Dirigi uma Exposição ao “Senhor Ministro da Educação e Investigação
Científica” com a mesma coragem com que Cristina Ferreira relata a sua
experiência docente actual, como várias outras vozes se têm manifestado ao
longo dos tempos, algumas delas tendo-as eu transcrito e comentado no meu blog,
igualmente sérias e batalhadoras por um percurso diferente e por um país mais
nobre. Inúteis tentativas. Cada vez mais o ensino se tem pervertido, como é
notório, embora, nas escolas onde leccionei por cá, tenha conseguido
posteriormente dar as aulas que pretendi, acompanhada de bons manuais escolares
e de uma força temperamental que nunca receei manifestar. Dizem-me, contudo,
que hoje o ensino está cada vez mais pervertido, naturalmente fruto de
políticas desinteressadas de criar cidadãos autênticos, porque apenas lhes
convém criar bestialidades próprias de rebanho dependente e manipulável para
efeitos eleitorais seguros, em massificação educacional, as capacidades reais
dos cidadãos tornando-se muitas vezes incomodativas para as pretensões dos
governantes. Mas os comentadores dirão melhor do que eu - já a caminho do ponto
de encontro com a eutanásia propícia à libertação de pesos sociais - das suas
razões de apoio a Cristina
Ferreira,
razões que são por demais evidentes, embora se encontre ainda entre esses
comentadores, um ou outro defensor da anarquia.
Um dia na vida de um professor
É impossível seguir o programa. Todas as
aulas são interrompidas para impor ordem, separar alunos que se envolvem em
lutas, consolar as vítimas de agressões, dar atenção aos que se sentem perdidos
ali
CRISTINA MIRANDA OBSERVADOR, 01 mar 2020
Como
já o disse, não estava previsto voltar ao ensino. Depois da minha saída em 1994
— por já naquele tempo achar que esta profissão em que se anda de mochila às
costas não oferecia estabilidade suficiente para poder organizar a minha vida –
nunca mais tive sequer vontade de retomar a carreira. A cada ano, as notícias sobre
professores só me davam razão. Porém, acabei por aceitar substituir uma colega
que saíra e não havia docente para suprir a vaga. Já lá vão 3 meses e ainda
estou estupefacta com o estado a que chegaram as escolas públicas. É preciso estar dentro do problema
para entender o problema. Ninguém de fora, por muito que tente, consegue sequer
vislumbrar o real estado da educação pública em Portugal. Ninguém. Mesmo
contado, fica muito aquém. Mas vou tentar.
As
escolas públicas parecem manicómios. Não, não estou a ironizar. As crianças têm
mesmo imensos problemas de toda a ordem. E profundos. É perturbador. Numa sala
de aula, mesmo na presença do professor, temos meninos que berram em vez de
falar; que correm e saltam por cima das mesas; que choram por tudo e por nada;
que atacam outros colegas com agressividade; que fazem bullying umas às outras;
que têm necessidades já diagnosticadas de acompanhamento especial. Como é que
se pode ensinar com qualidade os meninos que chegam assim e estão todos
reunidos numa turma?
É muito fácil culpar os professores quando
não se sabe com que batalhas se confrontam todos os dias. É dos desafios mais
difíceis que já vi. E só agora percebo por que razão os meninos vêm da primária
a saber pouco: é impossível ensinar nestas condições. Impossível.
Numa
turma, enquanto estavam a fazer um trabalho de grupo, uma menina, a líder da
turma, começa de repente um jogo: “quem gosta do professor levanta o braço!”.
Toda a turma levanta o braço. “Quem quer que o professor nunca saia desta
escola levanta o braço”. Todos levantaram o braço. “Quem não gosta do “H”
levanta o braço”. Todos, excepto um, levantam o braço. “Quem quer que o “H”
saia desta escola para sempre, levanta o braço”. Todos, menos um, levantaram o
braço. Interrompi abruptamente a “brincadeira”, ainda tonta com o que acabara
de ouvir. Escusado será dizer que a partir dali a aula foi de psicologia, com a
advertência e a proibição absoluta destes comportamentos nas minhas aulas.
Bullying em plena sala de aula sem constrangimentos? Está tudo doido? Como é
possível, em meninos de 11 anos?
Numa
aula do 1º ano explicava uma actividade que íamos desenvolver e, enquanto
formávamos um círculo, dou conta que um menino e uma menina estavam de boca
aberta e a tocarem-se com a língua, mesmo à minha frente. Quando os questionei
sobre o que era aquilo, não responderam. Minutos depois voltaram ao mesmo e de
novo tive de os separar. Estamos a falar de meninos com 6-7 anos. Noutra
ocasião, por um motivo fútil, começou uma batalha campal com um teor de agressividade
que não se consegue imaginar em tão tenra idade. Uma violência tal, com
expressões de fúria, que me obrigaram a separar os agressores exigindo um
pedido imediato de desculpas, para passados poucos minutos voltarem ao mesmo.
Ontem as meninas divertiam-se com gritos estridentes e contínuos, de tal ordem
que a funcionária (a única àquela hora) ao ver-me chegar disse num tom de
desespero e cansaço: “isto hoje não se aguenta”.
É notório que os problemas vêm de
casa. Sem qualquer sombra de dúvida. São meninos cuja maioria não sabe ter
limites, não sabe respeitar colegas, não sabe obedecer, não sabe falar com
educação, não sabe estar, não aceita ser contrariado e não sabe ouvir. Na
origem disto, uma falha colossal de transmissão de valores, de afectos e de
atenção.
Tenho
a certeza de que, se os pais pudessem ver, através dos meus olhos, o que se
passa dentro das salas de aula, mudariam completamente a educação em casa. Perceberiam
que o problema geracional foi provocado pelas famílias e não nas escolas, e fariam
“mea culpa”. Sem essa percepção, teremos futuros adultos cada vez piores. Porque
as psicologias modernas ensinaram a anular a autoridade dos pais e dos
professores, com pedagogias que transformam os seres humanos em pequenos
ditadores. Tão simples quanto isto.
Muitos dirão que é ao professor que
cabe impor respeito na sala de aula. Sim, é verdade, mas… quem se atreve a ser
mais duro com estas “pobres criaturas”, para depois ser sovado pelos pais dos
meninos reprimidos? Que professor se atreve a usar da sua autoridade, para
depois ser literalmente abandonado pela Direcção da escola e até pelo próprio
Ministério da Educação se houver algum problema? Ninguém.
Por
isso, quando chego vejo rostos envelhecidos e sem alegria, como de quem vai
cumprir pena, a deambularem pela escola. Dizem que são docentes. A mim
parecem-me penitenciários.
Já
pensei desistir e dei por mim a perguntar-me tantas vezes o que estava ali a
fazer. É impossível seguir o programa. Todas as aulas são interrompidas mais de
uma vez para impor ordem, separar alunos que se envolvem em lutas, consolar
outros que foram vítimas de agressões, dar atenção a outros que se sentem
perdidos ali. Mas como não sou de desistir dos desafios, assumi uma missão
diferente: mudar estas crianças até ao final do ano, tornando-as melhores seres
humanos. Será que consigo? Vamos ver.
COMENTÁRIOS:
Paulo Lopes: Parabéns pelo artigo. Infelizmente é a pura verdade. Não há regras nem limites em casa. Muita coisa tem de mudar.
Paulo Lopes: Parabéns pelo artigo. Infelizmente é a pura verdade. Não há regras nem limites em casa. Muita coisa tem de mudar.
Carminda Damiao: Deve ser muito difícil ser professor hoje em dia. Isto é o resultado das
novas directrizes da educação, em que as crianças têm todos os direitos e não
podem ser punidos.
Zacarias Bidon: A situação real é bem pior do que Cristina Miranda relata. Esqueceu-se
de falar das drogas, da hipersexualização, do semi-analfabetismo geral, da
linguagem desestruturada, da música sintética omnipresente, da estética
vestimentária que se resume ao exibicionismo das marcas, dos telemóveis que
tudo filmam, etc.
Vítor Silva: Não haverá no país inteiro um professor com capacidade realista que mudasse
uma vírgula a este texto.
MC Silva: É isto que o povo que vota ps quer. O caos!
Ana Ferreira: Este é o brilhante resultado do marxismo cultural e da abrilada rebaldeira.
Miguel Bergano: Quando os direitos não têm obrigações a contrabalançá-los...
Liberal Impenitente: Boa sorte Cristina! (vai precisar)
Ana Ferreira: Não é que não tivesse, mas depois de ler isto cresce a minha admiração
pelos professores anónimos que, sem queixumes, com a resiliência que só um
espírito de missão dá, cumprem o seu dever nestes difíceis tempos de mudança de
paradigmas e quase ausência de valores!
88dabulota: Ao ler o artigo desta senhora professora, dei comigo a pensar no meu
passado já longe. Tudo o que se semeia tem o seu produto de retorno, umas vezes
muito bom ou menos. O 25abr74 que a esquerdo revolucionária nos impôs foi como
uma sementeira de nada fazer e tudo destruir e o resultado é o que temos
visto nos últimos 45 anos . Isto, o resultado da sementeira dos abrilinos.
Victor Guerra: Que verdades inconvenientes! Mas, os donos do Estado estão-se nas tintas
António Coimbra: Acredito que até seja pior do que relata! Acho
que tem uma falha no seu relato, que é a do estado das coisas e da responsabilidade
de quem deixou chegar o país a esta anarquia. Os
pais podem ter muita responsabilidade mas a responsabilidade máxima é do poder
politico dos últimos 46 anos e dos políticos que foram destruindo a autoridade
do estado em proveito próprio, sendo hoje, e cada vez mais, o pais que os
romanos deixaram com um povo que não se governa, nem se sabe governar...
Ana Ferreira: Meu deus, é a anarquia, é o caos! Não tarda o sangue correrá nas ruas como
a água nos ribeiros! Felizmente são muitos os professores que enfrentam com
coragem e espírito de missão, estes dias de mudança de paradigmas que todos
afectando tanto exige a quem ensina!
Pedro Ferreira: Cristina, deixe-se estar para nos relatar o seu dia-a-dia, é tenebroso.
José Paulo C Castro: E já nem estava lá o Diogo Faro que, entretanto, conclui os seus estudos
numa escola deste tempo.
José B.Dias: Serei só eu que nada mais vejo senão um título e uma introdução?
José Santos: Bem pior do que retrata. Pelo menos o meu filho, diz que só nas explicações
consegue aprender alguma coisa. A sala de aulas é um caos. Só ao nível da
assembleia da república.
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