Mas haverá esforço e interajuda, como a
própria China já demonstrou, levando médicos e apoio tecnológico à Itália. E
por cá, os avisos constantes serão úteis, além da disponibilidade de tanta gente
para bem cumprir, incluindo os trabalhadores da comunicação. Quanto ao Governo…
fará o que puder, e sairá reforçado, talvez, que a ocasião faz o herói, há
sempre uma Restauração, após um interregno de aridez e vazio. Cada qual fará
por obedecer. E entretanto, leiamos estes textos sentenciosos que nos dão
prazer e meditação, como “A vida cancelada” de Maria João Avillez.
A vida cancelada /premium
O país nunca foi aquilo a que
habitualmente se chama um país “preparado”: para prever, para acudir, para
resolver. Com o novo vírus, o que se faz parece sempre aquém do que já deveria
ter sido feito.
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 13 mar 2020
1.Não
há munições para o desigual combate contra este inimigo sem rosto que virou o
mundo ao contrário. Desigual e implacável. Espevita o pior: o medo, a aflição,
a insegurança. Perde-se o pé. Se juntarmos a isso o que antes já sabíamos – um
país naturalmente desorganizado, mal servido em coordenação e apenas remediado
no “vamos andando” – além do pé, perde-se o resto.
Com
o trivial ainda se pode bem – mudar de hábitos, praticar disciplina, cancelar
viagens, domesticar projectos, desistir de férias, anular caprichos e
fantasias; com “este” desconhecido, já se pode pior. Não faço tenção de me deixar empurrar para dentro do
medo, mas nunca me dei bem com a imprevisibilidade. E aqui só uma coisa é
certa: a incerteza sobre a dimensão do desconhecido. Que o mesmo é dizer sobre
as suas consequências.
A
seguir há esse degrau intermédio entre a trivialidade de uma rotina alterada e
uma imensa apreensão que é a renúncia. O renunciar ao que sentimentalmente nos
marca: a antecipação da doçura do reencontro, o consolo dos sentimentos fortes,
a joie de vivre com os amigos, o anúncio de uma nova vida. Por exemplo mas o exemplo é bom: chegavam filhos e
netos das “europas” onde vivem – já não chegam; vinham uns amigos do
estrangeiro passar uns dias a deambular pelo Oeste – não querem vir; vai nascer
outro neto em Viena de Áustria de onde é a sua mãe, já não iremos tão depressa
debruçar-nos sobre o seu berço (nem talvez tão devagar).
E
depois há o último lance. Aí pura e simplesmente não sabemos. Só sabemos que
tememos. Balançando,
ora crédulos ora incrédulos, entre a esperança de que não seja nada connosco e
esse terrível momento da privação da liberdade individual substituída
brutalmente pelo isolamento forçado. Ou por pior.
2 O céu toldou-se com o pesado
agravamento do cenário nacional do vírus. Suspeito
aliás que haja muito mais infectados do que
se diz e muito menos “preparação” clinica e hospitalar do que nos prometem.
Suspeito que não se fechem mais escolas por – pura e simplesmente – não haver
dinheiro para “pagar” aos pais para ficarem em casas com os filhos. Suspeito
que não nos digam mais, nem nos informem melhor por temer dar más notícias.
Suspeito que nos “bastidores políticos” desta tragédia nacional haja mais
descoordenação do que concerto e que o desnorteio da aflição leve a melhor
sobre a racionalidade da acção. Porquê? Porque o país nunca foi aquilo que
habitualmente se chama, em sentido lato, um país “preparado”: para prever, para
acudir, para resolver. Lembro, a propósito, um singelo exemplo: uma das
unidades de “urgência” de um hospital da margem sul (creio que a de
pediatria, mas não estou certa) encerrada há meses, está sempre para reabrir
mas nunca “se” consegue que reabra… Se este simples caso é eloquente da
impreparação para lidar com constrangimentos, face a um flagelo do alcance
deste novo vírus todas as dúvidas serão legitimas. Péssimo augúrio. Repare-se
ainda – ou sobretudo – nas notícias que chegam em sobressaltada catadupa, sobre
a supostamente salvífica linha SNS24: ou “quase nunca atende”, ou “está sempre
impedida”, ou por vezes, muitas vezes, as respostas da voz do outro lado do
telefone “nem informam, nem tranquilizam” (relatos que me foram feitos por
utilizadores da linha). A recente conferência de imprensa de duas responsáveis,
Graça Freitas e Marta
Temido, de pouco serviu. Tenho enfim a
inquieta sensação de que tudo o que se faz parece aquém do que deveria ser
feito. Ou do que JÁ deveria ter sido feito.
A
situação, de tão tremendamente inexperimentada jamais me levará a condoer-me ou
a fazer de conta que as coisas não são o que são: o Estado é fragilíssimo, a
cultura de exigência tem poucos praticantes, o tecido económico não aguenta um
sopro, o governo não está numa boa, à frente da Saúde não está uma generala.
Acresce uma verdade: nunca as
qualidades de liderança de António Costa calharam bem com emergências. Atrapalha-se quando tem
de as resolver mesmo achando – como é normal que ache – que faz o seu melhor. E Marcelo
fechado em casa e vindo à janela como o Papa (santo Deus, que momento!) não
ajuda à gravidade da situação. Interrogo-me aliás porque será que o seu
lugar é em casa. Porque o silêncio é de oiro? Porque não tem nada para dizer?
Porque não sabe o que nos dizer? Porque não sabe como sair “desta”? Ou porque
está muito aflito?
3.Como
nada virá a ser depois como era antes, também me interrogo sobre as consequências
políticas de tudo isto (se
restar pedra sobre pedra, claro está). Sobre as económicas o resultado dispensa dúvidas ou apostas: serão
desastrosas. Todos os sinais vermelhos estão de resto já acesos. Mas…em
que estado de saúde politica ficarão os protagonistas políticos? Que fará Mário
Centeno e até quando? A não generala Marta Temido sairá viva deste sulfúrico
enredo? António Costa terá a força, a capacidade, a endurance, a coragem que o
longo momento de adversidade que tem pela frente lhe exigirá, todos os dias,
por tempo indeterminado? E logo a seguir para continuar a lidar – e a liderar –
o Portugal irreconhecível que sair disto?
Ninguém
no poder, do PR ao PM, passando pelo Executivo, se pode esquecer que o país
dispõe de referências. Isto é, para o bem e para o mal, os portugueses já
os viram agir em diversas circunstancias, das melhores, às mais trágicas, o que
ditará a essas mesmos portugueses as expectativas que porão num futuro
obrigatoriamente desconhecido.
Por
mim não consigo antecipar o que venha a ser, daqui a muitas semanas ou muitos
meses, o confronto desses responsáveis políticos com um país ferido a seu
cargo.
4.Ser
forte é o que nos resta? Será mas fazer
bom uso da vontade – único factor distintivo que separa um forte de um fraco
– já não seria mau nesta espécie de ribombante pré-apocalipse. Como por exemplo
a vontade de resistir a meter a cabeça na areia diante da Itália “fechada” como
se fosse uma loja ou uma torneira, voos interditos, fronteiras fechadas,
circuitos impedidos entre os Estados Unidos e a Europa, cidades desertas,
hospitais em tendas como na guerra, medo.
A vontade em ir resistindo à vida cancelada.
PS: Depois
de uma perigosa fase de descoordenação e ineficiência, foi evidente ao final do
dia de ontem, quinta-feira, a concretização de uma tomada de consciência, séria
e concertada, entre o Governo e as várias autoridades de Saúde. Apesar de
permanecerem queixas e lacunas, alguma coisa mudou para melhor. É justo não só
reconhecê-lo como agora (já depois de escrito e entregue o texto acima) deixar
aqui o registo dessa mudança de atitude. Compete-nos no mínimo a responsabilidade
de corresponder com bom comportamento. Por exemplo não indo para a praia com
multidões…
COMENTÁRIOS
L F S Martins: Quase nada do
que referiu é muito diferente do que ocorre na GB, onde resido. O SNS local,
por exemplo, que já antes passava por grandes dificuldades, devido aos cortes
nos orçamentos e à enorme falta de pessoal, está a ser ainda mais pressionado.
Por isso, e até porque ninguém pode estar preparado para uma pandemia desta
dimensão e com contornos imprevisíveis, não é justo passar a ideia de que
Portugal está em pior situação do que em outros países. Para não ir mais longe,
olhe-se também para a situação da Espanha. Muitos mais infectados, mesmo
proporcionalmente, e um número significativo de mortes.
antonyo antonyo: Acho curioso
que um governo que não conseguiu melhorar a saúde, antes pelo contrário, tendo
retido verbas indispensáveis que levaram à péssima situação que todos
conhecemos, esteja a apregoar que controla a situação e que não haverá
problemas pois estão muito bem preparados . Mas se nem conseguiram até agora gerir
as situações do dia a dia, é agora que vão fazer tudo bem ? Alguém acredita ?
miguel cardoso: Exma.
Senhora: Do seu texto, tocante e tão bem escrito, acho que só faltou reforçar
ainda mais a ideia de, todos os cuidados mínimos tomados, fazer os possíveis
para "viver habitualmente". Tentar que nos mantenhamos a funcionar e,
não entrando em irreflexões, procurar que os nossos trabalhos se mantenham, não
pararmos a produção. Portugal não sobrevive a um mês de população inteira como
"Pensionista". Aliás quase me ri quando o meu Contabilista muito
pressurosamente me enviou o programa de financiamento especial, igual a
qualquer outro que eu conseguiria para a minha pequena empresa! Como aliás não
podia deixar de ser! Não rio e indigno-me com o aproveitamento miserável de
todas as forças políticas e associações, através de sugestões e programas que
sabem não poder ser cumpridos, primando por radicalismos obscenos, quando não
por verdadeiras imposições ditatoriais.
victor guerra: Nada que
surpreenda, dos incêndios aos vírus
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