Sempre admirei o povo judeu, não só pelos
nomes salientes que figuram na nossa cultura, (entre os quais cito o médico
naturista Garcia de Horta, o
matemático Pedro Nunes, o escritor
Samuel Usque, o médico Ribeiro Sanches), e no contributo para a abertura
económica do nosso país, mas sobretudo como povo eleito e sempre perseguido, para
além da admiração pelo país que criaram, com a inteligência que sempre lhes foi
reconhecida, talvez motivadora da inveja, em todos os tempos perseguidora. Daí
que estes escritos educados, de Esther
Mucznik, que bem defende o povo judeu, venham ao encontro desse sentimento, ao
desmascarar as intenções de Benjamin
Netanyahu e chamando a atenção para os feitos de outros líderes recentes de
Israel e para o próprio heróico irmão de Netanyahu, bem diversos dos deste.
OPINIÃO
Para onde vais, Israel?
Para Benjamin Netanyahu, acima do seu
país está ele próprio, e todos os meios, mesmo a actual pandemia, servem esse
único objectivo.
ESTHER MUCZNIK
PÚBLICO, 28 de
Março de 2020
Não sou cidadã israelita, mas o país
é, e sempre foi, a minha segunda pátria: porque
faço parte de um povo que concretizou o sonho milenar de ser dono do seu
próprio destino na sua terra ancestral; um povo que, sem outros meios senão uma
vontade férrea e a tensão máxima das suas capacidades intelectuais, conseguiu
transformar no curto espaço de pouco mais de sete décadas um território
desértico e pantanoso numa das sociedades mais desenvolvidas do planeta; e
também porque vivi lá e também é aí que tenho uma grande parte da minha
família…
Por
isso, não posso ficar indiferente, nem calada, face ao comportamento do governo
liderado por Benjamin Netanyahu nestes últimos anos e especialmente
neste momento crucial em que todos vivemos e em que a
preocupação central, em particular dos responsáveis políticos, deveria ser
apenas uma e só uma: a vida e a saúde dos seus concidadãos, sejam eles judeus,
árabes muçulmanos ou cristãos, drusos ou beduínos.
Em vez disso, assistimos ao triste e
inédito “espectáculo” de um primeiro-ministro a dissolver o Parlamento, ou
seja, a voz da democracia, a tentar calar a justiça e, fazendo tábua rasa do convite do Presidente de Israel à coligação Azul e
Branco para formar governo, a amarrar as forças políticas a um governo de “unidade nacional” liderado obviamente
por ele. Tudo isto
em nome da “saúde pública” contra a covid-19, mas de facto, e com uma clareza
cristalina, apenas para se manter no poder, escapando assim à mais do que
provável inculpação judicial que o espera.
Face
à dissolução da Knesset (Parlamento) e demissão do seu presidente, o Supremo
Tribunal de Justiça, pela voz da sua presidente, Esther Hayut, tomou uma medida
excepcional, ordenando a eleição de um substituto: “A contínua recusa em permitir que a Knesset eleja
um presidente permanente está a minar os fundamentos do processo democrático.
Isso prejudica evidentemente o estatuto da Knesset como uma autoridade
independente, assim como o processo de transição do governo (…). Este é um
daqueles casos excepcionais em que este Tribunal deve intervir para evitar a
violação do nosso sistema parlamentar. A Knesset não é um órgão de apoio ao
governo, a Knesset é soberana.”
No seguimento desta ordem, e contra a vontade dos principais dirigentes do seu
partido, Benny Gantz, líder do partido Azul e Branco e principal opositor de
Netanyahu, decidiu assumir essas funções abrindo assim caminho a um governo de união nacional liderado por
Benjamin Netanyahu pelo menos nos próximos dois anos.
Muitos
poderão ter sido os motivos da decisão de Gantz: evitar umas novas eleições
e um clima de instabilidade política num momento crucial de pandemia global;
desapego ao poder ou, como alguns comentadores apontam, simplesmente cansaço…
Ou seja, precisamente tudo ao contrário do que motiva e caracteriza Benjamin
Netanyahu.
Ainda
é cedo para prever as consequências desta decisão, até porque o acordo ainda
não está assinado. Mas, se o for, uma coisa é certa: Netanyahu ganha mais
uma vez, mantendo-se no poder, afastando assim ou pelo menos adiando o julgamento
por corrupção que lhe pende em cima. O ainda primeiro-ministro em exercício
pode invocar os argumentos mais nobres para justificar a sua eterna manutenção
no poder, incluindo a covid-9, mas acima do seu país está ele próprio, e todos
os meios, mesmo a actual pandemia, servem esse único
objectivo.
O seu comportamento é uma traição à
memória de David Ben Gurion, Golda
Meir, Menahem Beguin, entre tantos outros, mas em particular à memória do
seu próprio irmão Yonathan, morto
em 1976 na Operação Entebbe no Uganda.
Como é do conhecimento público, esta foi uma acção de resgate bem-sucedida
de 102 cidadãos israelitas e judeus não israelitas, únicos reféns do sequestro
terrorista conjunto de um avião da Air France pela Frente Popular de Libertação
da Palestina e pelas Células Revolucionárias da Alemanha. Yonathan Netanyahu
era o comandante militar da operação e o único militar que perdeu a vida ao
salvar os reféns. Depois da sua morte, a operação passou a chamar-se Operação
Yonathan, em homenagem ao homem que a
liderou.
O
comportamento de Benjamin Netanyahu envergonha Israel, os seus cidadãos e,
creio poder dizê-lo, os judeus de todo o mundo. O espectáculo destes últimos
anos, em que assistimos às tentativas desesperadas para se manter no poder e
fugir à justiça, é confrangedor porque percebemos que este homem, que é um
político hábil e inteligente, não hesitará em recorrer a nenhum estratagema,
mergulhando o país no caos se necessário.
Apoiando-se nas forças mais
retrógradas e extremistas de Israel, procurando amordaçar os órgãos da imprensa
que a ele se opõem, controlar e limitar a independência do poder judicial,
essência da própria democracia, usando o medo, a angústia e a insegurança dos
seus cidadãos como mais uma oportunidade de fuga ao que inevitavelmente será o
desfecho da sua vida política, tudo isto é não só patético, mas altamente
perigoso para Israel.
Espero que a população israelita,
cujos princípios democráticos têm resistido a uma vida inteira passada em
contínuo estado de alerta num ambiente exterior hostil, saiba desta vez
defender-se também dos perigos no seu próprio seio.
COMENTÁRIO:
Manuel Pessoa INICIANTE: O meu fraco conhecimento sobre a realidade israelita,
o mesmo será dizer sobre a questão palestiniana, contribuirá para o meu juízo
profundamente negativo sobre o exercício de poder do governo israelita actual.
Ler este artigo é um importante contributo para poder afastar o juízo sobre o
País Israel do juízo que mantenho sobre o governo israelita actual extensivo
aos seus apoiantes internos e externos. Por um misto de pudor e de respeito com
o povo israelita que não se revê no benjamim que lhe calhou, abstenho-me de
expressar a quem comparo este "artista". Mas adianto que o alinho na
galeria do pior que conheço da História. A propósito: as patentes
possibilidades de fuga à Justiça em Israel obrigam-nos a ser menos críticos
relativamente aos lapsos da Justiça portuguesa.
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