segunda-feira, 9 de março de 2020

Os porquês


Da fuga. Da exclusão. De tanta tragédia ambulante. De tanto horror de que continuamente se dão notícia e imagens de pesadelo. Paulo Rangel demonstra.A chantagem de Erdogan é inaceitável, a carga posta sobre a Grécia é sufocante, a situação dos refugiados e migrantes é terrível”. O mundo assiste, impotente, a essas notícias e imagens desta guerra sem fim, que é a guerra do mundo dos homens de todo o sempre, afinal, de que alguns vão escapando. Até ver, sempre.

OPINIÃO
Síria e refugiados: uma tragédia que não vem só
A chantagem de Erdogan é inaceitável, a carga posta sobre a Grécia é sufocante, a situação dos refugiados e migrantes é terrível.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 3 de Março de 2020
1. A evolução preocupante da pandemia do Covid-19 pôs na sombra alguns dos gravíssimos desenvolvimentos deste início de 2020. O mais preocupante deles dura há quase uma década e revela uma absoluta impotência do Ocidente: a guerra na Síria. A tragédia humanitária está para lá do narrável e os muitos milhares de mortos não podem deixar de pesar na nossa consciência, americana e europeia. À medida que o conflito avança, o massacre de populações civis continua sem dó nem piedade, sem compaixão nem misericórdia. Os milhões de deslocados, transformados em migrantes, arrastam-se pelas nossas proximidades.
O tabuleiro sírio é desde logo um dos campos da luta entre o Irão e a Arábia Saudita pela hegemonia regional. O Irão, fiado na construção de um grande corredor xiita até ao Mediterrâneo, que una o Iraque (maioritariamente xiita), a Síria (dominada pela minoria alauita) e o Líbano (com a sua potente minoria xiita, comandada pelo Hezbollah). A monarquia saudita, confiada no alastramento de uma mancha sunita ortodoxa até ao Mar do Meio, que ligue o Iraque (com um terço de sunitas) à Jordânia (também sunita) e ao Líbano (em que, embora abaixo de metade, predominam os sunitas). A Síria não é porém apenas a terra em que estes dois rivais fazem guerra por procuração.
2. A Síria é também, desde o início do conflito, mas agora mais claramente do que antes, o terreno onde o império russo defronta o império otomano, onde o czar se digladia com o sultão. Não se percebe como tantos observadores e comentadores, a partir de encenações efémeras, puderam alguma vez pensar que havia uma aliança entre a Rússia e a Turquia. Um alinhamento estratégico russo-turco seria um desenvolvimento geopolítico “contra-histórico”. É evidente o interesse turco na questão síria. À cabeça, pela necessidade de conter o separatismo curdo e a sua contribuição para a reconfiguração do mapa do Médio Oriente, com a pretendida junção das parcelas turca, síria, iraquiana e iraniana do Curdistão. Mas também pela apetência de Erdogan pelo restauro do espaço otomano ou, pelo menos, do “espaço vital” ou da “esfera de influência”. Ao que acresce, claro está, a afinidade sunita, que recomenda o afastamento dos alauitas de Assad do poder em Damasco. Não é menos ostensivo o interesse russo na região. O “domínio” da Síria não garante só uma posição de charneira no Médio Oriente; assegura também um acesso franco ao Mediterrâneo, com assento militar a Sul da Turquia, junto a Israel (a única potência nuclear da região) e diante do Chipre e da Grécia (velhos aliados do eixo ortodoxo, mas membros da “inimiga” União Europeia). Para a Rússia, a Síria é o outro braço da tenaz sobre a Turquia, que assim fica pressionada a Norte, designadamente a partir da península da Crimeia, recentemente incorporada, e pressionada a Sul, a partir de bases e tropas em solo sírio. Uma presença russa na Síria é o melhor garante de que o acesso ao Mediterrâneo, feito a partir do Mar Negro, pelo Bósforo, não fica no arbítrio exclusivo dos velhos rivais otomanos. E, como se tudo isto não bastasse, o controlo da Síria dissuade persas e sauditas de qualquer veleidade de canalizarem gás até ao Mediterrâneo e de assim se tornarem perigosos concorrentes dos russos no abastecimento de gás à Europa.
3. A etiologia da guerra, no entanto, não atenua o desastre, a catástrofe, a tragédia humanitária em curso. Uma tragédia que vai agora traduzir-se em mais uma gravíssima crise migratória nos umbrais da Europa. Esta nova crise constitui uma verdadeira tragédia, também naquela acepção que, faz muito tempo, me ensinaram nos bancos da escola. “Uma tragédia é um drama em que todos os personagens têm razão”. Na verdade, têm razão as dezenas de milhares de migrantes que se puseram em marcha rumo às fronteiras externas da UE (na Grécia e na Bulgária). A situação nos campos de refugiados é infra-humana, o regresso a casa é uma miragem, a entrada na Europa não há-de, pois, ser pior do que os últimos anos passados em longas marchas ou em detenção. Mas têm também razão as autoridades gregas, largamente apoiadas pela sua população, em não quererem deixar entrar novas vagas de migrantes. A Grécia, como todos os países de entrada, está outra vez sozinha na gestão da crise. Que futuro pode reservar aos migrantes que entrem? Campos miseráveis como os das ilhas gregas? Centenas ou milhares de seres deambulantes pelos centros de Atenas e Salónica, como se via em 2015-2016? A reacção dura – e aparentemente crua do Governo helénico – tem razão de ser. Não há guarda fronteiriça europeia, não há logística para avaliar, tramitar e processar pedidos de asilo e, pior que tudo, não há mais nenhum Estado europeu disposto a acolher e integrar os agora entrantes. Não subsiste qualquer mecanismo de acolhimento e distribuição equitativa dos migrantes. Todo o ónus e todo o gravame recai sobre a Grécia, impende sobre os gregos. Por força da absoluta incapacidade da União Europeia, a Grécia está de novo forçada a enfrentar, isolada e solitariamente, esta nova e enorme vaga de migrantes.
4. Os líderes das instituições europeias já mostraram a sua solidariedade com os gregos e descem hoje ao terreno. Mas sem indícios de qualquer solução política negociada entre os Estados da União para o curto e o médio prazo, os votos de boas intenções não passam disso mesmo.
A chantagem de Erdogan é inaceitável, a carga posta sobre a Grécia é sufocante, a situação dos refugiados e migrantes é terrível. Depois de quatro anos de inércia, estamos de novo em plena crise migratória. Qualquer que seja o seu desenlace, também a política interna de muitos Estados europeus vai sofrer as suas réplicas. A tragédia humana, que nunca pode ser desvalorizada ou relativizada, não veio só. E não vai ficar só.

NÃO Justiça portuguesa. Passou uma semana, a situação agravou-se e não há uma intervenção do vértice judicial ou da ministra da Justiça. Este silêncio causa danos incalculáveis à democracia e ao estado de Direito.
NÃO Ana Catarina Mendes. A uma líder parlamentar exige-se capacidade de negociação, de antecipação, de comunicação política e de assunção das responsabilidades. Falhou em todas as dimensões.

COMENTÁRIOS:
Carlos Diogo
MODERADOR:
Estou convencido que este problema será o problema maior que a UE vai ter de resolver . Infelizmente em vez de porem mãos à obra , deixam que outras potências mundiais se "divirtam" quase à nossa porta em jogos de poder. A solução para as migrações é unicamente evitar que as populações o tenham de fazer, garantindo condições de vida e emprego nos seus locais de origem. 03.03. 20
FPS EXPERIENTE: É mesmo... mas nem isso se faz que é porrada que ainda por cima desaba sobre elas. As primaveras de Obama foram uma verdadeira tragédia... hehehe. Cito aqui uma frase de Trump tem pouco tempo «deixem os russos combater os terroristas, nós ficamos com os recursos energéticos» É à descarada. Vergonha não h,  porque se aceita este domínio. 03.03.2020
jfaria INICIANTE: E enquanto a Europa não conseguir falar a uma só voz, vai continuar a ver passar os comboios mesmo debaixo do nariz. Como Europeu revolta-me esta impotência perante os Trumps, os Putins e até os Ergodans deste mundo. 03.03.2020
Mario Coimbra EXPERIENTE: Acabe com o Assad. E toda a gente volta. É simples. 03.03.2020
jfaria INICIANTE: Numa altura em que anda meio mundo a fazer quarentenas por causa do COVID19, esta situação ganha novos contornos que ultrapassam a questão humanitária e torna-se uma questão de saúde pública acabar com estas migrações descontroladas. Como? Não sei, é para isso que os governos existem. 03.03.2020
AndradeQB MODERADOR: Eu sei que a comunicação serve para mostrar e para esconder, mas custa a adaptação ao cinismo do politicamente correcto. Eu sei que quem fala contra os muros de Trump, está a defender redes de quadrícula fina e arames grossos e farpados, mas, mesmo assim, custa-me sempre ouvir este discurso de que se tem que abrir as nossas portas, no pressuposto que as casas ocupadas sejam de outros. 03.03.2020
Joao INICIANTE: Muita análise estratégica, muitas jogadas de xadrez político, muitas choraminguices, ... para demonizar o Erdogan e tentar distanciar os queridos de Bruxelas (Nato e UE) do Erdogan ... 03.03.2020
antonio rocha INICIANTE: Mais um hipócrita dos tais que apoiou incondicionalmente as famigeradas primaveras árabes. 03.03.2020
Armando Heleno EXPERIENTE: Não ofenda levianamente as pessoas. Diga aqui, abertamente, onde é que é hipócrita, o Sr Dr Paulo Rangel. Ficamos a aguardar. 03.03.2020


NOTAS da Internet:
Bashar al-Assad
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Presidente da Síria
… Bashar al-Assad foi inicialmente tachado como um "reformista" quando assumiu a presidência da Síria no ano 2000. Ele, contudo, perpetuou o sistema político deixado por seu pai Hafez al-Assad, concentrando em si toda a autoridade política, silenciando a oposição e colocando apoiadores e familiares em posições de poder dentro do governo.
Período pré-guerra civil: 2000–2011]
O começo de seu mandato foi marcado por uma esperança de mudanças democráticas, que foi frustrada com a continuidade da política de seu antecessor. Ante a ameaça da ideia de guerra preventiva levada a cabo pela administração norte-americana, a instabilidade do Líbano, na qual a Síria mantinha uma forte presença militar e as constantes tensões com seu vizinho Israel, Bashar al-Assad procurou manter um discurso reformista que poderia satisfazer os anseios da União Europeia e dos Estados Unidos, mas que na prática não produziu nenhuma concessão ao movimento de oposição do país. A forte pressão internacional sobre Bashar al-Assad após a morte do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, cuja autoria foi atribuída aos serviços de inteligência sírios, fez com que as tropas mantidas no Líbano fossem retiradas.
Bashar al-Assad foi reeleito em um referendo convocado no dia 27 de maio de 2007 onde conseguiu 97% de aprovação, mas ele concorreu sozinho. No dia 25 de junho de 2010, iniciou uma série de viagens pela América Latina, visitando Cuba, Venezuela, Brasil e Argentina.

Em 2011, frente a vários protestos no mundo árabe por reformas democráticas, o governo de al-Assad prometeu abrir mais a política do país para o povo. Porém frente à lentidão dessas mudanças, ou o não cumprimento da promessa, opositores ao seu regime começaram uma série de protestos pedindo o derrube do Presidente, que respondeu aos manifestantes com o envio de tropas do Exército para áreas em protesto. A violência da repressão do governo fez com que vários países pelo mundo, como os Estados Unidos, Canadá e União Europeia adoptassem sanções contra a Síria. Com as manifestações transformand-se em revolta armada contra o seu governo, os seus exércitos foram acusados, repetidas vezes, de crimes contra a humanidade, e a comunidade internacional e a oposição interna do seu país começaram a pedir a sua renúncia imediata da presidência, mas ele recusou-se e afirmou que continuaria na luta para se manter no poder. Por diversas vezes, Assad afirmou que o seu país é vítima de uma "conspiração estrangeira", envolvendo terrorismo, com o objectivo de desestabilizar a Síria. Em 2014, mesmo em meio a uma brutal guerra civil, com 191 mil mortos entre março de 2011 e abril de 2014, com quase metade da nação deslocada de suas casas e um-terço do país nas mãos da oposição, o governo Assad levou a cabo as eleições gerais para presidente. Com 88,7% dos votos, o líder sírio foi declarado vitorioso da eleição, cujo resultado foi considerado duvidoso por grupos opositores anti Assad e criticada por observadores internacionais do Ocidente. …

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