quarta-feira, 4 de março de 2020

Um requiem comovido



Um requiem comovente. Sem a conhecer pessoalmente, fixei, nos carros onde a captavam as lentes dos fotógrafos, esse sorriso bondoso e etéreo que nos é descrito por Paula Teixeira da Cruz, sorriso que nunca pretendeu ultrapassar os vidros do carro que a conduzia, talvez por doença, talvez por indiferença pelas vãs glórias do mundo. Oxalá que longe continue a proteger o seu marido, figura especial de um tempo político especial, feito de verdade e não de astúcia. Obrigada a Paula Teixeira da Cruz por tão bonito retrato de uma tão bonita mulher, a lembrar aquela outra Laura que Petrarca imortalizou, em tema que Camões retomou no seu “Alma minha”. O retrato “A Laura” feito por Paula Teixeira de Cruz tem uma extraordinária força anímica que causa admiração e saudade.
OPINIÃO
A Laura
Por tudo o que nos deste, em particular nos momentos mais difíceis, obrigada, Laura. Continuaremos a ver o teu sorriso nas estrelas do céu e no mais pequeno grão de areia.
PAULA TEIXEIRA DA CRUZ
PÚBLICO; 4 de Março de 2020
Há seres humanos que só por existirem nos fazem bem e nos inspiram confiança na Humanidade, constituindo um contraponto à maldade, à inveja, ao deslumbramento, à indiferença, que predominam na nossa sociedade.
1.Conheci Laura Ferreira há muitos anos, num casamento. Confesso que a sua simplicidade e o seu sorriso eram espantosos, em anos em que o exibir era tudo, coisa que ainda não passou.
Mas Laura e Pedro eram muito especiais.
Vim a reencontrá-la noutras ocasiões e, sobretudo, em dias de Política difícil e sofrida. Foram anos de chumbo, de sacrifício e de dificuldades de toda a espécie.
Enquanto Pedro foi primeiro-ministro, Laura não mudou um milímetro, pese a relevância e projecção das funções exercidas por seu marido. Laura mantinha a sua simplicidade. Haverá algo mais difícil do que a simplicidade, sobretudo num país de “pavões”?
Ambos eram autênticos na sua forma de ser e de estar e nada sensíveis às vãs glórias do Mundo. Levavam a vida que sempre levaram.
2. Passei a referir-me a Laura por: “Bom Dia Alegria”. Não dizia olá Laura, dizia exactamente “Bom Dia Alegria”, mesmo entre amigos comuns, quando a ela me referia.
A verdade é que, mesmo já doente, havia sempre um riso – aquele riso que era só e só dela.
Por muitas que fossem as dificuldades, nunca a vi de outra forma que não a iluminar qualquer local onde estivesse.
3. Bom Dia Alegria​” era um pilar e uma força que se estendia ao que lhe fosse possível fazer e a todos a quem pudesse ajudar: das questões mais complicadas às mais simples. Laura gostava da vida e fazia com que muitos que a lamentavam suavizassem a sua visão do mundo. Sei bem do que falo.
4. Laura era independente no seu dia-a-dia, recatada na sua profissão, revelando uma filosofia diferente de tantas mulheres de políticos que se lhes colavam (e colam) à pele e que, em função deles e do seu estatuto, ganharam ou tentaram ganhar visibilidade e dela muito usufruíram.
Mas não, isso não era para a nossa “Bom Dia Alegria”.
5. Perdemos um exemplo de resistência, de força e de solidariedade. Perdemos um exemplo de estoicismo alegre e da simplicidade que nos devia guiar, a todos, mas infelizmente, neste Mundo, o “Deus das pequenas coisas” não é lá muito apreciado.
Por tudo o que nos deste, em particular nos momentos mais difíceis, obrigada, Laura.
Continuaremos a ver o teu sorriso nas estrelas do céu e no mais pequeno grão de areia.
Até já, “Bom Dia Alegria”.


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