Dois textos
de JMT que a maioria achará levianos, por uma dureza inaceitável, mas que são
ditados por uma preocupação justa, por um país em vias de uma vez mais ter de
vir a perder os trilhos de uma evolução indispensável, para quem o ama. Mas
contra um fenómeno de oculta e traiçoeira virulência, quem se atreve a condenar
as medidas governamentais de emergência? Os outros países erguer-se-ão
depressa, afinal, desde sempre mais ordeiros e orientados culturalmente. Nós,
os cada vez mais na cauda, os obstáculos à recuperação serão grandes, JMT não
deixa de ter razão na sua aflição real de homem honrado e amante do seu país.
Não se mobiliza um país inteiro sem uma liderança
forte. Precisamos de apagar eventos para não apagar vidas, mas precisamos
também de apagar hesitações e circunlóquios.
Parte
do meu dia de ontem foi passada a apagar eventos no telemóvel. Compromissos que
tinha e deixei de ter, lugares onde precisava de levar os meus filhos e já não
preciso. Cada confirmação de “apagar evento” infecta a economia
da mesma forma que o coronavírus infecta o nosso corpo – é menos uma
refeição, menos uma viagem, menos uma conferência, menos uma compra, menos um
negócio, multiplicado por milhões e milhões de pessoas. A covid-19 está a
destruir os nossos sistemas de saúde; o combate à covid-19 irá destruir a nossa
economia.
O
impacto em áreas como a aviação será catastrófico e o desaparecimento de
milhões de consumidores irá empurrar empresas para a falência e fazer disparar
o desemprego. Por muito que os governos queiram ajudar, nunca haverá liquidez
suficiente para acorrer a todas as situações. No meio destas péssimas notícias,
há, contudo, uma boa: na quinta-feira à noite, o governo não enfiou a cabeça na
areia e fez o que tinha a fazer. António Costa incumpriu – felizmente – a sua
promessa de aceitar as sugestões que lhe fossem apresentadas pelo Conselho
Nacional de Saúde Pública, borrifou-se para as conclusões daquele ilustre
conjunto de especialistas, e assumiu a sua responsabilidade política, em vez de
se escudar atrás de uma qualquer “decisão técnica”.
Fez
muitíssimo bem. A resposta a uma pandemia desta gravidade não pode consistir
apenas numa análise profissional da circulação do vírus, mas na interpretação
inteligente de uma dinâmica complexa, que envolve quer a circulação do vírus,
quer a reacção da população a essa circulação. Ora, o alarme social estava
instalado, e com boas razões. Esta pandemia é nova não só pela especificidade
da estirpe de coronavírus, mas também por ela ocorrer num mundo globalizado e
dominado pelas redes sociais, que permitem a propagação de informação em tempo
recorde. As redes sociais têm a má fama da distribuição de fake news, mas elas fazem muito
mais do que isso: também transmitem notícias úteis, permitindo-nos estabelecer
ligações com um largo conjunto de pessoas cultas, informadas e que pensam bem.
Não
é preciso ser especialista em epidemiologia para distinguir informação de
qualidade da mera tanga, ou um bom cientista de um vendedor de banha da cobra.
Este acesso a tantos dados exteriores exige que a informação que vem do governo
seja precisamente o contrário daquela conferência desastrosa dada pela ministra
Marta Temido e por Graça Freitas, cheia de derivações sobre netinhos em
quarentena. Para
histórias coloridas já temos o Facebook, obrigado. A
informação oriunda do Estado deve ser seca, curta e directa, e estar impregnada
de convicção e de autoridade. Frases
do género “não estivemos parados, mas tememos não estar preparados, porque não
depende só de nós”, como Marta
Temido proferiu
esta sexta-feira no Parlamento, não ajudam em nada a um combate que se antevê
duríssimo. Apenas agravam a convicção de que temos uma ministra da Saúde
impreparada para lidar com um problema desta dimensão.
É
evidente que a actual pandemia não se combate sem a mobilização de todo o país.
Mas não se mobiliza um país inteiro sem uma liderança forte. Precisamos de
apagar eventos para não apagar vidas, mas precisamos também de apagar
hesitações e circunlóquios, para que a ancestral desconfiança portuguesa nas
instituições não nos faça perder tanto a guerra da saúde como a guerra da
economia, acabando todos nós a ter de lidar com o pior dos dois mundos. Jornalista
COMENTÁRIO: viana EXPERIENTE: "Não é preciso ser especialista em climatologia
para distinguir informação de qualidade da mera tanga, ou um bom cientista de
um vendedor de banha da cobra." Não é exactamente o que está escrito no
texto, mas podia bem ser. No entanto, JMT nunca utilizou tal frase. Porquê?
Porque é que agora há, de repente, tanta fé no método científico e nos
cientistas (a sério)?... Será que é a cegueira ideológica que faz JMT escolher
acreditar nuns cientistas mas não noutros? 14.03.2020
Utilizar a bomba atómica da contenção
radical pode matar o vírus, mas também provoca a destruição total da economia.
A médio prazo, isso pode matar tanto ou mais que a covid-19.
JOÃO MIGUEL
TAVARES PÚBLICO, 19 de Março
de 2020
Nós
não estamos em guerra, e por respeito a todas os que sabem aquilo que uma
guerra é, sugiro que comecemos por não infectar o vocabulário com o vírus do
nosso medo. Há uma diferença gigantesca entre apelar à prudência e
inteligência da população e desatar a pôr o país inteiro em polvorosa, como se
estivéssemos na antecâmara do apocalipse. Calma. O país estava (e está)
manifestamente impreparado para combater o coronavírus, e ele irá causar muitos milhares de mortos. Mas
nada justifica a estúpida ciclotimia que leva cada português a saltar do
encolher de ombros (“isto não tem perigo nenhum”) ao grito de pânico (“é o
princípio do fim do mundo!”), turbinada pela ausência de uma estratégia clara
de acção por parte do Estado.
Não,
isto não é uma guerra, mas se estiverem desesperados por utilizar a palavra
“guerra”, então tripliquem logo a dose, porque não há uma, mas três: 1)
a guerra biológica; 2) a guerra económica; e 3) a guerra psicológica. É preciso (1) proteger a saúde dos mais
vulneráveis, (2) manter um funcionamento mínimo da economia e (3) promover a
estabilidade mental dos portugueses, que se forem obrigados pelo Estado a
permanecerem enfiados em casa durante um mês, e a fazer filas de três quartos
de hora para entrar em supermercados, irão rapidamente dar em doidos. É por
isso que o vocabulário bélico me parece tão mal escolhido – o verdadeiro
problema é bastante mais subtil, e tem a ver com a extrema dificuldade de
decidir todos os dias em cima da corda bamba, com um número de variáveis tão
extensa que a probabilidade de errar é muito maior do que a de acertar. O
entusiasmo popular pela declaração presidencial do “estado de emergência” está mais próximo do fetichismo do que de outra
coisa qualquer. O povo espera que três palavras mágicas pronunciadas por
Marcelo curem alguma coisa, o que é tanto mais absurdo quanto o Governo nem
sequer sentia necessidade delas (e António Costa não se cansou de sublinhar
isso mesmo). Seria
óptimo que a autorização que concedemos ao Governo para agir à bruta e meter
toda a gente dentro de casa fosse a solução para todos os males. Não
é. O combate ao coronavírus é um exercício dificílimo de equilibrismo e de
doseamento de acções contraditórias: medidas de contenção a menos levam à
propagação do vírus; e medidas de contenção a mais levam ao extermínio da
economia e à loucura dos portugueses.
Isto
está muito longe de ser apenas um problema de saúde. Nós precisamos de
políticos focados e com extremo bom-senso, apoiados por bons especialistas, que
saibam encontrar o balanço perfeito entre o combate epidémico e o combate
económico. Rui
Tavares escreveu ontem um artigo a discordar de
mim com um título bonito – “A economia recupera; os mortos não”. Infelizmente, não é assim tão simples, como o
próprio Rui acabava por reconhecer no corpo do artigo: “Não deixar a
economia funcionar com normalidade também provoca mortos evitáveis.” Pois
provoca. As epidemias passam; a economia não – eis um título alternativo.
Utilizar a bomba atómica da contenção radical pode matar o vírus, mas também
provoca a destruição total da economia. A médio prazo, isso pode matar tanto ou
mais que a covid-19. É muito lindo ver toda a gente a elogiar o
civismo dos portugueses, mas ele só existe porque as pessoas estão em casa há
menos de uma semana com o salário integral na conta. É melhor não contar com o
mesmo nível de civismo quando deixar de ser assim. Jornalista
COMENTÁRIO: Luis_Morgado INICIANTE: João
Miguel Tavares, as epidemias passam e as crises económicas também. Percebo o
que diz no seu texto, mas como os acontecimentos o demonstram, o desafio é o de
evitar as mortes e depois proteger a economia. Tentou-se proteger a economia,
ignorando a gravidade da situação, e agora, em desespero, tenta-se evitar a
morte. Vejam-se as reviravoltas vergonhosas do senhor Boris Johnson e dos seus
acólitos experimentalistas. Queriam salvar a economia com a teoria da
"manada" e dias depois perceberam que não podiam brincar ao Monopólio
com a vida das pessoas. Pode ler artigos onde se fala de guerra e da situação
actual. Recomendo um do Político "The 5 WW2 lessons that could help the
Government fight Coronavirus". Não tenha medo das comparações. Se não
gosta de "guerra" use "combate". 19.03.2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário