quarta-feira, 11 de março de 2020

Uma carta e uma crónica



Carta de azeiteiro, crónica de João Miguel Tavares. A primeira, dirigida a Ricardo de Araújo Pereira, sublinhando a arrogância irrespeitosa e atrevida daquele, em artigo contra um estadista que, em tempos de penúria desenfreada, lançara mãos a uma tarefa de erguer o seu país, com rigor é certo, consciente de que só desse modo poderia travar o desastre nas finanças públicas, de modo a obstar a tanta desordem e dissipação trazidas da primeira República e, de resto, já da monarquia que a antecedera. Todos têm consciência do valor desse homem escrupuloso que, segundo a minha irmã, confessara à sua fiel empregada, que ela conheceu, que, quando morresse, só se lhe encontraria cotão nos bolsos. Compará-lo a Hitler, de facto, é daquelas enormidades que só gente moralmente pouco escrupulosa, ou brincalhona, pode permitir a alguém moralmente pouco escrupuloso, que as mais das vezes usa a troça soez e grosseira, embora rebuscada, como estandarte de realização, mau grado a inteligência que se lhe atribui na execução das suas piadas mistificatórias, em que se supõe mestre e que, tantas vezes, não passam de ataques directos e malcriados a figuras a quem pretende pôr soberanamente a ridículo, munido da sua altivez de clown rico e arrogante. E só um povo habituado à anedota grosseira de tasca não se confrange com tal vileza. A carta de azeiteiro é suficientemente explícita para que requeira outra justificação. Assim o é, igualmente, a crónica de João Miguel Tavares, sobre o domínio discursivo futebolístico como prenda “intelectual” dominante – obcecante - entre os nossos programas televisivos de análise cultural, imagem de um povo brincalhão habituado a discussões de tasca, impostos ardilosamente e fraternalmente nos diversos canais televisivos pelos seus programadores em cata de audiência.
I - Senhor Ricardo Pereira,
Li ontem, com toda a atenção, o artigo que escreveu na última edição da "Visão".Versa o excelso artigo produzido sobre o tema que agora está na moda: - Quais os Portugueses que mais se evidenciaram ao longo da nossa história.
Ensaia V. Exa. ao longo do mesmo artigo um conjunto de afirmações sobre Oliveira Salazar. Quem lhe pagou e encomendou o artigo?:
Começa por afirmar a sua admiração pela sua inclusão na famosa "Lista", compara-o a Adolfo Hitler e termina, afirmando, que se Salazar ganhasse o concurso seria a primeira vez que teria ganho umas eleições democraticamente. Perante o estilo leviano do artigo e a piadinha fácil, não me surpreende a comparação com A. Hitler. Surpreende-me, isso sim, que se tenha esquecido do óbvio.
O tal Adolfo foi eleito democraticamente na Alemanha. E democraticamente eleito conquistou quase toda a Europa e democraticamente eleito ordenou o holocausto. Numa guerra onde morreram milhões e milhões de Europeus.
Conclusão óbvia: - As eleições, mesmo as "democráticas" valem o que valem. Nesta 2ª Guerra Mundial não morreram Portugueses em combate. Sabe o Exmo. Senhor a quem deve tal feito: - Pois é! Ao tal que não foi democraticamente eleito.
Sabe o Exmo. Senhor os esforços diplomáticos que foram feitos para evitar a entrada de Portugal na Guerra? · Sabe quem gizou diariamente a estratégia? Sabe os riscos que corremos? As pressões que sofremos? Estimará quantos mortos morreriam se tivéssemos entrado briosamente no conflito? Muitos de nós hoje não estaríamos cá, pois os nossos pais ou avós teriam certamente tombado em combate! Sabe o estado em que Salazar herdou o país após a espantosa 1ª República, que estávamos mais endividados que hoje? Sabe a que estado de miséria chegou o povo que em 1928 abominava os partidos políticos, os quais considerava como os criminosos responsáveis pelo estado de ruína a que o país se encontrava, e que hoje estamos igualmente em idêntico estado de ruína por causa dos partidos que tanto gosta e defende! Sabe quem delineou, pela primeira vez, a viragem para a actual U.E.? Pois é: - O tal que não foi democraticamente eleito. Vá verificar, caro amigo. Leia. Sabe quem nunca fez obra? O que mandou construir a Ponte sobre o Tejo, a barragem de Castelo de Bode, o Aeroporto da Portela, e muito mais com dinheiro que nunca pediu emprestado como agora a estação de tv onde manda bacoradas o pede para lhe pagar. Sabe quem nunca abandonou 1 milhão de Portugueses nas ex-colónias à sua sorte/morte? Pois é, pois é.
Fácil foi fazer como se fez a seguir ao 25 de Abril. Fugir é sempre fácil. Além de ser próprio dos fracos e
dos cobardes que também o é, se assim não fosse não se colocava do lado deles.
Sabe quem morreu na miséria, tendo servido a causa pública sem receber uma atenção, uma recompensa, um prémio, uma benesse, uma jóia, um diamante, que não se reformou após dez anos a
roubar, sim, este nem sequer roubou, trabalhou uma vida inteira, os que agora defende roubam durante dez e reformam-se depois, não com uma mas duas ou três! Sabe quem foi íntegro no exercício do poder? Pois é, pois é. Se V. Exa. tem dúvida que Salazar ganharia todas as eleições durante o período que esteve no poder, está muitíssimo mal informado. Leia. Estude sobre a época. Que era alérgico a elas. Sem dúvida. E com razão, a meu ver.
Estude a 1ª República. Os governos que se sucederam. O desgoverno que se atingiu. Vem daí a alergia. E quanto à censura: - Pois. E a informação que temos hoje? Eu prefiro a censura do passado, evitaria ter de ler, por exemplo, o que tão infantilmente escreveu.
Numa palavra: Não escreva sobre o que não sabe. E ainda tem uma surpresa. Num país infestado pela corrupção, pela mediocridade e pela ambição desmedida pelo poder na busca da corrupção, eu, contrariado, votaria Salazar. E não seria o único, e ganhava, Garanto-lhe.
Leia e informe-se, a ignorância neste país é desmedida. Não fuja, pois, à regra. Cumprimentos azeiteiro.
II – OPINIÃO: O futebol português é Portugal em 90 minutos
Tem imensa graça ver clubes portugueses a falar em contratar Jorge Jesus, José Mourinho ou Nuno Espírito Santo – como se eles quisessem regressar à parvónia futebolística. É mesmo não ter a menor noção da mediocridade do nosso futebol.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 5 de Março de 2020
O futebol português é cada vez mais a cara chapada do regime. É Portugal concentrado, um microcosmos dos nossos piores defeitos em resumos de 90 minutos, que explica de forma bastante eficaz porque é que este país tem tanta dificuldade em passar da cepa torta, e porque é que continuamos gloriosamente a marcar passo na cauda da Europa.
Uma semana atrás, todas as equipas portuguesas ficaram de fora dos oitavos de final das taças europeias de futebol. Segundo li, tal fenómeno já não acontecia desde a longínqua temporada de 1978/79, há mais de quatro décadas, estávamos nós a tentar recuperar dos desvarios do PREC. Ou muito me engano, ou vai acontecer mais vezes. Não se trata de azar. Trata-se de uma queda constante da competitividade dos clubes no plano internacional. Há dez anos, era um escândalo não haver clubes portugueses nos oitavos da Liga dos Campeões. Agora, já nem na Taça UEFA o futebol nacional consegue ser relevante. Já éramos demasiado fracos para competir na liga dos primeiros; começamos a ser demasiado fracos até para competir na liga dos segundos. Benfiquistas, portistas e sportinguistas estão cada vez mais condenados a festejar as vitórias da paróquia, porque fora de Portugal são incapazes de ganhar a ucranianos ou a turcos. Quase todos são mais profissionais, mais bem organizados, mais dedicados ao jogo e com maior força mental.
Os resultados estão à vista: o máximo que Portugal pode ambicionar é ser capoeira de talentos locais. Os futebolistas estrangeiros mais promissores não querem vir para cá, a capacidade para reter talento é nula (João Félix foi seis meses titular no Benfica) e qualquer treinador prefere estar a lutar para não descer no campeonato inglês do que a lutar pela vitória no campeonato português. Tem imensa graça ver clubes portugueses a falar em contratar Jorge Jesus, José Mourinho ou Nuno Espírito Santo – como se eles quisessem regressar à parvónia futebolística. É mesmo não ter a menor noção da mediocridade do nosso futebol.
Pergunta: então como é que se explica que tenhamos sido campeões da Europa? Explica-se muito facilmente. O problema não está no talento dos jogadores portugueses, nem dos seus treinadores, onde o país é excepcional. Nuno Espírito Santo está a fazer uma campanha extraordinária em Inglaterra com jogadores portugueses que em tempos foram de segunda linha. O problema, como sempre, está na qualidade das instituições. A começar nos desgraçados clubes de futebol que temos, nos seus presidentes e na sua cultura de corrupção. Os estatutos que blindam os clubes à entrada de capital exterior são apresentados como uma garantia de que eles nunca deixarão de ser dos sócios, mas aquilo que na prática têm feito é agravar a falta de competitividade desportiva e cultivar presidentes incapazes, que se eternizam nos lugares, misturam negócios pessoais com negócios do clube, e escondem com berraria e queixas dos árbitros a sua profunda incompetência.
Isto não se passa apenas no futebol. Passa-se igualmente no país, que todos os anos perde competitividade para países europeus de dimensão semelhante. Estamos a ser ultrapassados por todos, tanto no PIB como na bola, e o porquê está à nossa frente em concentrados de 90 minutos. Tanto talento, tanto potencial atirado pela janela, só porque não há forma de o país meter na cabeça que a seriedade e as boas práticas empresariais são aquilo que nos torna mais competitivos. Não são os berros, nem o fanatismo, nem a demagogia.
Jornalista
COMENTÁRIOS
Francis INICIANTE: Para se emitir uma opinião, não se pode ir na ilusão da espuma dos últimos acontecimentos. Há que ter um mínimo de perspectiva. O conjunto dos clubes portugueses estão classificados objectivamente na UEFA em 6º lugar, depois dos clubes dos grandes países do futebol, e à frente de “pequenos” países como a Rússia , Ucrânia, Turquia, Polónia, Holanda …Mesmo na época desastrosa de 2019/20, Portugal está em 5º lugar , imagine-se só!... Este estado de espírito do JMT, é típico dos benfiquistas que descobriram que, afinal, e ao contrário do que lhes diziam, o Benfica desde sempre foi o clube que mais recorreu à corrupção. Vai daí , parece que chegou o armagedão ao futebol… Um jornalista corrompido por esta falta de objectividade, ficaria em último no ranking europeu ... 05.03.2020
jmtavares EXPERIENTE: Meu caro, eu estou a falar de uma tendência, e não de rankings absolutos, porque os rankings absolutos são dificílimos de estabelecer. Isso implicaria analisar qual a importância dada ao futebol em cada país. Em Portugal, infelizmente, ela é quase absoluta. Nos últimos Jogos Olímpicos, nós ganhámos 1 medalha. A Holanda ganhou 19 nos Jogos Olímpicos de Verão e 20 medalhas nos Jogos Olímpicos de Inverno. Não me parece que os holandeses só pensem em bola, como nós. 06.03.2020
asvenancio INICIANTE: Muito bem observada a analogia expressa no artigo, com a qual estou totalmente de acordo. E muito bem escrito. 05.03.2020
rafael.guerra EXPERIENTE: Com 1 ou 2 jogadores lusos perdidos em cada uma das nossas equipas eliminadas, chamar "futebol português" àquilo é como dizer que uma coisa com 14% de cacau é chocolate... 05.03.2020
Pedro Paulino INICIANTE: Uma boa parte da culpa de Portugal ser como é não virá deste gosto e prazer meio masoquista em dizer mal, mandar abaixo, criticar tudo e mais alguma coisa? Mesmo quando não se percebe nada do assunto? Taça UEFA não existe há bastantes anos que eu saiba, chama-se liga Europa. E o futebol deixou de ser um desporto há muito tempo. É um negócio (longe de ser corrupto só em Portugal... Ucrânia e Turquia são exemplos de isenção e rigor??? Serve tudo para dizer mal, realmente), e Portugal não é propriamente um país grande e rico. É mais que natural não podermos competir com países muito maiores que nós. Mas dizer mal parece estar acima de todos os critérios... 05.03.2020
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade EXPERIENTE: O grande responsável por esta situação tem um nome: o povo português. Os inconformados emigram. Mas a larga maioria resigna-se a este estado de coisas. É incapaz de esboçar um grito de indignação ou incomodidade. Portugal é bom para comer, beber e fazer praia. No resto, não é um lugar de gente séria. É a vida. 05.03.2020
José Cruz Magalhaes MODERADOR: Falta entender, se quiser, que os "ilustres" do futebol definem o espectáculo como indústria, o que é um paralelo interessante, para conferir credibilidade a um "mercado" pouco transparente, sempre inflaccionado, mas à beira da falência, tal como muitas empresas. 05.03.2020
londonlad INICIANTE: Faltou dizer que sendo "a cara chapada do regime" está a abarrotar de brasileiros e outros! 05.03.2020
Jorge Manuel Gonçalves INICIANTE: Estou longe do campo ideológico de JMT mas estou (muito) próximo do diagnóstico traçado. Quer queiramos ou não, não é o deslumbramento tecnológico ou os milionários financiamentos comunitários que nos irão desmontar o lastro cultural que nos prende a um secular atavismo. 05.03.2020
Caetano Brandão INFLUENTE: Muito bem escrito como de costume, e com muitas verdades doa a quem doer: a mediocridade é a regra neste país os que se destacam sempre que podem fogem e vão para onde sabem reconhecer o seu valor. O nível dum país é transversal a todas as áreas e esta nossa mania de achar que há coisas em que nós somos o máximo, tipo serviço nacional de saúde o melhor do mundo, é uma palermice sem qualquer tradução real. 05.03.2020
Nuno Silva EXPERIENTE; Longe de mim gostar do jogo da bola, e dos negócios corruptos e comentadores malcriados e de estalada, a verdade é que estamos em 6º no ranking da FIFA, enquanto que o jornalismo português está em 342º no ranking (é que nem uma orelha do Pulitzer para amostra)... 05.03.2020
Carlos Diogo MODERADOR: Isso é a nível de selecções, a nível de clubes (UEFA) estamos em 7 da Europa e temos vindo a cair. 05.03.2020
João Rodrigues INICIANTE: Muito bom ! Realmente o futebol em Portugal sendo genericamente paroquial lá vai produzindo umas coisitas, mas o jornalismo...

Nenhum comentário: