quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Evocações, apelos, nadas


Que provocaram reacções de simpatia e adesão na maioria dos seus comentadores. Breves arrebites de esperança, certamente, num país acomodado por excelência. Maria João Avillez teve esse condão de, com os seus arrebatamentos e ironias bem sugestivas, conseguir um levantamento quase unânime de protestos de adesão a uma boa causa, recordando o antigamente... Tempestade num copo de água, é claro, nem Maria João Avillez é do jeito de uma Catarina Eufêmia, inspiradora essa, de entendimentos mais consensuais, porque menos punhos de renda, à maneira de uma esquerda amante dos pobrezinhos. Nós, os da direita fascista, preferimos chorar as nossas mágoas, ao jeito da Marquesa de Alorna, em tempos passados, é certo que por motivos diferentes… E continuaremos a contentar-nos, sem fazer ondas.

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.
(Marquesa de Alorna)


Perguntas com importância /premium

A vida continua. Para os signatários é que pode vir a correr menos bem se um dia tiverem que tocar a campainha da esquerda. Ou sem abrigo, nalguma “terra de ninguém”

MARIA JOÃO AVILLEZ    OBSERVADOR, 18 nov 2020

1Aqui há muitos anos, num programa semanal de entrevistas que então tinha na SIC, ouvi o meu convidado desse domingo dizer que “os Açores eram o sítio mais bonito de Portugal”. Ainda pensei uns segundos se era ou não, e evoquei o Douro, sugerindo um ex aequo entre ambos, mas Carlos César, que então governava o arquipélago, tinha razão: concordei em absoluto, os Açores eram o nosso melhor. E no fundo eu sabia-o, há décadas que uma ou duas vezes por ano era – e é – nosso poiso obrigatório, por vezes com aluguer de casa e tudo. Conheço (quase) bem as ilhas, interesso-me pelo que lá se passa, acompanho as governações, entrevistei João Bosco Mota Amaral, Vitor Cruz, Carlos César, Vasco Cordeiro. E ao contrário da dupla César/Cordeiro – um na sombra, outro ao sol – nunca acreditei que das recentes eleições saísse a maioria absoluta de que não só estavam certos, como estavam certos por se acharem os proprietários naturais das nove ilhas.

Mas não é preciso ter casa alugada nas ilhas para saber as coisas. Ou querer sabê-las (para além do “rendimento social de inserção” assegurado na freguesia de Rabo de Peixe). E por isso fui estranhando sempre a falta de informação real, concreta, que me chegava através da media continental que para lá fora cobrir a campanha eleitoral. O que houve foi o tratamento de grande vitória garantida ao PS e seus responsáveis, a subalternização do líder do PSD, uma curiosidade desinteressada pelos restantes, a obsessão com o Chega. Num cenário quase sempre marcado pela escassa ou pouca informação sobre a vida política, social, económica dos Açores e das suas populações. Alguém referiu – por exemplo – com a ênfase necessária que a dívida pública experimentou uma evolução telúrica – 248 milhões de euros em 2000 e 2298 milhões de euros em 2020 (avaliação referente ao segundo trimestre deste ano)? A seguir, estranhei ainda mais os “days-after”. Onde esteve a procura da razão do resultado eleitoral da governação socialista? Que argumentos ou números nos mostraram que a contextualizassem? Quem se ocupou em analisar a partilha de responsabilidades políticas entre o Presidente do Governo Regional, Vasco Cordeiro, e Francisco César, actual líder parlamentar do PS e, no caso, director da campanha socialista nestas eleições?

Mais estranho ainda – as últimas estranhezas serão as primeiras – é a não indigitação de Vasco Cordeiro pelo Ministro da República: porquê? Não venceu ele a corrida? Não manda a Constituição que os que ganham sejam indigitados, formem governo e o levem ao parlamento? Então? Vasco Cordeiro não conseguiu formar governo? Não quis? Ou trocou o que acha ser um futuro político certo por um presente que seria obviamente incerto porque obrigado a uma coligação indesejada? Ou Lisboa… não deixou? E qual o papel de Marcelo nisto tudo? Que conversas tiveram e que combinações fizeram os que mandam no continente e nas ilhas? Em resumo: que se passou de tão subitamente diferente por aquele oceano e à revelia da Constituição? Desculpe o leitor tanta pergunta, mas mais opaco que isto não há. E no entanto… que eu saiba ou tenha visto alguém se ocupou da estranheza? E porquê? Ah, porque havia agenda mais premente e era aí que eu queria chegar hoje. A esse premente – deprimente: há quantas semanas nos bombardeiam, sarrazinam, atordoam e maçam com o Chega? Sem alcançar que ele agradece e talvez até se comova (ou mesmo contrate quem assim lhe dá votos de borla).

Não deixa alias de ser um caso de estudo – sociológico mas também político e com isto exibindo onde desceu a política e a media – que em jornais e écrans se opte editorialmente por deitar ácido sulfúrico sobre um partido com UM deputado UM – em vez de reflectir sobre a dimensão política e alcance eleitoral dessa opção: por este andar, um dia, o nosso actualmente desgraçado e mal entregue país acorda com Ventura a liderar o segundo ou terceiro partido nacional sem quase nada ter feito para isso. Por agora Ventura é o totobola que saiu ao PS: o mediático e incendiário alarido criado intencionalmente à sua volta permite tudo ao governo, das suas erráticas decisões e atrasadas medidas sanitárias aos abusos de poder do seu poder em queda. Mas daqui a uns meses, largos ou menos largos, já outro galo poderá cantar: Ventura, que cantará de galo (mais deprimente não há).

2Uma novidade, pertenço a direita com apelido: incivilizada. Um grupo pouco inspirado de gente (da civilizada) escolheu esta altura para redigir uma carta à incivilizada. Já nem falo da redacção sem propósito definidor ou em missiva tão esponjosa e sonsosa (de sonso). Também não evoco a particular dificuldade do momento – todos os dias empobrecemos, o país está sem economia, sem saúde, sem meios, futuro e sem timoneiros para cada um desses “sem” – que exigiria energia, responsabilidade e projecto. Falo que foi agora, quando o poder socialista se esboroa e o governo se desnorteia, agora que a centro e a direita tiveram uma vitória que tardava e estão em condições de arquitectar outras, agora que os sinais de outro ciclo político se começam a somar, agora é que ocorreu a uns escribas de redacção atrapalhadiça, nos mostrarem duas coisas de que aliás suspeitávamos: ficam sem oxigénio se a esquerda não lhes der direito de cidade, de preferência amando-os e jantando fora com eles; que as suas convicções de “direita civilizada” passaram para décimo plano face à vital – mas oh quão eloquente – necessidade de ajustar contas ou com congressos mal sucedidos, ou com chefes que os preteriu, ou com medo de televisões que podem deixar de os convidar porque podem não ser “de confiança” e então há que mostrar que são. E mostrar que são, é mostrar serviço; e mostrar serviço é escrever uma carta como esta.

A direita incivilizadasegundo os respeitados padrões da esquerda – não fará – já não fez – o menor caso de nada disto obviamente. A vida continua, como se viu e vê. Para os signatários é que pode vir a correr menos bem, se se virem um dia levados a tocar a campainha da esquerda. Ou sem abrigo nalguma “terra de ninguém”. Consta ate que já há “arrependidos.” Tão pouco tempo depois, pouca sorte a deles.

3Nunca fui próxima de Gonçalo Ribeiro Telles mas para considerar (muito) alguém não é preciso ser próximo, amigo, conhecido, ou intimo. O arquitecto Ribeiro Telles era alguém que valia a pena, como é o caso dos visionários avant la lettre, dos que se cruzaram com a utopia e deram corda ao aparentemente irrealizável. Sem nunca perder, norte nem valores. Encontrei-me muito com ele nas campanhas da AD e lembro-me de um patriota, civilizado e amável, empenhadíssimo com o seu pequeno PPM em levar –como levou – aquela carta a Garcia. De braço dado com Sá Carneiro, Freitas do Amaral, António Barreto, Medeiros Ferreira e Francisco Sousa Tavares. Que tempos santo Deus. Acreditávamos. E que gente! Todos bons, todos sérios. Não precisávamos de mais.

POLÍTICA  AÇORES  PAÍS  EXTREMA-DIREITA  PARTIDO CHEGA

COMENTÁRIOS:

Alexandra Mendes: Obrigada, eu ultimamente ando completamente incivilizada, a ponto de já ter afirmado que o PSD perdeu o meu voto, eu que sempre me mantive firme, pese embora muitas vezes já tivesse discordado da direcção que levavam. Mas ultimamente ninguém questiona ninguém, parece tudo amorfo, à espera que algum milagre venha do céu. Não há aí ninguém que questione o governo ao estilo de Sá Carneiro ou Adelino Amaro da Costa?       Joao Figueiredo > Alexandra Mendes: Eu questiono mas ninguém me ouve, mas somos mais, andamos por aí e mais tarde ou mais cedo vamos surpreender o pessoal ... aguardem-nos, até lá temos os esquerdoides de serviço a espumar pela boca, vamos com calma        Maria Antonieta Barona: Grande artigo Maria João e terminou-o com chave d’ouro! Bem haja    Joaquim Moreira: Espero, sinceramente, que a direita "incivilizada" não queira ser enganada. Pela direita civilizada, que não é direita nem é nada! Na verdade, admito que haja excepções, a grande maioria está só interessada, em não ter qualquer maçada. Por isso, sabendo da pressão da esquerda, quando se vê apertada, desiste logo ou foge em debandada. Estamos perante gente, que, dizendo-se de direita, tem os mesmos gostos da outra seita. Que tem sobre eles uma grande vantagem, sabe como os dominar em ambiente de vadiagem. Não é por acaso que o Bairro Alto, é, e sempre foi, o reduto da direita civilizada e da esquerda caviar capitalizada! Por isso, as perguntas que faz, mais do que serem importantes, são perguntas com respostas simples e redundantes. Mas há duas que me parecem muito relevantes: os açoreanos já correram com esta grande Famiglia de Tratantes; e no Continente, irá acontecer o mesmo, a esta mesma Famiglia e aos tais civilizados pedantes.    Velha do Restelo: Muito bom, soube-me tão bem ler mais este seu artigo. "Direita incivilizada", genial!    Filipe Paes de Vasconcellos: A DIREITA EM PORTUGAL: A direita portuguesa, PSD, CDS, IL, e a grande maioria silenciosa de direita, não pode, nem deve ser aquela direita envergonhada, tipo tio Marcelo! A nossa direita não pode ser aquela que se preocupa mais com o que a esquerda diz dela, e menos com o que ela diz ao País. Como exemplo veja-se o caso dos Presidentes da República socialistas. Mário Soares nunca se envergonhou em agradar à sua base de apoio, e mais, fez, enquanto PR, uma oposição vergonhosa à direita que estava legitimamente no poder. Com Sampaio, idem idem aspas aspas! Quando tivemos Cavaco Silva, PR que fez mais por este País que todos os outros juntos, e porque nunca se acanhou de ser um PR de direita, foi tratado pelos socialistas e comunistas de forma completamente miserável, e com a direita a alinhar. A direita que compare com o actual PR. Enquanto tivermos uma direita preocupada em demonstrar à esquerda que é democrata, quando a maioria dessa esquerda o não é, não vamos a lado nenhum. Por favor deixem de se agachar. E, fico-me por aqui!           O Serrano > Filipe Paes de Vasconcellos: Muito bem Sr Filipe Vasconcelos, é como diz, a direita é uma corja de cobardolas que têm medo de dizer o que são, preocupam-se só com o que a esquerda pensa deles e depois há dezenas ou centenas de milhares de portugueses que não encontram um único partido à direita, excepção talvez ao actual CDS, que fale por eles e não se admirem que corram para os braços do CHEGA, que ainda estou para saber que tem este partido para ser tão perseguido a não ser o medo de todos os outros da sua eventual estrondosa votação que receiam, eu não, não falam em acabar com eleições, portanto não vejo motivo para tantos receios.    JORGE PINTO: Excelente! Obrigado! Pode a Autora contar com a minha humilde assinatura num possível (desejável?) manifesto desta direita “incivilizada”. Com toda a certeza teria sumo, abriria caminhos e acariciaria a língua portuguesa, como é seu padrão.     antonyo antonyo: Muito bom !  Subscreveria tudo . Então a carta da direita civilizada ...      manuel soares Martins: 3 tiros na mouche : 1 - o atropelo (inexplicável?) do ministro da República nos Açores ; 2 -o desprezo da carta dos "nefelibatas" contra o acordo do PSD com as outras forças políticas na mesma região; 3 - a homenagem sentida a Gonçalo Ribeiro Teles. Nunca estive tão de acordo com a autora. Dou-lhe os parabéns ou sou eu que estou de parabéns?    Bruno Duarte: Somos coligação negativa? Será esta a sua direita, direita por vezes sem direito? São Rio e Ventura direita? O Chega intitula-se conservador liberal e a promoção da iniciativa privada parece ser o seu mote - mas nada diz sobre empreendedorismo e, quando de inovação se trata, prefere que seja o Estado a dinamizá-la à revelia do ímpeto privatizador aplicado a todos os outros sectores... Isto é direita? Inovação mandatada pelo Estado? Parece-me ineficaz ditadura das ideias que mais não faz que manter aqueles cujos interesses e capacidade financeira sustentam os partidos que se candidatam para se manter no poder. Há que bem ler - podemos estar a promover a estagnação e não a iniciativa privada a que o capitalismo apela e tão bem funcionou com PPC           . F A: Excelente artigo. Especialmente as dúvidas legitimas sobre a pressa em nomear para formar Governo o líder do PSD. Não deveria o representante da República nomear o PS para formar governo? Se não passa no Parlamento regional, caía o Governo e convidava o PSD, para formar Governo , passava no crivo do Parlamento Governava. Assim Vasco Cordeiro pode se candidatar a novo mandato. Penso que esta foi a razão por detrás desta nebulosa. Uma vez mais o Presidente da República não esteve bem     Joao Figueiredo > F A: Mesmo que se candidate de novo e ? ... o estrago está feito, não volta e daí estarem amuados, zangados, frustrados, e a minha provecta idade e esmerada educação não me permite ... Pho...Piiiii  Luis Ferreira: As esquerdas é só táctica, cara de pau e falsa moral... governar para desenvolver o país e não o tamanho dos seus bolsos, já é pedir demais! Quanto a esta lista de direita higiénica; faz lembrar os ratos e os sonsos. Já ninguém contava com eles de qualquer forma. Só têm o palco que os média dependentes lhes dão, para cumprir com o papel sujo de ataque aos seus pares, como se tivessem mais credibilidade para o fazer do que as Catarinas e Carlos Césares deste mundo...      Alberto Sérgio Sousa: Texto claro! Sem as angustiantes hesitações daqueles que se querem aquecer mas têm medo de se queimar... fracos esses civilizados com uma fibra apenas qb. Que recusam uma luta de punhos erguidos... copinhos de leite, como diria o outro...     Maria Nunes: Excelente artigo. Obrigada.       bento guerra: O Chega ajuda a lixívia. E já tardava nos Açores.    José Martins: adoro ler os seus artigos! Deixe estar que eu também não me importo de pertencer à direita incivilizada.     Pedro Campos: Excelente análise!

Manuel Ferreira: Ora bolas, afinal também sou um incivilizado de direita! Se Costa e César “concubinaram” uma armadilha ao PSD obrigando-o a coligar-se com o Chega - original, e bem visto - pode ser que o tiro lhes saia pela culatra. Costa, César e os seus, estão a jogar xadrez num barco à deriva em alto mar, apanhado por uma enorme tempestade, e quiçá, com tanto balanço, não vá o peão desgovernado comer a rainha         !Manuel Ferreira > Manuel Ferreira: Original e bem visto a análise da autora, como é obvio!            Cisca Impllit: Bem analisado e bem enunciado!      Gavião dos Mares: Ao lê-la lembrei-me do Principe de Salina. O seu tempo morreu!        Cisca Impllit > Gavião dos Mares: É corrente dizer-se que há mais marés que marinheiros, mas há umas que afogam línguas tenebrosas!       Manuel Vilhena: Que maravilha Maria João Avillez. Um prazer sempre lê-la.      Martelo de Belem . Bom artigo, mete pessoas nos lugares certos, pontos nos iii, descomplexa, revela dados e descreve a mediocridade dos medias e da gente política. Resta pois a revolta a quem ainda e lúcido

 

Nenhum comentário: