É tudo tão precário, que mesmo na
questão dos saberes nos achamos todos muito limitados. Já Sócrates – o outro -
tinha dito “só sei que nada sei”, ditame
a que de imediato aderi. Além disso, como vivemos em democracia, todos os
saberes se equivalem, até mesmo, segundo aprendi no meu estágio, feito naqueles
idos pós-Abril, os saberes dos meninos em relação aos dos professores, o que me
causava engulhos, pois estava ali para transmitir segundo os programas
oficiavam, mas os meninos também, pois se lhes pedia criatividade a eles e impunha-se modéstia aos
professores, apagamento, enfim, como aos pavios das velas de cera. De modo que passei
modestamente a apagar-me, para destacar os saberes e a criatividade dos meninos
– pelo menos nesse ano do estágio e nessa pedagogia centrada no aluno, ou seja,
na baboseira e no caos.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÂO, 18.11.20
Deste mundo
fazem parte três categorias de pessoas:
As que sabem
e pensam por si próprias;
As que não
sabem mas estudam e passam a pensar;
As que não
sabem nem estudam, se viram para o outro lado e continuam a consumir oxigénio.
A inércia
social que se opõe ao desenvolvimento mede-se por aqueles que não sabem nem
querem saber e que espantariam Descartes se soubesse que há gente que não pensa
mas que, contudo, existe.
Novembro de 2020
Henrique Salles da
Fonseca
Tags: sociologia
COMENTÁRIOS:
Anónimo
18.11.2020: Existem e votam!
Henrique Salles da Fonseca 19.11.2020: Pois! Esqueci-me desse "pormenor". Talvez
fosse bom adoptar-se a sugestão de Platão só atribuindo o direito de voto (a
carta de condução, etc, a cidadania total) a quem possua o ensino obrigatório.
Anónimo 19.11.2020: Ontem, quando
vi o teu post, concordei e concluí que nada tinha a acrescentar de útil, pelo
que disse para com os meus botões “desta
vez vou poupar o Henrique e os seus leitores aos meus comentários”. Ainda sorri
porque me lembrei do meu livro de texto da cadeira de Filosofia, de capa
vermelha, que tinha a célebre frase cartesiana gravada na capa, o que obrigou o
professor a começar o curso, explicando-a. E como o tempo é agora bastante,
ainda me entretive a juntar filosofia à lógica matemática, construindo a
seguinte transitividade: se é verdade que penso então existo, também é
verdade, porque será matematicamente equivalente, que não existindo não penso.
E com isto fui deitar-me descansado. De manhã, acordei com uma dúvida (já te
tenho dito que os teus textos têm o condão de suscitá-las onde não existiam) –
mas será que há pessoas que, existindo, não pensam? E seguindo o método
cartesiana, outra dúvida me assaltou: não pensam ou só aparentemente não
pensam? E que causas explicam um e outro fenómeno? As dúvidas
inquietaram-me e voltei a reler o teu texto, em relação ao qual já existia
comentário, análogo ao que eu já tinha formulado para comigo – existem, não
pensam e votam. Mas de novo Descartes fez que pusesse em causa o meu
pensamento. Pondo de parte as chapeladas eleitorais e outas condicionantes
anómalas eleitorais, como as que se operam em regimes ditatoriais, lembrei-me
da eleição imprevisível de Donald Trump, de há 4 anos. Mas seria que os
americanos tinham ensandecido? Não pensaram? Os comentadores e politólogos
que haviam previsto a eleição da rival Hillary Clinton vieram depois dizer que
a eleição de Trump se devia a várias razões, a saber: Hillary era detestada por muitos eleitores pois representava o
pior de Washington, o establishment, e, por
outro lado, Trump, além de vir de
fora do “sistema”, tinha dado voz aos Estados
da “ferrugem” que viram as indústrias desaparecerem com a
globalização e com a deslocalização
das mesmas para o México e outros países, para além dos postos de trabalho
terem sido ocupados, preferencialmente, por migrantes. E sabemos que a probabilidade de reeleição de Trump em
2020 era muito elevada se não tivesse sido a gestão calamitosa que fez da pandemia. Mesmo assim, 72 milhões de americanos ainda votaram
nele. Não pensaram? Não creio.
Uma dúvida que durante muitos anos me assaltou foi por que razão um povo
culto como o alemão elegeu democraticamente Hitler.
Não pensaram? Depois, com o tempo, vim a ter conhecimento do punitivo Tratado
de Versalhes, com que a 1ª guerra mundial terminou, as indemnizações
astronómicas que a Alemanha tinha que pagar, a ocupação do Ruhr pela França e
pela Bélgica, no início dos anos 20 para garantir o pagamento daquelas
indemnizações, a hiperinflação que então se registou na Alemanha, a depressão
mundial do final dessa década, a selecção dos socialistas e sociais-democratas
alemães como principais adversários políticos dos comunistas em vez dos
nazistas, “os amanhãs que cantam”, etc. E como o anómalo e criminoso regime
nazi, uma vez no poder, conseguiu ter pessoas que perpetrassem tantos crimes?
Não pensavam? Como pessoas normais foram cúmplices ou executoras de
tão horrendos crimes? Não é o momento de desenvolver o tema, mas remeto para o
pensamento da célere filósofa judia alemã Hannah Arendt que dá um ensaio de
resposta no seu livro “As origens do totalitarismo” e na sua polémica tese “A
banalidade do mal” que defendeu no seu livro “Eichmann em Jerusalém”. Em suma, Henrique, depois destas minhas reflexões na
linha do "Discurso do Método", continuo a concordar contigo que há
quem, existindo, não pense e com essa atitude leve a uma inércia social que se
opõe ao desenvolvimento, mas com a seguinte nuance – há também
quem só aparentemente não pense e essa aparência pode ter, e tem, certamente,
causas múltiplas e algumas delas insondáveis, possivelmente até para os
próprios. Abraço amigo. Carlos
Traguelho
Henrique Salles da Fonseca 19.11.2020: Bom dia Caro Dr. Henrique Salles da Fonseca, Iniciaria
o meu comentário com uma das suas frases “……aqueles que não sabem nem querem
saber, espantariam Descartes se soubesse que há gente que não pensa…” De facto, a maior preocupação de Descartes
foi procurar a certeza no conhecimento. Conta ele, que, certa noite, estava
sentado junto a uma lareira, no seu acampamento militar e começou a duvidar de
tudo o que havia aprendido até então: E se tudo o que sabia estivesse errado?
Poderia estar certo de alguma coisa? ”Os sentidos” – meditou, “indicam-me
agora que estou junto a esta lareira, rodeado de árvores e debaixo das
estrelas”. Mas os sentidos enganam-se por vezes e, quando estou a
dormir, vejo coisas que me parecem reais, mas que só existem na minha
imaginação. Mas, continuou a sua reflexão: “se duvido, é porque estou a
pensar”. Desde logo, a sua tendência para a verdade matemática lhe
parecia seguríssima: dois e dois são quatro, esteja a dormir ou acordado. O
pensamento de Descartes causou impacto em toda a Europa e teve, como sabemos,
imensos seguidores e entusiastas, alguns corroborando as suas ideias, outros
defendendo outras teses. Espinosa, por ex., embora considerando-se discípulo de Descartes,
diverge dele, defendendo a separação entre a
necessidade mecânica e as almas, dotadas de livre arbítrio. Para Espinosa a
mente humana é uma força pensante ou um acto de pensar: uma ideia. A
mente humana é uma actividade pensante. E quanto mais rica a experiência
mental, mais rica e complexa a reflexão, isto é, o conhecimento que a mente
terá de si mesma. Para Locke,
como para Descartes o objectivo
do conhecimento humano são as ideias, mas, para ele, não há ideias que não
provenham da experiência. E aqui, Caro Dr. Henrique Salles, atrevo-me a
tecer a interrogação: mesmo para os que não pensam, a experiência, as lições
da vida, as boas experiências que, por vezes, se aprendem não com o
conhecimento da escola mas com experiências interpessoais serão uma outra
categoria?!
A razão, o raciocínio leva-nos a pensar, a imaginar, a experienciar, a
reflectir: “COGITO, ERGO SUM”. ======================
* in História da Filosofia sem medo nem pavor” de Fernando Salvater Os meus melhores cumprimentos e
bem haja por nos activar o raciocínio. Mª Emília Gonçalves
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