Ao seu estilo habilidosamente aprumado,
na sequência de argumentos progressivamente amplificados em paralelismos gramaticais
e ideológicos, em processo anafórico, vai AB desenvolvendo
o seu pensamento político e moralizador que lhe merece ora críticas ora loas. Aos
que o criticam de não dizer mais do que evidências, não acho que estas sejam
tão banais assim, e servem sempre para ponderarmos e assumirmos comportamentos
que poderão ser úteis na sociedade que se prepara e que pede, certamente, mais
reflexão, em muitas frentes….
OPINIÃO CORONAVÍRUS
O que sobra e o que resta…
Algumas das coisas que começarem a ser
feitas agora ficarão para sempre. A solidariedade europeia, por exemplo. O que
de bom ou de mau se fizer agora, ficará para depois. A dimensão do Estado,
também.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 29 de Março de 2020
Salvar
milhões de pessoas. Tratar dos
doentes. Lutar contra o contágio. Conter a propagação. Liquidar o vírus.
Impedir o seu regresso. Preparar meios para curar os infectados. Descobrir uma vacina. Fazer tudo isto nas
melhores condições de equidade. Tratar todas as pessoas igualmente, sem
favorecer classes sociais, raça, etnia, religião, origem, idade, sexo, crença
ou partido. Esta é uma prioridade.
A outra
prioridade é tratar do que vem a seguir. Da sociedade que se mantém de pé. Mas também daquela que fica de
rastos. Ocupar-se
das empresas,
do emprego, do Estado, da educação, da
segurança social e da justiça. Da
economia que vai ser
necessário reerguer. Das instituições a que
vai ser preciso
dar vida. Da democracia que vai sair ferida. Dos direitos individuais que vão
ser diminuídos. Da tolerância que vai sair magoada. Da compaixão que vai ser pisada
por muitos. Da informação que vai ser necessário salvar da morte iminente.
Fazer as duas
coisas que parecem ou são contraditórias: este é o grande problema. Fazer com que os cientistas e os técnicos, sem se envolverem em
política, encontrem os remédios e tratem de quem necessita. Mas fazer também
com que os políticos façam as leis necessárias, sem se envolverem em ciência.
Fazer ainda com que os serviços hospitalares e de saúde pública cumpram os seus
deveres sem se envolverem em ciência nem em política.
Vivemos
tempos muito difíceis, inéditos para a maior parte da população, em que é
frequente encontrar
quem saiba tudo de tudo. Quem tenha soluções
para a ciência, a administração, a economia, o emprego, a educação e tudo o
resto. “Há que…”, “É só…”, “Basta…”, “O que é preciso é…” estão entre as expressões mais ouvidas nas televisões
e mais lidas nos jornais! E o problema é que todos têm direito a tudo, às suas opiniões e às suas asneiras, mesmo
erradas… Como todos têm o direito de viver com ansiedade, de ter medo, de
imaginar soluções. Mesmo os tolos que dizem que o vírus é mortal para
capitalismo e os idiotas que garantem que o vírus é o golpe de misericórdia no
comunismo: todos têm direito à opinião. As asneiras e as parvoíces de muitos
são a liberdade de todos. E isso é o que interessa.
É essencial tratar
da doença. Encontrar
as suas causas. Inventar a sua cura. Descobrir a vacina. O que se dispensa é
quem aproveita para fazer contrabando de política, tão grave quanto os que
fazem mercado negro de máscaras ou papel higiénico. Já se
percebeu que há quem queira aproveitar para liquidar direitos dos
trabalhadores, despedir precários, reformar efectivos, baixar salários, reduzir
a segurança social, diminuir os impostos, tudo legalmente e de modo definitivo.
Mas também já se percebeu que há quem queira liquidar a iniciativa privada, as
empresas, as instituições particulares de solidariedade, o mercado, a liberdade
de estabelecimento e de iniciativa.
Dar
a prioridade às condições sociais e
económicas, como muitos fazem, é
ridículo. Ouvir um
sermão esquerdista sobre a luta de classes e o sector público, a propósito do
vírus, com o maior oportunismo sectário que se imagina, é convite
a descrer nas capacidades de inteligência. Considerar que tem de se tratar da
questão biológica e médica, sem atenção às condições sociais, económicas e
políticas, é miopia indesculpável ou intenção eugenista inaceitável.
Quem
tem duas assoalhadas, sem aquecimento, para seis pessoas, não tem as
menores condições para “ficar em casa” e se salvar. Quem vive em lares miseráveis está
condenado. Quem não tem meio de transporte seguro não tem acesso a alimentos
frescos. Quem não tem instrução não percebe as recomendações. Quem vive nos
arredores ou em isolamento não consegue chegar com segurança às instituições.
Quem não tem emprego não consegue comprar pão. Quem é despedido não pode tratar da saúde dos
seus. Quem tem pensões mínimas fica sem capacidade de acorrer ao que é
necessário. Quem vive no limite da sobrevivência não chega ao que já é mais
caro e inacessível. Quem não tem meios não pode contrariar os mercados negros
que proliferam. Quem não tem wireless, telefones modernos, telemóveis à
altura, iPad capazes, conhecimento informático avançado e assinaturas de redes,
não tem meios para ser informado devidamente. Quem vive sozinho e tem problemas
de deslocação fica nas margens da sociedade. Quem tem outras doenças e insuficiências
vive em pânico.
É
tão difícil combater
ao mesmo tempo o vírus, a pobreza, o privilégio e o despotismo! É tão difícil tratar
das duas coisas, do imediato e do futuro! Da saúde e da sociedade! Da vida e da
democracia! É tão difícil tratar de tudo sem demagogia, sem oportunismo, sem aproveitamento
político! É tão difícil deixar à ciência o que é da ciência, à política o que é da
política, à cultura o que é da cultura e aos indivíduos o que é deles! É tão
difícil impedir que a emergência se transforme em regra! Que a eficácia
liquide a liberdade! Que a centralização de esforços se transfigure em sistema
de vida! Que a vida e a saúde sejam cada vez mais o recurso colectivista e a
mercadoria capitalista! Encarar estas dificuldades ou contradições é o princípio
de uma sociedade decente.
Algumas das coisas que começarem a ser feitas agora ficarão para
sempre. A solidariedade europeia, por exemplo.
O que de bom ou de mau se fizer agora, ficará para depois. A dimensão do
Estado, também. O necessário reforço do Estado na saúde pública e na
ciência médica poderá, depois, transformar-se numa monstruosidade burocrática
ou numa máquina lucrativa de mercadoria. Se a força do
sistema nacional de saúde não for preservada, fácil será voltar ao seu
declínio. Se muitos direitos individuais forem contidos agora, podemos ter a
certeza de que, depois, será difícil voltar atrás. Se a comunicação social
livre desaparecer agora, é certo e sabido que nunca mais voltará a ser o que
foi nem o que deve ser. O que
fizermos agora com a autoridade do Estado, a
liberdade individual, a cooperação europeia ou o fecho de fronteiras nacionais
é o que provavelmente ficará para depois.
Não é o vírus que fará o que quer que seja às sociedades. O destino
será o que as pessoas quiserem fazer para lutar contra o vírus, pela saúde e
pelo futuro. Haverá mais comunismo e mais despotismo se as pessoas quiserem.
Haverá mais mercadoria e mais capitalismo se for isso que as sociedades
desejam. Não é por causa do vírus que teremos, a seguir, mais liberdade, mais
segurança, mais igualdade e mais decência. Se tivermos, é por causa de nós. Se
não tivermos, é por nossa causa.
Sociólogo,
COMENTÁRIOS:
Fowler
Fowler INICIANTE: Continuar a rosar-se ao sol dos
acontecimentos, explorando os vícios confusos da lente e as dicotomias do
costume, em nada acrescenta àquilo que já sabemos. Não é boa altura para
subestimar o presente esforço e a inteligência dos seus concidadãos: a emergência
não se vai transformar em regra. Com certeza que o futuro dependerá de nós e
das nossas circunstâncias.
viana
EXPERIENTE: Mais um texto completamente desorientado do António Barreto. Se
fosse incomum, ainda se percebia tendo em conta a situação, mas é mais do mesmo
com que temos levado desde há algum tempo. Em particular, afirma: que a
política deve ser deixada aos políticos, mas que não, estes não podem, fazer
política, e afinal a política deve ser feita por todos, porque nós é que temos
o poder para decidir para onde vamos. E devo ter saltado mais alguns
contorcionismos pelo meio. Uff!...
Sandra
MODERADOR: Sinceramente, estou (mais) preocupada é com os mais velhos, os
que estão desorientados, os que estão a sofrer em casa com outras patologias,
pois entendem que os hospitais agora estão alocados apenas para tratar de
doentes suspeitos e/ou com coronavírus. Está muito complicado. Acredito que
muita doença não está a ser devidamente tratada, porque as pessoas, a sua
maioria, deixaram de ir ao médico, e, muitos precisam mesmo de lá ir.
J
Bernard INICIANTE: Parabéns pela lucidez. Vivemos tempos
difíceis, propícios a demagogia e totalitarismos vários, por isso, é necessária
a existência de lucidez e pensamento claro. Reconhecer e enumerar os desafios e
os perigos é um passo fundamental para enfrentar da melhor forma o monstro que
temos pela frente.
AndradeQB MODERADOR:
Em pequeno, na minha pequena aldeia, ainda ouvia testemunhos da epidemia de
finais da primeira guerra mundial, e relatos de haver três e mais enterros num
só dia. Do que ouvia, estou convicto de que os mais pobres dessa altura, e
nessa aflição, morriam menos isolados do que hoje, não obstante a ausência de
Estado ser absoluta. Uma minha esperança, embora irrealista, é de que desta
crise, saísse o reconhecimento de que a necessária existência do Estado nunca
será, no entanto, capaz de substituir em tudo a necessidade de interajuda
familiar e de grupo. Para isso, o Estado também não pode colectar toda a liquidez
aos cidadãos, com a perigosa ilusão de que, dessa maneira, lhes vai garantir a
segurança. Como se constata, a alguns nem um ventilador lhes empresta.
António
Marques EXPERIENTE: Donde se conclui que em 1918-20 as
'famílias' tinham um ventilador em casa... Santa paciência. Procusto, volta,
estás perdoado.
AndradeQB
MODERADOR: Caro António Marques, nessa altura também não tinham Internet,
nem pagavam ao Estado 70% do seu rendimento. Consta que há 10 milhões de anos anda
também era diferente. Nesses tempos antigos, era Deus que perdoava aos pobres
de espírito, hoje são os tribunais que os declaram inimputáveis. Está perdoado.
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