICIANTE: Este órfão do VPV, alinhado com Ventura na procura e exploração
de furúnculos e pontos negros do regime democrático, confunde dolosamente a
árvore com a floresta, passando, mais uma vez, um atestado imisericordioso à
Justiça de portuguesa, esquecendo que as falhas humanas dos seus agentes
denunciadas pela imprensa livre servem sempre de oportunidade para afinar e
melhorar a qualidade dos recursos humanos do sistema judicial, reprimindo
dentro da hierarquia dos tribunais qualquer violação da legalidade democrática.
Mas percebe-se a intenção deste justiceiro: o Processo Marquês está na fase
(final) de instrução e espera que o juiz esteja à altura de meter "a malta
fandanga" na cadeia. Estado de Direito democrático não faz parte do
vocabulário retórico deste justiceiro com óculos de osso. 08.03.2020
Armando Mendonça.203695 INICIANTE:
não sei se está à altura... apesar de ser notória a
"rebaldaria" que grassa no sistema judicial há anos; apesar da
protecção corporativista; apesar das sentenças obnóxias; apesar dos dislates
meramente destinados a protelar a efectiva aplicação imparcial da justiça, sem
que os processos "escorregassem" inexoravelmente para a sua
caducidade irremediável; apesar de ainda há poucos meses / anos toda esta
gente, agora em investigação, parecer impoluta e merecedora de toda a
insuspeição: os que ficam são os sãos, os idóneos, os incorruptíveis? não sei
se são, mas cá estaremos para ver, porque tenho muitas dúvidas.
08.03.2020
Ceratioidei
EXPERIENTE : Acredito que a Justiça está à altura. É muito difícil combater
maus hábitos, mas não é impossível. O que se está a passar é a Justiça a
funcionar. É feio? Muito mais feio seria se nada acontecesse. Finalmente, digo
eu. Todos temos problemas e desafios, a questão é- sempre - como se resolvem.
Confio no Senhor Doutor Piçarra e na sua equipa. Força! Vale a pena.
08.03.2020
Nuno Silva EXPERIENTE:
A verdade, verdadinha, é que nem o Cavaco do BPN, nem o
Marcelo da TVI, deram conta do recado nesta questão dos juízes superiores
corruptos e "empreendedores". Mas é para estas, e outras de gravidade
tal, que elegemos um Presidente... 08.03.2020
JLourenço
INICIANTE: Está mais do que na altura de se fazer a eternamente adiada
reforma da justiça, do endurecimento penal da corrupção, de uma verdadeira
dotação de meios para quem investiga, etc. Ou isto começa a serfeito ou a
democracia vai ser engolida pelos populismos e extremismos. 08.03.2020
AA...Para
a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade EXPERIENTE: Os agentes da justiça são, neste momento, o problema e não a
solução. Os srs juízes andavam muito incomodados com os tribunais a cair de
podres. Bastou este governo lançar-lhes uns milhares de euros nas suas
remunerações e nunca mais piaram. Agora descobre-se que coçam as costas e
protegem-se uns aos outros, vendem sentenças e manipulam sorteios para
favorecerem os amigos. A juntar a isto tudo temos uma ordem de advogados a
assobiar para o lado e cúmplice em situações kafkianas de que muitos cidadãos
são vítimas. Isto está sem remédio. É o país que temos. 08.03.2020
cisteina EXPERIENTE: É medonho o que se tem passado, constatamo-lo todos os dias, sem
que saiam sentenças condenatórias, defensores (advogados) e fazedores da
justiça (magistrados e outros), perante tal lamaçal no pântano, juntam-se para
que nada aconteça, protegem-se uns aos outros: na política, na banca, no futebol,
na justiça, por aí fora, os maiores poderes, alimentam-se centenas de tubarões
à custa do Zé povinho e do país que vai minguando e definhando. Ninguém ajuda,
pior e mais nefasto ainda, o nosso PR vestiu há muito a bata branca do
anestesista, maneiras suaves e paninhos de lã, continua a pôr e a deixar-nos
dormir, falta-nos o cidadão que, sabedor, competente e com mão firme, abra,
observe, corte fundo e cosa para que tudo fique limpo.
08.03.2020
José
Carvalho INFLUENTE: Não, não somos todos iguais, acontece é
que as pessoas realmente decentes são uma minoria. É triste dizer isto, eu sei,
mas.. . Mas não podemos desistir, apesar do descalabro que se aproxima.
08.03.2020
rafael.guerra
EXPERIENTE: Miterrand já tinha avisado os seus ministros: "Cuidado com
os juízes, eles mataram a monarquia, eles matarão a República". O estado
de direito não é o estado do direito, nem é a democracia. Somente o poder
político é eleito pelo povo. 08.03.2020
Pedotec INICIANTE:
Fico bastante contente pelo facto de, finalmente,
alguma atenção se estar a virar para a área da justiça. Sempre exercida de
forma completamente desligada da realidade e das necessidades sentidas pele
sociedade em geral. Autismo, pompa e, visivelmente agora, corrupção grosseira,
impregnam advogados e magistrados. Em 20111 fiz queixa de uma advogada para a
Ordem dos Advogados. 1 ano depois fui notificado que tinha sido aberto processo
disciplinar. Agora fui informado que o processo foi arquivado por ter prescrito.
Um texto de 4 paginas, em "legalês" típico, invocando vários artigos
da Lei, num estilo gongórico, afirma em resumo que o processo só andou em 2019
e que verificaram que tinha prescrito 3 anos antes. Nem uma palavra sobre ter
estado a apodrecer 7 anos. Esta gente não é como nós! 08.03.2020
Essa gente vive acima de nós. Faz ameaças gratuitas se não obtiver
os aumentos, têm privilégios de países ultra ricos, auferem salários iguais aos
praticados na Escandinávia, férias a rodos, subsídio de habitação em perto de
€800, ... Enfim, um total desequilíbrio com a realidade portuguesa. Uma afronta
para os cidadãos que, supostamente, defendem. Uma casta, portanto. 08.03.2020
Macuti
EXPERIENTE: Aconteceu o mesmo comigo. Fiz uma participação à Ordem dos
advogados, contra um advogado ( ilustre colega!) que me patrocinava e acabou a
defender a parte contrária: o argumento utilizado pela Ordem para defender o
seu associado foi o da prescrição. Fazer uma participação a esta Ordem é perder
tempo! Acontece o mesmo com os agentes de execução. ( CAAJ). 08.03.2020
ana
cristina MODERADOR: A quem interessa um aparelho judicial
limpo, forte, eficaz? Certamente não ao poder político... sim, toda esta realidade
é aterradora. A solução tem de começar por partidos focados no interesse
público, focados na melhoria da vida dos portugueses. O que acontece é que os
melhores se afastam desse lamaçal mafioso em que se tornou cada partido. Como
António Barreto fez. 08.03.2020
Jose MODERADOR: Cara
ana cristina Faço uma análise diferente da sua, da de AB e da de JonasAlmeida.
Na minha análise entra o tempo de poderes de legitimidade revolucionária entre
25 de abril de 74 e 2 de abril de 76. Nesse período iniciou-se a
"revolução democrática e nacional" como estava escrito no programa do
PCP. Essa revolução democrática e nacional consistia em fazer chegar democratas
a todos os postos de poder do Estado Novo de Salazar transformando-o no Estado
Democrático. Esse processo foi muito rapidamente interrompido, antes de chegar
à Justiça e à maior parte dos topos das hierarquias do Estado Novo. A opção foi
a coligação reaccionária: PS,PPD,CDS,ELP,MDLP,Conego Melo, outros Bispos e rede
bombista contra o movimento popular e militar para preservar o Estado Novo
agora a mostrar o que é. 08.03.2020
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