Ouvi uma vez mais as recomendações telefónicas
do João e refutei, pois tenho necessidade de andar, nem que sejam só alguns
metros, para desentorpecer ideias e esqueleto: não devo sair de casa, blá blá
blá, a fragilidade da idade, um corona traiçoeiro... É o que tenho feito, de
resto, tirando as compras, em estranhas condições de racionamento e obtenção,
mas nem me vou pronunciar. A informação mais estranha foi a de que a nossa
amiga tinha caído e magoado um pulso. Telefonei-lhe logo e, a seguir, à minha
irmã a avisar.
Fora na calçada à portuguesa, com quem
temos um contencioso de anos, devido às lombas e aos buracos. A nossa amiga uma
vez mais usou a voz timbrada e o gesto largo e nervoso que o telefone deixou
adivinhar, para protestar reiteradamente contra a calçada antiga. Eu lá vou
convivendo com ela, fugindo dos buracos e subindo as lombas causadas pelas
raízes das árvores, caminhando de olhos baixos, perscrutadores, a sugerir que
qualquer dia a canadiana ou a bengala serão companheiras inseparáveis, numa momentânea
distracção, de visualização mais a direito e mais distante.
A nossa amiga, uma vez mais, mostrou-se
mordaz contra a calçada, eu receitei, “regianamente”, “coisas que terei pudor de contar seja a quem for” da minha gaveta
dos remédios, incluindo álcool canforado, mas a nossa amiga falou em gelo, uma
tal pomada e um comprimido para as dores, que lhe deram alívio, nunca quer dar
parte de fraca, preferindo ironizar contra as pedras soltas da tal calçada da
nossa denguice nacional, ou antes, penúria na questão do cimento, mais liso e
mais prático e protector dos saltos, o cimento dos países amantes das energias e do progresso.
Mas também falei nos telefonemas
insistentes do João para que não saia de casa, na minha idade de risco, e logo
a nossa amiga justificou, com a sagacidade costumeira, de quem talvez receba
iguais avisos do filho Quim Miguel:
-“O
corona, quando chegou, a primeira coisa que ele avisou foi que não pode com os
oitenta, a novidade foi logo essa. É por isso que os filhos estão todos
assustados.”
Cá por mim, lembrei que o corona vinha
então a calhar numa sociedade como a nossa lusa, que propõe a eutanásia para
se libertar desses da inimizade do Covid 19, um benfazejo, pois, social…
Nenhum comentário:
Postar um comentário