Da fuga. Da exclusão. De tanta tragédia
ambulante. De tanto horror de que continuamente se dão notícia e imagens de
pesadelo. Paulo Rangel demonstra. “A
chantagem de Erdogan é inaceitável, a carga posta sobre a Grécia é sufocante, a
situação dos refugiados e migrantes é terrível”. O mundo assiste, impotente, a essas notícias e imagens
desta guerra sem fim, que é a guerra do mundo dos homens de todo o sempre,
afinal, de que alguns vão escapando. Até ver, sempre.
OPINIÃO
Síria e refugiados: uma tragédia que não vem só
A chantagem de Erdogan é inaceitável,
a carga posta sobre a Grécia é sufocante, a situação dos refugiados e migrantes
é terrível.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 3
de Março de 2020
1. A
evolução preocupante da pandemia do Covid-19 pôs na sombra alguns dos
gravíssimos desenvolvimentos deste início de 2020. O mais preocupante deles
dura há quase uma década e revela uma absoluta impotência do Ocidente:
a guerra na Síria. A tragédia humanitária está para lá do narrável e os
muitos milhares de mortos não podem deixar de pesar na nossa consciência,
americana e europeia. À medida que o conflito avança, o massacre de populações
civis continua sem dó nem piedade, sem compaixão nem misericórdia. Os
milhões de deslocados, transformados em migrantes, arrastam-se pelas nossas
proximidades.
O
tabuleiro sírio é desde logo um dos campos da luta entre o
Irão e a Arábia Saudita pela hegemonia
regional. O Irão, fiado
na construção de um grande corredor xiita até ao Mediterrâneo, que una o Iraque
(maioritariamente xiita), a
Síria (dominada pela minoria alauita)
e o Líbano (com a sua potente
minoria xiita, comandada pelo Hezbollah). A monarquia saudita, confiada no alastramento de uma mancha
sunita ortodoxa até ao Mar do Meio, que ligue o Iraque (com um terço de
sunitas) à Jordânia (também sunita) e ao Líbano (em que, embora abaixo de
metade, predominam os sunitas). A Síria não é porém apenas a terra em
que estes dois rivais fazem guerra por procuração.
2. A Síria é
também, desde o início do conflito, mas agora mais claramente do que antes, o
terreno onde o império russo defronta o império otomano, onde o czar se
digladia com o sultão. Não se percebe
como tantos observadores e comentadores, a partir de encenações efémeras,
puderam alguma vez pensar que havia uma aliança entre a Rússia e a Turquia. Um
alinhamento estratégico russo-turco seria um desenvolvimento geopolítico
“contra-histórico”. É evidente o interesse turco na questão síria. À cabeça,
pela necessidade de conter o separatismo curdo e a sua contribuição para a
reconfiguração do mapa do Médio Oriente, com a pretendida junção das parcelas
turca, síria, iraquiana e iraniana do Curdistão. Mas também pela
apetência de Erdogan pelo restauro do espaço otomano ou, pelo menos, do
“espaço vital” ou da “esfera de influência”. Ao que acresce, claro está, a afinidade sunita, que recomenda o
afastamento dos alauitas de Assad do poder em Damasco. Não é menos
ostensivo o interesse russo na região. O “domínio” da Síria não garante só uma
posição de charneira no Médio Oriente; assegura também um acesso franco ao
Mediterrâneo, com assento militar a Sul da Turquia, junto a Israel (a única
potência nuclear da região) e diante do Chipre e da Grécia (velhos aliados do
eixo ortodoxo, mas membros da “inimiga” União Europeia). Para a Rússia, a Síria é o outro braço
da tenaz sobre a Turquia, que assim fica pressionada a Norte, designadamente a
partir da península da Crimeia, recentemente incorporada, e pressionada a Sul,
a partir de bases e tropas em solo sírio. Uma presença russa na Síria é o
melhor garante de que o acesso ao Mediterrâneo, feito a partir do Mar Negro,
pelo Bósforo, não fica no arbítrio exclusivo dos velhos rivais otomanos. E,
como se tudo isto não bastasse, o controlo da Síria dissuade persas e
sauditas de qualquer veleidade de canalizarem gás até ao Mediterrâneo e de
assim se tornarem perigosos concorrentes dos russos no abastecimento de gás à
Europa.
3.
A etiologia da guerra, no entanto, não atenua o desastre, a catástrofe, a
tragédia humanitária em curso. Uma tragédia que vai agora traduzir-se em mais uma
gravíssima crise migratória nos umbrais da Europa. Esta nova crise
constitui uma verdadeira tragédia, também naquela acepção que, faz muito tempo,
me ensinaram nos bancos da escola. “Uma tragédia é um drama em que todos os
personagens têm razão”. Na
verdade, têm razão as dezenas de milhares de migrantes que se puseram em marcha
rumo às fronteiras externas da UE (na Grécia e na Bulgária). A situação nos
campos de refugiados é infra-humana, o regresso a casa é uma miragem, a entrada
na Europa não há-de, pois, ser pior do que os últimos anos passados em longas
marchas ou em detenção. Mas têm também razão as autoridades gregas, largamente
apoiadas pela sua população, em não quererem deixar entrar novas vagas de
migrantes. A Grécia, como todos os países de entrada, está outra vez sozinha na
gestão da crise. Que futuro pode reservar aos migrantes que entrem? Campos
miseráveis como os das ilhas gregas? Centenas ou milhares de seres deambulantes
pelos centros de Atenas e Salónica, como se via em
2015-2016? A reacção dura – e aparentemente crua do Governo helénico – tem
razão de ser. Não há guarda fronteiriça europeia, não há logística para
avaliar, tramitar e processar pedidos de asilo e, pior que tudo, não há mais
nenhum Estado europeu disposto a acolher e integrar os agora entrantes. Não subsiste qualquer mecanismo de acolhimento e
distribuição equitativa dos migrantes. Todo o ónus e todo o gravame recai sobre
a Grécia, impende sobre os gregos. Por força da absoluta incapacidade da União
Europeia, a Grécia está de novo forçada a enfrentar, isolada e solitariamente,
esta nova e enorme vaga de migrantes.
4. Os
líderes das instituições europeias já mostraram a sua solidariedade com os
gregos e descem hoje ao terreno. Mas sem indícios de qualquer solução política
negociada entre os Estados da União para o curto e o médio prazo, os votos de
boas intenções não passam disso mesmo.
A chantagem
de Erdogan é inaceitável, a carga posta sobre a Grécia é sufocante,
a situação dos refugiados e migrantes é terrível. Depois de quatro anos de
inércia, estamos de novo em plena crise migratória. Qualquer que seja o seu
desenlace, também a política interna de muitos Estados europeus vai sofrer as
suas réplicas. A tragédia humana, que nunca pode ser desvalorizada ou
relativizada, não veio só. E não vai ficar só.
NÃO Justiça portuguesa. Passou uma semana, a situação agravou-se e não há uma
intervenção do vértice judicial ou da ministra da Justiça. Este silêncio causa
danos incalculáveis à democracia e ao estado de Direito.
NÃO Ana Catarina Mendes. A uma líder parlamentar exige-se capacidade de
negociação, de antecipação, de comunicação política e de assunção das
responsabilidades. Falhou em todas as dimensões.
COMENTÁRIOS:
Carlos Diogo MODERADOR: Estou convencido que este problema será o problema maior que a UE vai ter de resolver . Infelizmente em vez de porem mãos à obra , deixam que outras potências mundiais se "divirtam" quase à nossa porta em jogos de poder. A solução para as migrações é unicamente evitar que as populações o tenham de fazer, garantindo condições de vida e emprego nos seus locais de origem. 03.03. 20
Carlos Diogo MODERADOR: Estou convencido que este problema será o problema maior que a UE vai ter de resolver . Infelizmente em vez de porem mãos à obra , deixam que outras potências mundiais se "divirtam" quase à nossa porta em jogos de poder. A solução para as migrações é unicamente evitar que as populações o tenham de fazer, garantindo condições de vida e emprego nos seus locais de origem. 03.03. 20
FPS EXPERIENTE: É mesmo... mas nem isso se faz que é porrada que ainda
por cima desaba sobre elas. As primaveras de Obama foram uma verdadeira
tragédia... hehehe. Cito aqui uma frase de Trump tem pouco tempo «deixem os
russos combater os terroristas, nós ficamos com os recursos energéticos» É à
descarada. Vergonha não h, porque se
aceita este domínio. 03.03.2020
jfaria INICIANTE: E enquanto a Europa não conseguir falar a uma só voz, vai continuar a
ver passar os comboios mesmo debaixo do nariz. Como Europeu revolta-me esta
impotência perante os Trumps, os Putins e até os Ergodans deste mundo. 03.03.2020
jfaria INICIANTE: Numa altura em que anda meio
mundo a fazer quarentenas por causa do COVID19, esta situação ganha novos
contornos que ultrapassam a questão humanitária e torna-se uma questão de saúde
pública acabar com estas migrações descontroladas. Como? Não sei, é para isso
que os governos existem. 03.03.2020
AndradeQB MODERADOR: Eu sei que a comunicação serve para mostrar e para esconder, mas custa a
adaptação ao cinismo do politicamente correcto. Eu sei que quem fala contra os
muros de Trump, está a defender redes de quadrícula fina e arames grossos e
farpados, mas, mesmo assim, custa-me sempre ouvir este discurso de que se tem
que abrir as nossas portas, no pressuposto que as casas ocupadas sejam de
outros. 03.03.2020
Joao INICIANTE: Muita análise
estratégica, muitas jogadas de xadrez político, muitas choraminguices, ... para
demonizar o Erdogan e tentar distanciar os queridos de Bruxelas (Nato e UE) do
Erdogan ... 03.03.2020
antonio rocha INICIANTE: Mais um hipócrita dos tais que apoiou incondicionalmente as famigeradas
primaveras árabes. 03.03.2020
Armando Heleno EXPERIENTE: Não ofenda levianamente as pessoas. Diga aqui, abertamente, onde é que é
hipócrita, o Sr Dr Paulo Rangel. Ficamos a aguardar. 03.03.2020
NOTAS da Internet:
Bashar al-Assad
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Presidente da Síria
… Bashar al-Assad foi inicialmente tachado como um
"reformista" quando assumiu a presidência da Síria no ano 2000. Ele,
contudo, perpetuou o sistema político deixado por seu pai Hafez
al-Assad, concentrando em si toda a autoridade política, silenciando a
oposição e colocando apoiadores e familiares em
posições de poder dentro do governo.
Período pré-guerra civil: 2000–2011]
O
começo de seu mandato foi marcado por uma esperança de mudanças democráticas,
que foi frustrada com a continuidade da política de seu antecessor. Ante a ameaça
da ideia de guerra preventiva levada a cabo pela administração norte-americana,
a instabilidade do Líbano, na qual a Síria mantinha uma forte presença militar
e as constantes tensões com seu vizinho Israel, Bashar al-Assad procurou manter
um discurso reformista que poderia satisfazer os anseios da União Europeia e
dos Estados Unidos, mas que na prática não produziu nenhuma concessão ao
movimento de oposição do país. A
forte pressão internacional sobre Bashar al-Assad após a morte do
ex-primeiro-ministro libanês Rafik
Hariri, cuja autoria foi atribuída aos serviços de inteligência sírios, fez
com que as tropas mantidas no Líbano fossem retiradas.
Bashar
al-Assad foi reeleito em um referendo convocado no dia 27 de maio de 2007 onde
conseguiu 97% de aprovação, mas ele concorreu sozinho. No dia 25 de
junho de 2010, iniciou uma série de viagens pela América Latina, visitando
Cuba, Venezuela, Brasil e Argentina.
Em 2011, frente a vários protestos no mundo árabe por reformas
democráticas, o governo de al-Assad prometeu abrir mais a política do país para
o povo. Porém frente à lentidão dessas mudanças, ou o não cumprimento da
promessa, opositores ao seu regime começaram uma série de protestos pedindo o derrube do
Presidente, que respondeu aos manifestantes com o envio de tropas do Exército para áreas em protesto. A violência da repressão do governo fez com que vários
países pelo mundo, como os Estados
Unidos, Canadá
e União Europeia adoptassem sanções contra a Síria. Com as manifestações transformand-se em revolta armada contra o seu governo, os seus
exércitos foram acusados, repetidas vezes, de crimes contra a humanidade, e a
comunidade internacional e a oposição interna do seu país começaram a pedir a
sua renúncia imediata da presidência, mas ele recusou-se e afirmou que
continuaria na luta para se manter no poder. Por
diversas vezes, Assad afirmou que o seu país é vítima de uma
"conspiração estrangeira", envolvendo terrorismo, com o objectivo de
desestabilizar a Síria. Em 2014, mesmo em meio a uma brutal guerra civil, com
191 mil mortos entre março de 2011 e abril de 2014, com quase metade da nação
deslocada de suas casas e um-terço do país nas mãos da oposição, o governo
Assad levou a cabo as eleições gerais para presidente. Com 88,7% dos votos, o líder sírio foi declarado
vitorioso da eleição, cujo resultado foi considerado duvidoso por grupos
opositores anti Assad e criticada por observadores internacionais do Ocidente. …
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