sábado, 21 de março de 2020

Que é feito deles?



O certo é que por cá já não se fala dos fugitivos que procuram outros redutos de sobrevivência, centrados que estamos no nosso vírus, lendo as boas crónicas, como as de Pacheco Pereira.

OPINIÃO CORONAVÍRUS: Estragos no corpo e na cabeça
Justifica-se tão grande mudança, para uma doença que, para a maioria, é razoavelmente benigna? Justifique-se ou não, vai-se saber depois, porque o que se vive hoje é um ponto sem retorno.
JOSÉ PACHECO PEREIRA   PÚBLICO, 14 de Março de 2020
Há muito pouco tempo escrevi sobre o “ruído do mundo” e a imprevisibilidade da história. Nem vale a pena lembrar como, em meia dúzia de dias, o “ruído do mundo” cresceu tanto que estamos na verdade “noutro mundo”, diferente daquele que tínhamos nessa altura. Para os filósofos, para todas as ciências que devem a Darwin o seu cânone, para os que sabem como funcionam as mutações e percebem o DNA e a contínua chuva de partículas que nos atravessa, a nós e aos vírus, para os ateus e agnósticos que não têm uma visão teleológica do mundo e do devir, para os matemáticos, que lidam com o acaso, nada disto é surpresa.
FOTO: Edgar Allan Poe. O conto A Máscara da Morte Vermelha devia ser de leitura obrigatória em tempos de pandemia
A humanidade tem uma longa história de defrontar epidemias e pandemias. O mundo contemporâneo, com muito pouca memória, tem menos experiência. E quando me refiro ao mundo contemporâneo, refiro-me à globalização, ao tecido social e demográfico que está muito para além do imediato passado do século XX. Em 1918, havia ainda a guerra, as trincheiras, as más condições de vida nas rectaguardas, a escassez de cuidados médicos, a falta de higiene generalizada, nenhuns canais de comunicação de massas, e foi nessa ecologia que a gripe pneumónica fez os estragos que fez. Mas, pouco do que se passou na altura, há mais de cem anos serve para hoje, embora haja algum adquirido científico da pandemia, que tem vindo sistematicamente a ser estudada.
O mundo mudou muito, cidades, campo, transportes, condições de vida, alimentação, padrões de vida e de consumo, saúde pública e medicina, sociedade, comunicações, são muito diferentes de há cem anos. As imagens de cidades e ruas vazias que pareciam apenas existir em filmes de ficção científica, mostram a diferença pela estranheza. E é nesse mundo que a pandemia da covid-19 se desenvolve e, se não fosse trágico, poder-se-ia dizer que a natureza nos ofereceu um laboratório sobre as doenças, mas também, e sobretudo, sobre os comportamentos humanos, sem paralelo. O problema é que não é in vitro.
Um dos principais aspectos da actual crise pandémica é a absoluta, contínua, maciça dose de informação, comunicação, desinformação que todos estão a receber, sem sequer poderem parar para pensar. É mesmo a “massagem” de McLuhan. Não sei se é bom, se é mau, ver-se-á depois. Por um lado, as pessoas estão melhor informadas, e presume-se que mais conscientes dos riscos que correm, por si e pelos outros; por outro lado, há a possibilidade de reacções de pânico e comportamentos irracionais, como a corrida a determinados bens de consumo que nada indica estarem em ruptura, ou excessos de distanciação, ou o olhar para tudo à nossa volta como um mar de vírus que nos toca mesmo com luvas e máscara ou a dez metros de distância. Mas há também o lado da desinformação, nalguns países suscitadas pelas agendas políticas do poder e dos seus aliados na comunicação, como é o caso exemplar dos EUA, entre um  displicente e desleixado, minimizando o que acontece, e a Fox News a dar-lhe cobertura. E depois, genericamente, nas chamadas “redes sociais, onde proliferam falsas notícias, teorias conspirativas, pseudociência, boatos, tribalismo e populismo. Hoje, não há maneira de impedir que este bas-fond suba miasmático para a atmosfera e envenene o ar.
Outro aspecto é o de encontrar na sociedade um contraste entre a solidão de muitos - em particular o alvo preferencial da covid-19, os mais velhos - e um gregarismo muito comercializado entre os mais novos, bares, concertos, vagabundagem colectiva dos jovens adultos e circulação pelos novos espaços urbanos dos centros comerciais, e a tentação da praia, como se não se soubesse viver sem isso. Todos estes movimentos ou paragens suportam uma nova perturbação que é o encerramento das escolas, atirando para a casa e para horas que ainda são para muita gente de trabalho, mesmo na situação actual, com centenas de milhares de crianças. Acrescem a estas perturbações, os diferentes graus de quarentena ou isolamento obrigatório ou voluntário de muitos milhares de pessoas, muitas das quais dependentes de terceiros para obterem o que necessitam. A única coisa que mitiga esta perturbação no espaço e no tempo individual e colectivo é a esperança de que não dure muito.
Justifica-se tão grande mudança, para uma doença que, para a maioria, é razoavelmente benigna? Justifique-se ou não, vai-se saber depois, porque o que se vive hoje é um ponto sem retorno. Claro que entre a prudência e o medo, o medo é mais poderoso, e o medo moderno, comunicacional, urbano, entre o telemóvel e a Rede, é tão inesperado e tão pouco experienciado nas sociedades sem guerra, que leva à paranóia.
Deixo de lado, os efeitos económicos sobre os quais muito se tem escrito e que será provavelmente o rastro mais durável da pandemia: mas se for apenas este o efeito, mais a médio prazo do que se está a passar, volta-se ao sítio com algumas perdas, desigualmente distribuídas como é costume. Porém, evita-se a componente social do medo que o desconhecido gera, muito mais fundo do que as falências, os despedimentos, a crise, que são coisas que conhecemos e que são muito perturbadoras para a vida de indivíduos e famílias, mas menos perturbantes para a cabeça. Para quem não está na primeira linha de risco, é na cabeça que os estragos vão ser maiores. Ámen.
Colunista
COMENTÁRIOS
CV CV INICIANTE: Inacreditavelmente pelo que se sabe o Reino Unido está mesmo a fazer o que descreve neste momento, o desrespeito inacreditável pelas pessoas, muitos dos quais lutaram nas fileiras da 2º guerra para que a elite descendente os elimine num piscar de olhos, este comportamento está a par do que Hitler fez a outros povos! 15.03.2020
nelsonfari EXPERIENTE: Sem dúvida um bom texto de JPP. Mas, quem está a provocar esta sucessão de epidemias? Os que reflectem em termos reais, pela observação e pela experimentação, tentando criar verdades científicas, não têm dúvidas: a destruição de habitats de outras espécies, impulsionada pela expansão urbana e a utilização dos recursos disponíveis até à sua quase exaustão, em suma, a industrialização e a multiplicação de gigantescas áreas urbanas densamente povoadas, levou a que as outras espécies cada vez mais tenham de viver perto de urbanizações. A desflorestação, a invasão das actividades agro-alimentares comprimem não só agricultores e produtores independentes mas também animais. A transmissão de vírus para a espécie humana fica, deste modo, facilitada. A incessante procura do lucro tudo esquece e despreza. 15.03.2020
manuel.m2 INICIANTE: E se a insanidade vem de cima? Ou se o que vem de cima é muito pior que a insanidade, uma espécie de experiencia em Eugenia? No meu país, o RU ,o meu Governo finalmente esclarece por que razão não adopta as medidas radicais em vigor no resto da Europa: Trata-se, não de impedir a progressão do vírus, mas sim de permitir que este atinja 60% dos 66.5 milhões de Britânicos criando imunidade "na manada",(Herd immunity), o que daria protecção no futuro. A geração dos mais velhos seria dizimada com evidente poupança nos custos sociais. Resta dizer que não é sabido ainda se, e por quanto tempo, o novo vírus produz imunidade, essa sim garantida por uma vacina possível num futuro não muito distante. 15.03.2020
Jose MODERADOR: As guerras feitas premeditadamente matam mais que o covid-19. Estão em curso com falanges de apoio na comunicação social e nas redes sociais. As motivações das guerras são a cobiça do que é de outros para garantir o sustento da vida de sobrevivência que é ainda a da humanidade. A luta contra o coronavírus tem outras motivações. Trata-se de os Estados fazerem prova da sua capacidade de proteger os seus povos de um vírus novo para o qual não há vacina e não há medicação para os infectados com covid-19. O uso do medo existe para manter o mundo a funcionar e neste caso para parar o mundo. É também o medo usado para justificar as guerras em nome da liberdade, da democracia, da honra dos povos... Diz isso quem ataca e quem defende. É o estado da técnica da acção política. Não sabemos agir melhor. 15.03.2020
Caetano Brandão INFLUENTE: Espectacular, bem haja PP, porque eu pensava que a insanidade mental se tinha neste país e tal como diz, o vírus atinge preferencialmente os miolos das pessoas e felizmente verifico que ainda há alguém que pára para pensar com a cabeça e não com os cotovelos. Eu subscrevo totalmente o que diz e não há dúvida que na raiz da solução para todos os problemas neste mundo está no conhecimento e na sensatez, as quais advêm de muita leitura, curiosidade, educação e não de instagrames e youtubes ou facebooks. 14.03.2020
José Cruz Magalhaes MODERADOR: Ainda bem que a quarentena não abrange o pensamento, nem a pandemia afecta a exposição da opinião e do comentário. 14.03.2020
bento guerra EXPERIENTE: Já cantava o Variações "quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga" 14.03.2020
FPS INFLUENTE:  Amen! 14.03.2020
AAA_ INICIANTE: Amén? O que é que um agnóstico quer dizer quando escreve isto? 14.03.2020

Nenhum comentário: