Mas esta de o chapéu-panamá ser
fabricado no Equador, e o nome
“El Fino”, de trama fechada, se ter vulgarizado em
“Panamá” por efeitos de uso por Roosevelt naquelas paragens e alturas da abertura
do tal canal, é facto que, prestigiando o dito chapéu, deve ter dado engulhos
aos seus criadores “equatorianos”, vendo o seu “El Fino” sacrificado às
contingências históricas do estardalhaço mundanal. O certo é que a crónica
“variegada” em informação – também da comezinha, do nosso agrado - de Salles da Fonseca, me
despertou curiosidade sobre o dito chapéu que nada tem a ver com o barrete do
nosso frequente enfianço luso, mais dependente das nossas próprias tramas mais
ou menos institucionalizadas. E fui consultar a Internet das fofocas dos ilustres ou mesmo dos mais
hierarquicamente desfavorecidos:
«Muitas
personalidades aderiram à moda do chapéu-panamá, como Winston
Churchill, Kemal Atatürk, Harry Truman,
Getúlio Vargas e Tom Jobim.
Um dos pioneiros foi Santos Dumont, que já usava o seu em 1906. A moda também se popularizou
entre as estrelas de Hollywood, e galãs como Humphrey
Bogart, Clark Gable e Michael
Jackson usaram chapéus-panamá. É um dos símbolos da Malandragem
no Rio de Janeiro.»
Mas retomemos a viagem do Dr. Salles,
feita antes do encerramento coronal, para nosso gáudio durante o dito.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A
BEM DA NAÇÃO, 23.03.20
Dia
de embarque no «Monarch» até às 6 da tarde para zarparmos pelas 7.
Do
nosso programa de viagem fazia parte meio-dia de descanso antes de embarcarmos
para que a vida a bordo decorresse com total adaptação ao fuso horário de menos
5 horas que em Lisboa. A visita ao Canal e a Portobello
era programa de dia inteiro,
não podia ser encaixado depois da adaptação horária. Há quem
se adapte aos fusos a dormir e há quem apenas se sente a «passar pelas brasas»
e «a pensar na morte da bezerra». Habitualmente, opto por esta segunda
modalidade.
Reduzida
a força do ar condicionado para não parecer que estávamos no Alaska ou na Terra
do Fogo[i],
dediquei-me a pensar onde comprar um chapéu panamá para substituir os que
tenho e já estão a precisar de reforma. No hotel não havia uma loja que
vendesse chapéus para carecas nem pilosos e no resto da cidade não nos demos ao
trabalho de procurar. Até porque o chapéu panamá é feito no Equador
e não no Panamá. Como assim? Pois é assim mesmo! O
dito chapéu é feito de uma palha que
cresce no Equador e é tecida em trama fechada. O nome do chapéu na origem é El Fino,
naturalmente, não invoca o país estrangeiro. O nome internacional do chapéu resulta de
o Presidente americano Theodore Roosevelt ter usado um desses chapéus quando
em 1906 visitou as obras do Canal do Panamá e, daí, a
associação de ideias.
Muito esquece quem não sabe.
Passado
suficientemente pelas brasas, transferi-me para o tema da fatalidade da bezerra
que, na altura, foi a questão de na América Latina os castelhanófonos não se
tutuiarem à maneira espanhola e se vocêzarem. Pois é, não se tratam por
«tu» mas sim por «Você». E fiquei a pensar até que me dissessem serem horas de
me arranjar para irmos embora do hotel e embarcarmos. E, então,
conclui que…
…
o Rei de Espanha trata por «tu» todos os seus súbditos e estes – apesar de
Filipe II ter decretado que todo o espanhol é nobre com direito a «Dom» e
«Dona» - sentem-se em igualdade na submissão e tutuiam-se mutuamente. Trata-se da assunção duma condição que gera
solidariedade ao estilo castrense de «todos somos carne para o canhão real» ou,
pior, uma servus coniunctionis[ii]. Então,
donde vem a famosa jovialidade e euforia típicas dos espanhóis? Nuns casos,
digo eu, virá da condição genética, noutros casos da ignorância e noutros ainda
do «apesar de…».
Na
América Latina de expressão castelhana, aos
conquistadores seguiram-se os bolivarianos e, daí, uma solidariedade
libertária, republicana, de cidadãos e não mais de súbditos. Talvez que alguma influência da trilogia
revolucionária da «liberdade, igualdade, fraternidade» que, treslida, gerou a
liberdade de, em igualdade, explorarem as oportunidades. Ou seja, o império da
corrupção, do desmando e da brutalidade. Mas as aparências são para manter e
todos são Señores, todos se tratam por Usted.
Triste
sorte a de quem por ali nasce sério.
-
Henrique! Acorde que são horas de nos arranjarmos e irmos para o barco!
Embarcámos
pelas 4,30 da tarde, instalámo-nos e zarpámos pelas 7 rumo a Cartagena
de las Índias, Colômbia, onde aportaríamos pela manhãzinha seguinte.
Noite
com algum balancé mas nada de preocupante. O «Movarch» tem praticamente 74 mil
toneladas, não é propriamente um cacilheiro.
(continua)
Março
de 2020
Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Francisco G. de Amorim, 23.03.2020: Cartagena de Las Indias, o maior
supermercado do mundo da escravatura! Mas a cidade antiga é muito interessante.
Adriano Miranda Lima, 23.03.2020: Mais
um relato recheado do maior interesse e com os ingredientes habituais de
conteúdo informativo, por vezes até de pormenores inesperados mas
esclarecedores e conclusivos sobre questões importantes, e de humor
descontraído e divertido. O autor não antecipa a informação sobre o roteiro
e calculo que seja forma de manter o suspense entre os leitores. Mas como disse
em post anterior que tudo começou a 3 de Março e que a viagem era de 10 dias,
penso que já está confinado às paredes do domicílio, tal como me encontro. Foi
quase por um triz, tivesse a viagem sido programada para uma semana mais tarde,
ela teria certamente sido cancelada. O meu obrigado ao Dr. Salles pelo prazer e
divertimento que me concede com as suas crónicas de viagem. É que as torna
autênticas aulas de Geografia, História, Sociologia e Ciências Políticas. Um
resto de boa tarde e... continuemos, resignados, no nosso confinamento imposto
(mas necessário) aos nossos domicílios, onde estamos mais resguardados e
seguros de contaminação do maldito Coronavírus.
Anónimo, 23.03.2020: Oi Henrique,
alerto para o tratamento de "vos " na Argentina que substitui
tanto o tu como o usted, entre não íntimos sendo o tu para pessoas da mesma
idade e íntimos. Para complicar suponho que o tratamento se altere segundo
a classe social e o bairro onde se vive!! Se esticarmos a análise por toda a
América Latina ...No Brasil dizem tu mas o verbo é conjugado na 3a pessoa!!
Aproveita enquanto a covid 19 não te apanha! Sugiro que continues pela rota do
Fernando de Magalhães, assim vais à frente do bicho!! ABÇ V v Z
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