Omnipresente, omnipotente, omnisciente.
Confesso que é um espectáculo. De tudo ele sabe, de tudo ele opina, sobretudo
das coisas do nosso burgo. Geralmente com bondade, com franqueza destemida, sem
mastigar as questões, omnisciente, voz de bom timbre, face sem ricto, uma
exaltação de entusiasmo mas brandura, jamais azedume nas palavras certeiras,
corajosas, aparentemente sinceras, o oposto do estilo acaciano, mas lembrando o
conselheiro Acácio, colado à pele da nossa presunção empertigada e tosca. E
fico de boca aberta ao escutar a rapidez de um raciocínio que escorre fluente,
sem dúvidas, sem malícias, sem rasteiras. Sem pausas de ponderação, estranha
figura despejando um saber absoluto, aparentemente isento, voz de consciência,
sem precisar dos mapas ou dos esquemas de percentagens ou confrontos de que se
arrima Paulo Portas nas suas ilações
sobre o mundo. Em Marques
Mendes é um escorrer sem pausas, um escoar de marulho.
O grande comunicador /premium
A política para Luís Marques Mendes é o
quê? Pesa quanto? Ah agora, “nada”. O adeus é “definitivo”, garante. Tínhamos
entrado na zona reservada. Finjo que acredito e passo adiante.
MARIA JOÃO AVILLEZ OBSERVADOR, 04
mar 2020
1. As
coisas são muitas vezes mais simples do que parecem: não via ou raramente via Luís
Marques Mendes a analisar a
nossa actualidade. Não me motivava o suficiente, para me sentar a frente do
écran, já me chegara outros comentadores de que não era entusiasta (há
testemunhas sobre a veracidade destas minhas declarações impopulares), a vida
ia bem sem eles.
Depois,
na transferência de Mendes para a SIC tudo se manteve numa espécie de limbo
amolecido pela (minha) suspeita de ser ele um dos arautos do então já
Presidente Rebelo de Sousa. Um dia, porém, li um escrito onde alguém comentava
o comentador Marques Mendes pelo emprego que ele próprio fazia do seu lado
histriónico. Usando-o enfaticamente na sua análise como um factor político
poderoso — de aplauso, de discordância, de reprovação. Achei um bom ponto,
aliado à velocidade e argúcia com que voava sobre temas e palavras: fiquei
curiosa, prestei atenção.
2. Primeira
surpresa, o comentador semanal passara com leveza e sageza a grande
comunicador. É certo que sempre fora comunicativo, interventivo, activo,
lembro-me bem dos tempos da liderança da bancada parlamentar do PSD; de
comícios, intervenções governamentais e — santo Deus – dos nunca esquecidos
congressos partidários desta agremiação e das abrasivas corridas à sua
liderança. O certo porém é que Mendes afinara esse tom e apoiado numa
gestualidade reconvertida politicamente em “factor”, inventara um modelo.
Mas, segunda surpresa, Marques Mendes planava agora na estratosfera do êxito
mediático, era ouvido por mais de um milhão de pessoas e as suas fontes eram
pródigas em jorrar informação, non stop. Como água a correr de uma torneira, só que aqui as
torneiras são muitas, diversificadas e claro, interessadas. Variam conforme os
amores e humores políticos e as cores das estações mas delas sai sempre o
precioso liquido da informação. E nesse sentido — e a comparação não deixa de
ser interessante – enquanto Marcelo se bastava a si mesmo com os riscos
inerentes, Marques Mendes não os corre: procura e ouve. Onde por exemplo Marcelo compunha, Marques Mendes
antecipa. Não consta que antecipe mal ou desacerte muito, a avaliar pela
ausência de desmentidos que (não) se abate sobre os seus domingos televisivos,
(mas posso estar enganada ou ser ainda “fresca” na matéria.) E sobre o actual
Presidente da República, uma achega: “a relação fortíssima de amizade que os
une sobretudo desde 1997 é tão forte que nunca esmoreceu”. Mendes dixit.Como se prepararia então um programa com esta
audiência e influência? Quanto tempo de trabalho custam semanalmente estes
vinte e cinco minutos dominicais? Qual o critério dos temas eleitos? Faltavam-me as respostas, fui buscá-las.
3. Fui buscá-las sabendo porém que haveria “zonas
reservadas” mas essa era a regra não escrita. A zona reservada são as (óbvias)
ambições políticas de comentadores a este nível que — até o mais ingénuo o
alcança — não comentam de borla política. Sócrates, Santana, Marcelo, vieram a
ter o destino que procuravam quando semanalmente se sentavam diante de três
câmaras de televisão com intuitos políticos férreos, negando-os sempre.
Chegaram “lá”. Marques Mendes (ou Paulo Portas por exemplo) não abrem o jogo
enquanto… não fazem senão abri-lo ao autocolocarem-se — pacientemente,
persistentemente, criteriosamente, semanalmente — na agenda política do país. Um
assunto a seguir, naturalmente.
4. Está
sol no restaurante onde nos sentamos. Peixe, água com sumo de limão, um gelado,
cafés. A conversa é menos comedida que o menu. Marques Mendes é já se sabe, um
bom conversador enquanto eu constato para mim que a sua história política
talvez não seja afinal tão bem conhecida quanto isso: começou, aos 17 anos,
em Setembro de 1975, por assessorar o governador civil de Braga, mas se se
acrescentar que ia começar o curso de Direito em Coimbra ou que um ano depois –
sem nunca interromper estudos – era vereador a tempo inteiro e número dois da
Câmara Municipal de Fafe, fica-se com uma ideia do personagem. Indissociável do
efeito de interpelação que podia ter a política sobre a juventude que se
acolhia no PSD nesses tempos de parto difícil, em que a revolução se transmutava em titubeante democracia. O certo é que o efeito se lhe colou a pele e à
forma de vida (uma vocação?): em Novembro de 1985, com vinte e oito, estava já
no primeiro governo de Cavaco Silva. Houve mais governos e mais pastas,
enquanto houve também o parlamento, primeiro como deputado, depois como líder
da bancada do PSD. Foram intensos, os anos do cavaquismo. Dos quais restam hoje
uma “amizade intacta com Cavaco Silva”.
“Digo
sempre meio a brincar que nunca houve rupturas nem fractura nas minhas relações
com Cavaco Silva ou com Marcelo. Ao passo que a relação entre eles os dois… tem
dias!”.
Então
e agora? A política para Luís Marques Mendes é o quê ? Pesa quanto? Ah agora,
“nada”.
O
adeus é “definitivo”. Fechou.se um ciclo, garante. Tínhamos entrado na zona
reservada. Finjo que acredito e passo adiante.
5. Marques
Mendes é talvez o mais feliz espectador de si mesmo.
Não lhe ocorre chegar a casa aos domingos vindo da SIC e andar para trás com o
comando, à procura de se ver: “não gosta” mas “gosta muitissimo” do que faz e é
isso que verdadeiramente o distingue.
Quem o veja a declinar o seu domingo à noite, ouvindo-o dizer com entusiasmo
que “já não lidera apenas nas classes A e B, mas já também nas C e D”,
perceberá esse brio muito bem. Vê-se que o domingo é o eixo da sua semana,
um misto de ocupação profissional, interesse intelectual e paixão política.
“Ah
mas dá-me muito mais trabalho do que se pode imaginar… Trabalho todos os dias
como advogado mas penso no programa, ao longo de toda a semana, estou atento à
actualidade, ao que se passa e se diz. Telefono e telefonam-me. E quando não
sei, procuro saber: pergunto. Ao sábado combino os temas com a SIC e depois passo
o dia a preparar-me.” (Subentendido: os melhores improvisos são
milimetricamente encenados.)
E
com Marcelo também se combinam temas? Recomenda o ex-comentador Marcelo Rebelo
de Sousa, ao actual, Luís Marques Mendes, este tema, aquele recado, aqueloutra
questão?
Não,
claro, que ideia: ”Nem ele me pergunta, nem eu lhe digo. Sei separar as
coisas”.
E
sai um exemplo, não fosse eu estar distraída com os (deliciosos) filetes de
peixe e não me lembrar da temível discordância que opôs estes dois
cavalheiros, Mendes e Marcelo, a propósito da não recondução de Joana Marques
Vidal na Procuradoria Geral da República.
“A
nossa divergência aí foi total e completa!”. (Novo sub-entendido: e tem havido
outras.)
O
que interessa porém é que os três objectivos que se propôs cumprir, ainda
Mendes estava na TVI, cumpriram-se: ser “claro, simples e pedagógico no seu
comentário” e nada melhor do que “a rua” para lhe provar isso mesmo todos os
dias; ser “imparcial”, não se permitindo tempos de antena sobre o que for;
trazer sempre “alguma mais valia”: “Se no final do programa as pessoas ficarem
mais informadas, mais esclarecidas, ou a compreender melhor este ou aquele
problema, eu fico muito feliz, fui capaz de lhes trazer alguma coisa”.
6. Um homem feliz, sem dúvida. Poderoso e feliz,
combinação singular. Do que não estou certa é de quando irá ele começar a
acender luzes vermelhas ou mesmo a confessar vê-las já a brilhar no tablier dos
condutores. Não que o não
faça por vezes mas fiquei a pensar no que me dizia ontem, muito convictamente,
um intelectual, atento observador da vida política, que encontrei por acaso na
rua: “o Presidente necessitaria de mais sentido de Estado, o governo é
fraquíssimo, o parlamento está dominado por uma gritaria histérica; há razões
para estarmos seriamente preocupados” (o intelectual não é do PSD). Aqui
chegados, sobra uma pergunta: como usar bem felicidade e poder?
COMENTÁRIOS:
Paula Barbosa: Marques Mendes
faz-nos reflectir sobre muitos, grandes e pequenos acontecimentos semanais do
País, que geralmente são tratados pela rama , pelos nossos jornalistas, e são
cuidadosamente escamoteados do nosso conhecimento, pelos políticos. Se
concordamos ou não com todas as suas opiniões, isso é irrelevante...
Maria L Gingeira: O que
procuramos em MM é saber o que só ele sabe. Ele é um mensageiro, uma figura
muito usada neste pequeno país em que nada é o que parece.
Victor Guerra: O PP-pequeno
pantomineiro
Manuel Magalhães: Grande frase
que define na perfeição a actual situação política do país, a do tal
intelectual encontrado na rua por acaso: “O presidente necessita de mais
sentido de Estado, o governo é fraquíssimo, o parlamento está dominado por uma
gritaria histérica, temos razões para estar seriamente preocupados”...
Maria Nunes: A opinião de
MM é sempre muito politicamente correcta. Não estuda os assuntos com profundidade,
por isso deixei de ver o seu comentário.
Rui Guimarães: Surpreendente
haver tanta gente interessada na opinião deste personagem. Um Catavento 2.
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