E assim vamos estrebuchando, ao sabor
dos casos, com muita parra e a uva insuficiente para apaziguar e recomeçar. Um
texto bem concebido de Rui Ramos, com observação e humor qb, em tempo de
crise.
Porque é que a política é imune ao vírus? /premium
Na União Europeia, o problema é agora
o que já era há dez anos: deve o norte dar mais dinheiro ao sul, ou não? O
vírus que nos dizem que vai mudar o mundo não nos fez mudar de discussões.
RUI RAMOS Colunista do Observador
OBSERVADOR, 27 mar 2020
As
lojas fecham, as auto-estradas esvaziam-se, as pessoas ficam em casa. Mas há
uma coisa que não fecha, que não se esvazia nem fica em casa: a política. Sim, ao
contrário da economia ou da educação, a política parece imune ao vírus. As coisas podem fazer-se de maneira diferente, mas
fazem-se, e toda a gente pensa nelas. É assim que, em Portugal, perguntamos se
o presidente da república vai recuperar da sua quarentena inicial, ou se
António Costa se comprometeu com o “não falta nada”. Lá por fora, não é
diferente. Nos EUA, basta dar uma vista de olhos pelas colunas de opinião: a
grande questão continua a ser Trump. Há um par de meses, julgava-se que a economia o ia
manter na Casa Branca. Agora, há quem espere que a recessão lhe possa tirar
esse trunfo. Quase se
fica convencido de que para a esquerda americana, se o vírus impedir um segundo
mandato de Trump, não terá sido uma coisa totalmente má. Para Henrique
IV, Paris valia uma missa; para os Democratas americanos, a presidência dos EUA
parece valer uma epidemia.
A guerra das ideologias também não foi de quarentena. Na imprensa e nas redes sociais, o vírus tem sido
convidado a militar nas mais variadas causas. Os governos fizeram parar as
economias para conter a infecção. Que fazer a seguir? Baixar impostos, dizem
uns. Nacionalizar, dizem outros. Nos EUA, os Democratas
ameaçaram bloquear a ajuda à economia se fosse demasiado favorável às empresas. A questão é sempre a mesma: menos
Estado, ou mais Estado? Na União
Europeia, o problema é agora o que já era há
dez anos: deve o norte dar mais dinheiro ao sul, ou não? O vírus que nos dizem que vai mudar o mundo não
nos fez, por enquanto, mudar de discussões.
As
questões ditas “práticas” não estão, só por isso, politicamente menos
carregadas. Nova
Iorque, segundo o seu governador, tem 4000
ventiladores e precisa de mais 30 000. A ideia, por isso, é demorar a infecção,
até a capacidade ser maior. Mas para atrasar a infecção, é preciso parar a
economia. Até agora, poucos governos quiseram passar por complacentes.
Quase só Bolsonaro no Brasil ou, à esquerda, López Obrador no México, contestaram um encerramento total. Admite-se,
porém, que as quarentenas possam durar ou ser recorrentes até à descoberta e
aplicação da vacina. Haverá economia no fim disto tudo? É provável que, nos bastidores, haja mais
governos a vacilar, sem saber o que temer mais: o número de
infectados hoje, ou o número de desempregados amanhã? Sim,
há a ciência, mas há também e sempre a política: a escolha, a decisão, o risco.
A ideia de que é possível
suspender a política, como se fecham os teatros ou as barbearias, é uma ilusão. Nem em Maio de 1940, em guerra com Hitler, a elite
política inglesa deixou de divergir e de conspirar: foi aliás assim que
Churchill, depois de uma vida de insucessos, tomou conta do governo. Mas a
política não é simplesmente um mau hábito. A sua suspensão, se não fosse uma
ilusão, seria um erro. Por duas
razões. Primeiro, porque o escrutínio e o debate, por mais morosos e
incómodos, ainda são os melhores meios de que a humanidade dispõe para limitar
erros. Depois, porque sabemos que momentos como os actuais, de incerteza e
abalo, foram frequentemente cruciais no enquadramento ideológico das sociedades.
Sem o choque da Grande Depressão de 1929, talvez as
ideias a que chamamos “keynesianas” nunca se tivessem tornado tão
atraentes. Da mesma
maneira, sem o abalo da Grande Inflação de 1973, é também provável que as
ideias que conhecemos como “neo-liberais” nunca tivessem tido tanta influência. Não esperem, por isso, que a política entre em
quarentena. Esta é uma
emergência, mas é também — por mais que isso choque as boas almas — uma
oportunidade para as ideologias e para as carreiras de quem disputa o poder. O
homem é sempre um animal político. Mesmo quando está doente.
ANTÓNIO COSTA
CORONAVÍRUS DEMOCRACIA DONALD TRUMP FILOSOFIA
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COMENTÁRIO: Zacarias Bidon: Pole position !
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