terça-feira, 10 de março de 2020

“O povo é sereno”, diria um desses

Um texto antigo que o Luís pescou no Facebook, ao que parece, encimado pela fotografia de quem o escreveu: Marcelo Caetano. Parece demasiado violento, talvez fruto rancoroso do tempo que viveu, vendo-se expulso do país que governou e amou, na precariedade dos condicionalismos desse governo que prometia alargar em benefícios, mas que os “esforçados” de Abril preferiram chutar dali para fora, para cozinharem os malabarismos que se seguiriam, previstos pelo Primeiro-Ministro deposto:
«Sobre o 25 de Abril, disse Marcelo Caetano, último primeiro ministro do anterior regime deposto pelas armas, no golpe militar de há 40 anos:
Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridículo continuar a falar de independência nacional. Para a nação que estava a caminho de se transformar numa Suíça, o golpe de Abril foi o princípio do fim. Resta o Sol, o Turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crónica e a emigração em massa.”
“Veremos alçados ao poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam a presidentes de câmara, administradores e ministros e até presidentes da República.”»
Apesar do aparente discurso de má querença vingativa, não é único, sabemo-lo bem, Marcelo Caetano, a descrever com rigor sobre os seus confrades, e não resisto a transcrever um outro retrato português, por Fernando Namora, que tenho sublinhado, em “Diálogo em Setembro” (1966):
«Viera como turista (um Americano fixado em Lisboa) e ficara como industrial, ao aperceber-se de que um pouco de fogosidade em gleba mornaça depressa seria remunerada.
Ali arribara, pois, à terra pobretana e espreguiçada, onde os impostos não levavam coiro e cabelo, onde os servidores se bastavam com dez réis e agradeciam um emprego como se agradece uma esmola, onde os dólares se multiplicavam numa chuva de escudos. E onde, logo para começar, os zeladores do erário público faziam vista grossa às falcatruas quando lhes acenavam com uns sobejos. Ali se quedara, pois, refastelado num conceito prático sobre os Portugueses: pelintras, subservientes e ociosos. Tão ociosos que precisavam de não sei quantas horas para almoçar, para delir os fundilhos nos assentos dos cafés; tão pelintras que era bem fácil domesticá-los, só com a ameaça de se ir em busca de outros pelintras mais dóceis ainda; tão subservientes que, ao primeiro assomo de refilice, bastava aturdi-los com os canhões e a manteiga da ubérrima América. Amansava qualquer fornecedor recalcitrante só com a advertência: “Há mais quem precise de gastar dinheiro”.
Eis, portanto, o nosso conquistador cavalgado sobre o dorso de Lisboa….»

Quer em prosa quer em verso – quando não, este, emaranhado nos lirismos piedosos das nossas almas permissivas, - «Pobres de pobres são pobrezinhos,  Almas sem lares, aves sem ninhos.  Passam em bandos, em alcateias  Pelas herdades, pelas aldeias.  E em Novembro, rugem procelas...  Deus nos acuda, nos livre delas.  Vêm por desertos, por estevais,  Mantas ao ombro, grandes bornais,  Como farrapos, coisas sombrias,  Trapos levados nas ventanias ...  Filhos de Cristo, filhos de Adão,  Buscam no mundo côdeas de pão!» (Guerra Junqueiro, “Os Simples”)por vezes castigado com o descritivo duro da realidade absurda:  “«Ah! Os ceguinhos com a cor dos barros,  Ou que a poeira no suor mascarra,  Chegam das feiras a tocar guitarra,  Rolam os olhos como dois escarros » (Cesário Verde, “Em Petiz) – sempre houve quem nos descrevesse com realismo impiedoso de que Eça seria expoente maior.


Premonições de um amante da sua pátria, são essas que o Luís me enviou, a confirmar uma desesperança em que se mergulha hoje por cá, julgo que todos, mesmo os que fazem parte do agrupamento governativo. Cada vez mais sombria, pois, mau grado os dizeres de Pinheiro de Azevedo, da frase que encima este texto, um dos tais que Marcelo Caetano apresentou no seu discurso derrotista... Talvez que um Tino de Rans possa dar continuidade...

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