Teresa de Sousa é uma
jornalista séria que ama o seu partido e defende com admiração sincera o seu
chefe. Há quem a critique por isso. Mas quem nos dera que fossem verdadeiras as
palavras de satisfação com que António
Costa expõe, em voz altissonante, aquilo que diz que fez ou que promete vir a
fazer mau grado as ameaças de um desfazer próximo. Vamos esperando. E leiamos
os comentários pró e contra, que ajudam à festa ou ao cepticismo.
SEM FRONTEIRAS
Exercícios de risco
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 5 de Junho de 2016
1. António
Costa resolveu fazer dois exercícios de risco durante o Congresso do PS,
tirando-o da zona de conforto habitual dos congressos partidários e, em
primeiro lugar, dos que estão no poder, como é o caso. O primeiro exercício é o
mais simples e menos arriscado, mas ainda assim importante. O seu
discurso de abertura tinha uma mensagem essencial: as promessas que fez a
partir do programa que apresentou aos eleitores foram ou estão a ser cumpridas. Parece banal, mas não é. Habituámo-nos (cá e por
essa Europa fora) a que quase nada do que se diz nas campanhas seja para valer.
A justificação é sempre a mesma: a herança do governo anterior, inesperadas
mudanças na cena internacional ou a culpa não é nossa, é de Bruxelas.
Apenas dois exemplos. Em 2011, Pedro Passos Coelho fez uma campanha em que, já
com o conhecimento do “programa de ajustamento”, ainda conseguiu dizer que não
ia cortar o subsídio de Natal a ninguém ou aumentar os impostos. Em França,
François Hollande não levou muito tempo a abandonar as promessas bastante
radicais com que venceu Sarkozy em 2012: entre elas, o ataque às instituições
financeiras e às grandes multinacionais (através dos impostos), e a rejeição do
Pacto Orçamental. A meio do caminho, inverteu a marcha e apresentou um programa
mais moderado, ditado pela necessidade de criar as condições para melhorar a
competitividade da economia francesa, incluindo, por exemplo, uma reforma das
leis laborais que está hoje a pôr a França em pé de guerra. Chamou o mais
liberal dos socialistas franceses, Manuel Valls, para desempenhar a missão. Um
dos colunistas habituais do Le Monde defendia
com bastante cinismo mas alguma graça que era uma sorte que a maioria dos
governos franceses não cumprisse as promessas eleitorais. O problema é que
essa é uma das razões pelas quais a política e os políticos estão hoje
desacreditados nas democracias ocidentais, ao ponto de abrir cada vez mais
espaço às propostas populistas que se alimentam da revolta dos eleitores contra
o sistema. António Costa
é teimoso, toda a gente sabe. Há promessas que fez que são difíceis de
compreender (por exemplo, as 35 horas ou o IVA da restauração) e outras
acabaram por ser desvirtuadas pelo preço que teve de pagar aos partidos à sua
esquerda. Mas levou
a peito o cumprimento de muitas delas e na noite de sexta-feira enumerou-as uma
a uma. O seu objectivo de médio prazo é provar que há alternativa no quadro
europeu. Colocou a fasquia mais alta e é por aí que será avaliado. Sabe que os
tempos que se avizinham serão mais duros do que os que decorreram desde a
tomada de posse do Governo. A economia internacional dá sinais preocupantes. A
economia europeia ainda não saiu completamente do risco de estagnação e de
deflação. As duas coisas podem afectar a economia portuguesa, cujo crescimento
é vital para a redução do défice e da dívida. Em Berlim ou no Eurogrupo ninguém
dá mostras de olhar com mais compreensão as infinitas medidas de austeridade
impostas aos países da periferia, transformadas agora numa ameaça de sanções,
que não se percebe se resultam de uma mera questão ideológica (mais contra este
governo, do que com o que foi responsável pelo desvio do défice), ou de pura
indiferença na aplicação das regras. O próximo grande desafio do Governo é
percorrer este caminho de obstáculos sem perder a credibilidade interna nem
romper com Bruxelas.
2. E
aqui chegamos ao segundo exercício de risco, este sim verdadeiramente
desafiador. Convidar Pacheco Pereira, Ana Drago
e, do lado socialista, Pedro Silva Pereira para iniciar os trabalhos de ontem
com um debate totalmente livre sobre o futuro do socialismo na Europa, foi tudo
o que os Congressos partidários não costumam ser. Não é só o facto de a Europa
ser a maior fractura política da geringonça. O debate europeu em Portugal
raramente sai dos lugares comuns, limitando-se a enumerar os grandes princípios
do nosso compromisso com a Europa. Pacheco Pereira, como era previsível, colocou em cima da mesa
questões muito mais difíceis, ainda que fundamentais, e as suas respostas não
são as do primeiro-ministro. Concordando
ou não com ele, disse muitas coisas que muita gente pensa e que não se atreve a
dizer. Tocou em dois ou três pontos essenciais. A questão da democracia num
quadro de partilha de soberania em que os cidadãos se confrontam com o facto de
o seu voto não ter valor. O papel da social-democracia nestes tempos
conturbados em que a receita europeia é ditada por um pensamento conservador de
direita ao qual, diz ele, o centro-esquerda se rendeu, abandonando a essência
do seu programa ideológico: combater as desigualdades. A política de “punição”
europeia, independentemente das suas consequências económicas e políticas.
Pacheco Pereira nunca teve uma grande simpatia pela integração europeia, na
forma como aconteceu, e é esse ainda o seu ponto de partida para uma visão mais
soberanista. Mas as perguntas que faz merecem absoluta
atenção. A questão da democracia, creio
que não advém tanto da partilha de soberania e da fiscalização das contas
públicas (como lembrou Silva Pereira, não há zonas monetárias sem regras comuns), mas da imposição de soluções sem alternativa. O problema é outro e esse sim prende-se com a
social-democracia. A globalização alterou radicalmente as regras do jogo
político e económico mundial, afectando duramente as democracias desenvolvidas
do Ocidente, cuja
riqueza pronta a ser distribuída com equidade também provinha do total domínio
da economia mundial. É um
problema que está longe de estar resolvido e que, à falta de uma
resposta de centro-esquerda, alimenta toda a espécie de populismos, de
nacionalismos e de proteccionismos. Durante
duas décadas, o bom comportamento das economias ocidentais e a facilidade do
crédito chegaram à social-democracia para combater (ou disfarçar) a crescente
desigualdade que as novas condições da concorrência internacional traziam
consigo. A crise financeira mudou tudo. Mas não vale a pena atribuir as culpas
todas à Terceira-Via, como agora está na moda. Ela teve o mérito de tentar
adaptar a protecção social e o combate às desigualdades ao reino dos mercados
globalizados, preocupou-se com a necessidade de fornecer instrumentos aos que
ficaram para trás, estabeleceu uma relação directa entre benefícios e
responsabilidades. Não insistiu como devia na necessidade de regular os
mercados e é verdade que falhou em grande medida. Mas não é certamente o
regresso ao passado que pode devolver-lhe um papel político fundamental nas
democracias desenvolvidas. Olhando à nossa volta, é fácil
compreender que é no quadro europeu que se podem encontrar alternativas que
mostrem aos cidadãos que não são os mercados que ganham sempre e que a Europa é
suficientemente grande e rica para poder inverter essa lógica. Tarefa
ciclópica? Certamente. Pedro Silva Pereira contrabalançou as ideias de Pacheco
Pereira, lembrando que é conveniente não deitar fora o bebé com a água do
banho. Se a Europa se deixar morrer de morte lenta ou pura e simplesmente
implodir, todos os países europeus vão perder. Mas os que são mais pequenos e
mais frágeis perdem duplamente. Não há jangadas de pedra no mundo em que
vivemos.
3. O
mérito de António Costa foi justamente não temer este debate, em que as razões
de Pacheco Pereira são porventura mais fáceis de aplaudir do que as dele.
Mas há uma coisa em comum. A Europa não sobreviverá se não abandonar
rapidamente a ideia de que uns mandam e outros obedecem. Que uns decidem em
função dos seus interesses e do seu poder e outros são cobaias obedientes. A
Europa atravessa uma crise profunda. O melhor que há a fazer é tentar salvá-la
de um triste destino. Para isso todos têm de contribuir.
COMENTÁRIOS
Miguel Martel Lima EXPERIENTE: Este texto, cheira a branqueamento dos partidos do
governo, de extrema esquerda... Quanto ao vivermos em democracia, ridículo. Só
quem não tem noção do que é viver numa, nem o que é viver numa cleptocracia (vá
viver para Angola!), é que faz confusões. Até quando? 05.06.2016
José Manuel Martins MODERADOR: Mas o 'a culpa não é nossa, é de Bruxelas'
é, como a jornalista sabe muito bem, a epígrafe ou espada de Dâmocles às
avessas colocada à cabeça deste mesmo congresso! Não sofisme 'honestidades'
onde só há a manha sebácea de sempre. E seja coerente consigo própria: Hollande
foi 'a meio caminho', e Costa será, como sabe, antes de meio caminho: no
próximo fecho de contas do fim de ano. O plano B já anda aí (e que tal ler
a crónica de Manuel Carvalho, antes de vir acender velas ao 'honesto
Costa', esse mistificador absoluto?). Este amplificador serve-lhe de alguma
coisa? Para quê comprometer a sua reputação exemplar de jornalista com um
aldrabão descarado que, no fim, será pior que Sócrates? Para quê correr esse mesmo
'risco' (que, no caso de Costa, se limita a aldrabar de outra maneira)?
05.06.2016
13:57
Francisco Tavares MODERADOR Excelente texto. E o Pacheco Pereira tem sido objectivo,
frontal e ousado, chamando os verdadeiros nomes às coisas. De facto, os
progressos sociais feitos no séc. XX, em especial a seguir à 2ª Grande Guerra,
têm estado a ser sistematicamente postos em causa não só pela burocracia de
Bruxelas obediente a Berlim, como por partidos políticos que, aparentemente,
também obedecem aos ditames de Berlim, provocando o empobrecimento dos países
menos privilegiados pela sua posição geográfica (os países periféricos). A
população, que é maioritariamente esquerda, tem que responder em bloco às
afrontas que a direita ultimamente tem urdido. Que todos entendam que a união
de toda a esquerda é essencial para manter e alargar o progresso social de modo
a que haja cada vez mais justiça social. 05.06.2016
Miguel Martel Lima EXPERIENTE: Pois..., mas a pobreza, a falta de apoios sociais,
está associado a regimes vermelhos, de esquerda. Basta saber como era na URSS
ou é na China ou Coreia do Norte. O estado social, foi criado por governantes
monárquicos, caso do prussiano, no tempo do chanceler Otto Von Bismark, séc.
XIX. 05.06.2016
Francisco
Tavares, MODERADOR: Boa tarde,
Miguel Lima. Pois é. Mas Otto von Bismark instituiu a lei de acidentes de
trabalho, o reconhecimento dos sindicatos, o seguro de doença, acidente ou
invalidez entre outras, convencido de que só com a acção do estado na resolução
destes problemas se poderia fazer frente às novas ideias políticas nomeadamente
ao crescente movimento social democrata durante a década de 1880. Mas na Rússia e na China a realeza não o permitiu e
por isso é que a Revolução triunfou. A leste sempre houve mais atraso e menos
desenvolvimento. Mas o verdadeiro Estado Social é o que surge a seguir à 2ª
Grande Guerra. E em Portugal, só a seguir ao 25A. 05.06.2016
Miguel Martel Lima, EXPERIENTE: De facto, o aumento dos apoios sociais deu-se após a II
GGuerra, o que não admira, face à miséria em que diversos países ficaram. E foi
uma forma de consolidar o regime democrático. Em Portugal, NÃO foi depois do
25A, mas antes, embora não tão abrangente nem como verbas maiores. Seja como
for, uma obra precisa de infraestruturas e foi aí que o regime começou! Só como
exemplo, os maiores hospitais nacionais, têm mais de 60 anos, grande parte das
infraestruturas hospitalares e da seg. social, têm mais de 40 anos. O edifício
sede do ministério do trabalho. O mérito é maior se considerarmos que tudo foi
construído sem euro-esmolas, com trabalho e gestão portugueses. Actualmente, os
apoios continuam a ser dos piores da Europa e por esta apoiados . Apesar disso,
estamos a cair..., até quando? 06.06.2016
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