terça-feira, 24 de março de 2020

Chapéus há muitos



Mas esta de o chapéu-panamá ser fabricado no Equador, e o nomeEl Fino”, de trama fechada, se ter vulgarizado em “Panamá” por efeitos de uso por Roosevelt naquelas paragens e alturas da abertura do tal canal, é facto que, prestigiando o dito chapéu, deve ter dado engulhos aos seus criadores “equatorianos”, vendo o seu “El Fino” sacrificado às contingências históricas do estardalhaço mundanal. O certo é que a crónica “variegada” em informação – também da comezinha, do nosso agrado - de Salles da Fonseca, me despertou curiosidade sobre o dito chapéu que nada tem a ver com o barrete do nosso frequente enfianço luso, mais dependente das nossas próprias tramas mais ou menos institucionalizadas. E fui consultar a Internet das fofocas dos ilustres ou mesmo dos mais hierarquicamente desfavorecidos:
«Muitas personalidades aderiram à moda do chapéu-panamá, como Winston Churchill, Kemal Atatürk, Harry Truman, Getúlio Vargas e Tom Jobim. Um dos pioneiros foi Santos Dumont, que já usava o seu em 1906. A moda também se popularizou entre as estrelas de Hollywood, e galãs como Humphrey Bogart, Clark Gable e Michael Jackson usaram chapéus-panamá. É um dos símbolos da Malandragem no Rio de Janeiro.»
Mas retomemos a viagem do Dr. Salles, feita antes do encerramento coronal, para nosso gáudio durante o dito.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 23.03.20
Dia de embarque no «Monarch» até às 6 da tarde para zarparmos pelas 7.
Do nosso programa de viagem fazia parte meio-dia de descanso antes de embarcarmos para que a vida a bordo decorresse com total adaptação ao fuso horário de menos 5 horas que em Lisboa. A visita ao Canal e a Portobello era programa de dia inteiro, não podia ser encaixado depois da adaptação horária. Há quem se adapte aos fusos a dormir e há quem apenas se sente a «passar pelas brasas» e «a pensar na morte da bezerra». Habitualmente, opto por esta segunda modalidade.
Reduzida a força do ar condicionado para não parecer que estávamos no Alaska ou na Terra do Fogo[i], dediquei-me a pensar onde comprar um chapéu panamá para substituir os que tenho e já estão a precisar de reforma. No hotel não havia uma loja que vendesse chapéus para carecas nem pilosos e no resto da cidade não nos demos ao trabalho de procurar. Até porque o chapéu panamá é feito no Equador e não no Panamá. Como assim? Pois é assim mesmo! O dito chapéu é feito de uma palha que cresce no Equador e é tecida em trama fechada. O nome do chapéu na origem é El Fino, naturalmente, não invoca o país estrangeiro. O nome internacional do chapéu resulta de o Presidente americano Theodore Roosevelt ter usado um desses chapéus quando em 1906 visitou as obras do Canal do Panamá e, daí, a associação de ideias.
Muito esquece quem não sabe.
Passado suficientemente pelas brasas, transferi-me para o tema da fatalidade da bezerra que, na altura, foi a questão de na América Latina os castelhanófonos não se tutuiarem à maneira espanhola e se vocêzarem. Pois é, não se tratam por «tu» mas sim por «Você». E fiquei a pensar até que me dissessem serem horas de me arranjar para irmos embora do hotel e embarcarmos. E, então, conclui que…
… o Rei de Espanha trata por «tu» todos os seus súbditos e estes – apesar de Filipe II ter decretado que todo o espanhol é nobre com direito a «Dom» e «Dona» - sentem-se em igualdade na submissão e tutuiam-se mutuamente. Trata-se da assunção duma condição que gera solidariedade ao estilo castrense de «todos somos carne para o canhão real» ou, pior, uma servus coniunctionis[ii]. Então, donde vem a famosa jovialidade e euforia típicas dos espanhóis? Nuns casos, digo eu, virá da condição genética, noutros casos da ignorância e noutros ainda do «apesar de…».
Na América Latina de expressão castelhana, aos conquistadores seguiram-se os bolivarianos e, daí, uma solidariedade libertária, republicana, de cidadãos e não mais de súbditos. Talvez que alguma influência da trilogia revolucionária da «liberdade, igualdade, fraternidade» que, treslida, gerou a liberdade de, em igualdade, explorarem as oportunidades. Ou seja, o império da corrupção, do desmando e da brutalidade. Mas as aparências são para manter e todos são Señores, todos se tratam por Usted.
Triste sorte a de quem por ali nasce sério.
- Henrique! Acorde que são horas de nos arranjarmos e irmos para o barco!
Embarcámos pelas 4,30 da tarde, instalámo-nos e zarpámos pelas 7 rumo a Cartagena de las Índias, Colômbia, onde aportaríamos pela manhãzinha seguinte.
Noite com algum balancé mas nada de preocupante. O «Movarch» tem praticamente 74 mil toneladas, não é propriamente um cacilheiro.
(continua)
Março de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Onde tivemos que fechar o aquecimento e abrir um pouco a janela sobranceira ao Canal Beagle
[ii] - Solidariedade servil

COMENTÁRIOS
Francisco G. de Amorim, 23.03.2020: Cartagena de Las Indias, o maior supermercado do mundo da escravatura! Mas a cidade antiga é muito interessante.
Adriano Miranda Lima, 23.03.2020: Mais um relato recheado do maior interesse e com os ingredientes habituais de conteúdo informativo, por vezes até de pormenores inesperados mas esclarecedores e conclusivos sobre questões importantes, e de humor descontraído e divertido. O autor não antecipa a informação sobre o roteiro e calculo que seja forma de manter o suspense entre os leitores. Mas como disse em post anterior que tudo começou a 3 de Março e que a viagem era de 10 dias, penso que já está confinado às paredes do domicílio, tal como me encontro. Foi quase por um triz, tivesse a viagem sido programada para uma semana mais tarde, ela teria certamente sido cancelada. O meu obrigado ao Dr. Salles pelo prazer e divertimento que me concede com as suas crónicas de viagem. É que as torna autênticas aulas de Geografia, História, Sociologia e Ciências Políticas. Um resto de boa tarde e... continuemos, resignados, no nosso confinamento imposto (mas necessário) aos nossos domicílios, onde estamos mais resguardados e seguros de contaminação do maldito Coronavírus.
Anónimo, 23.03.2020: Oi Henrique, alerto para o tratamento de "vos " na Argentina que substitui tanto o tu como o usted, entre não íntimos sendo o tu para pessoas da mesma idade e íntimos. Para complicar suponho que o tratamento se altere segundo a classe social e o bairro onde se vive!! Se esticarmos a análise por toda a América Latina ...No Brasil dizem tu mas o verbo é conjugado na 3a pessoa!! Aproveita enquanto a covid 19 não te apanha! Sugiro que continues pela rota do Fernando de Magalhães, assim vais à frente do bicho!! ABÇ V v Z


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