quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Mas… e a relatividade?


É tudo tão precário, que mesmo na questão dos saberes nos achamos todos muito limitados. Já Sócrates – o outro - tinha dito “só sei que nada sei”, ditame a que de imediato aderi. Além disso, como vivemos em democracia, todos os saberes se equivalem, até mesmo, segundo aprendi no meu estágio, feito naqueles idos pós-Abril, os saberes dos meninos em relação aos dos professores, o que me causava engulhos, pois estava ali para transmitir segundo os programas oficiavam, mas os meninos também, pois se lhes pedia  criatividade a eles e impunha-se modéstia aos professores, apagamento, enfim, como aos pavios das velas de cera. De modo que passei modestamente a apagar-me, para destacar os saberes e a criatividade dos meninos – pelo menos nesse ano do estágio e nessa pedagogia centrada no aluno, ou seja, na baboseira e no caos.

 

«COGITO, ERGO SUM»

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÂO, 18.11.20

Deste mundo fazem parte três categorias de pessoas:

As que sabem e pensam por si próprias;

As que não sabem mas estudam e passam a pensar;

As que não sabem nem estudam, se viram para o outro lado e continuam a consumir oxigénio.

A inércia social que se opõe ao desenvolvimento mede-se por aqueles que não sabem nem querem saber e que espantariam Descartes se soubesse que há gente que não pensa mas que, contudo, existe.

Novembro de 2020

Henrique Salles da Fonseca

Tags: sociologia

 

COMENTÁRIOS:

Anónimo 18.11.2020: Existem e votam!

Henrique Salles da Fonseca 19.11.2020: Pois! Esqueci-me desse "pormenor". Talvez fosse bom adoptar-se a sugestão de Platão só atribuindo o direito de voto (a carta de condução, etc, a cidadania total) a quem possua o ensino obrigatório.

Anónimo 19.11.2020: Ontem, quando vi o teu post, concordei e concluí que nada tinha a acrescentar de útil, pelo que disse para com os meus botões “desta vez vou poupar o Henrique e os seus leitores aos meus comentários”. Ainda sorri porque me lembrei do meu livro de texto da cadeira de Filosofia, de capa vermelha, que tinha a célebre frase cartesiana gravada na capa, o que obrigou o professor a começar o curso, explicando-a. E como o tempo é agora bastante, ainda me entretive a juntar filosofia à lógica matemática, construindo a seguinte transitividade: se é verdade que penso então existo, também é verdade, porque será matematicamente equivalente, que não existindo não penso. E com isto fui deitar-me descansado. De manhã, acordei com uma dúvida (já te tenho dito que os teus textos têm o condão de suscitá-las onde não existiam) – mas será que há pessoas que, existindo, não pensam? E seguindo o método cartesiana, outra dúvida me assaltou: não pensam ou só aparentemente não pensam? E que causas explicam um e outro fenómeno? As dúvidas inquietaram-me e voltei a reler o teu texto, em relação ao qual já existia comentário, análogo ao que eu já tinha formulado para comigo – existem, não pensam e votam. Mas de novo Descartes fez que pusesse em causa o meu pensamento. Pondo de parte as chapeladas eleitorais e outas condicionantes anómalas eleitorais, como as que se operam em regimes ditatoriais, lembrei-me da eleição imprevisível de Donald Trump, de há 4 anos. Mas seria que os americanos tinham ensandecido? Não pensaram? Os comentadores e politólogos que haviam previsto a eleição da rival Hillary Clinton vieram depois dizer que a eleição de Trump se devia a várias razões, a saber: Hillary era detestada por muitos eleitores pois representava o pior de Washington, o establishment, e, por outro lado, Trump, além de vir de fora do “sistema”, tinha dado voz aos Estados da “ferrugem” que viram as indústrias desaparecerem com a globalização e com a deslocalização das mesmas para o México e outros países, para além dos postos de trabalho terem sido ocupados, preferencialmente, por migrantes. E sabemos que a probabilidade de reeleição de Trump em 2020 era muito elevada se não tivesse sido a gestão calamitosa que fez da pandemia. Mesmo assim, 72 milhões de americanos ainda votaram nele. Não pensaram? Não creio.
Uma dúvida que durante muitos anos me assaltou foi por que razão um povo culto como o alemão elegeu democraticamente
Hitler
. Não pensaram? Depois, com o tempo, vim a ter conhecimento do punitivo Tratado de Versalhes, com que a 1ª guerra mundial terminou, as indemnizações astronómicas que a Alemanha tinha que pagar, a ocupação do Ruhr pela França e pela Bélgica, no início dos anos 20 para garantir o pagamento daquelas indemnizações, a hiperinflação que então se registou na Alemanha, a depressão mundial do final dessa década, a selecção dos socialistas e sociais-democratas alemães como principais adversários políticos dos comunistas em vez dos nazistas, “os amanhãs que cantam”, etc. E como o anómalo e criminoso regime nazi, uma vez no poder, conseguiu ter pessoas que perpetrassem tantos crimes? Não pensavam? Como pessoas normais foram cúmplices ou executoras de tão horrendos crimes? Não é o momento de desenvolver o tema, mas remeto para o pensamento da célere filósofa judia alemã Hannah Arendt que dá um ensaio de resposta no seu livro “As origens do totalitarismo” e na sua polémica tese “A banalidade do mal” que defendeu no seu livro “Eichmann em Jerusalém”. Em suma, Henrique, depois destas minhas reflexões na linha do "Discurso do Método", continuo a concordar contigo que há quem, existindo, não pense e com essa atitude leve a uma inércia social que se opõe ao desenvolvimento, mas com a seguinte nuance – há também quem só aparentemente não pense e essa aparência pode ter, e tem, certamente, causas múltiplas e algumas delas insondáveis, possivelmente até para os próprios. Abraço amigo. Carlos Traguelho

Henrique Salles da Fonseca 19.11.2020: Bom dia Caro Dr. Henrique Salles da Fonseca, Iniciaria o meu comentário com uma das suas frases “……aqueles que não sabem nem querem saber, espantariam Descartes se soubesse que há gente que não pensa…”  De facto, a maior preocupação de Descartes foi procurar a certeza no conhecimento. Conta ele, que, certa noite, estava sentado junto a uma lareira, no seu acampamento militar e começou a duvidar de tudo o que havia aprendido até então: E se tudo o que sabia estivesse errado? Poderia estar certo de alguma coisa? ”Os sentidos” – meditou, “indicam-me agora que estou junto a esta lareira, rodeado de árvores e debaixo das estrelas”. Mas os sentidos enganam-se por vezes e, quando estou a dormir, vejo coisas que me parecem reais, mas que só existem na minha imaginação. Mas, continuou a sua reflexão: “se duvido, é porque estou a pensar”. Desde logo, a sua tendência para a verdade matemática lhe parecia seguríssima: dois e dois são quatro, esteja a dormir ou acordado. O pensamento de Descartes causou impacto em toda a Europa e teve, como sabemos, imensos seguidores e entusiastas, alguns corroborando as suas ideias, outros defendendo outras teses. Espinosa, por ex., embora considerando-se discípulo de Descartes, diverge dele, defendendo a separação entre a necessidade mecânica e as almas, dotadas de livre arbítrio. Para Espinosa a mente humana é uma força pensante ou um acto de pensar: uma ideia. A mente humana é uma actividade pensante. E quanto mais rica a experiência mental, mais rica e complexa a reflexão, isto é, o conhecimento que a mente terá de si mesma. Para Locke, como para Descartes o objectivo do conhecimento humano são as ideias, mas, para ele, não há ideias que não provenham da experiência. E aqui, Caro Dr. Henrique Salles, atrevo-me a tecer a interrogação: mesmo para os que não pensam, a experiência, as lições da vida, as boas experiências que, por vezes, se aprendem não com o conhecimento da escola mas com experiências interpessoais serão uma outra categoria?!
A razão, o raciocínio leva-nos a pensar, a imaginar, a experienciar, a reflectir: “COGITO, ERGO SUM”. ======================
* in
História da Filosofia sem medo nem pavor” de Fernando Salvater Os meus melhores cumprimentos e bem haja por nos activar o raciocínio. Mª Emília Gonçalves


 

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