O “coitadismo” na origem? Ou o “clima”
que amolenta os corpos - e as almas em seguimento? A voracidade de uns mais
vivaços, a subjugação de outros que se prefere “coitadinhos” – o que dá aos
esmoleres acesso mais fácil a um paraíso apetecido… A Igreja também foi, ao
longo dos tempos, grande responsável nessa tacanhez da nossa miséria espiritual
e material, na sua doutrinação arredada dos valores científicos, pese embora a
sua estimável acção evangelizadora no mundo. Mas o certo é que nos faltou uma educação
e uma cultura generalizadas, ao longo dos séculos, a todas as classes sociais, e
essa falha nunca será colmatada, cada vez mais degradado o ensino, nas astúcias
de uma governação comandada por ideologias que apoiam o parasitismo social, de
preferência ao trabalho real, que uma justiça real deveria favorecer. Mas a
própria justiça está implicada em processos de burlas, hoje... Uma “cultura” de
fatalismo, afinal, é o que nos resta, transparente no nosso “fado”, mais
visível, ainda, com a aceitação mundial…
Orgulhosamente pobres /premium
Estado social não é ter aviões, mas proteger os
desfavorecidos. É a percepção desta diferença que faz a Noruega rica. É a não
realização desta diferença que nos torna orgulhosamente pobres.
OBSERVADOR: 11 nov
2020
Ao longo da minha vida profissional tenho lidado com
estrangeiros que escolheram Portugal para investir ou viver. Vêm de todo o
lado. Dos EUA ao Japão, do Reino Unido à Alemanha, da Suécia à Holanda, da
Austrália a Israel. Portugal é um país pacífico
com um clima fantástico, está dentro da União Europeia e fica a meio caminho
para os EUA. Encarado nesta perspectiva não há lugar no mundo melhor para se viver que
este canto à beira-mar plantado. Mas há um pormenor que volta não volta ouço
dos estrangeiros com quem contacto, um facto que não deixo de registar: Portugal
não é sítio para se ganhar muito dinheiro. Quem queira ficar rico não vem para cá; quem queira
montar uma grande empresa escolhe outro país ou vai-se embora. Portugal não é lugar para grandes ambições, sonhos,
empreendimentos. É o ideal para projectos pequenos ou pequenos departamentos de
grandes projectos. É o que sobra aos que não conseguiram chegar ao topo ou o
início do descanso dos que sonham com a reforma.
Porquê? Por que motivo as grandes empresas não
domiciliam cá as suas sedes, os grandes empresários não se mudam para Cascais
ou para o Algarve? Por
que razão em Portugal não se cria riqueza com o trabalho?
Há dias a RTP
transmitiu o debate que Mário Soares e Álvaro Cunhal protagonizaram para a
televisão francesa, quatro meses antes do famoso confronto do “Olhe que Não”.
Foi há 45 anos. No entanto, e tirando o registo histórico que é os dois falarem francês, o
que se retira do confronto entre aqueles políticos é que debateram o sexo dos
anjos. Discutiram o que era a essência do socialismo, quais
seriam as verdadeiras forças democráticas e ainda os contra-revolucionários de direita
que queriam derrubar a democracia que os comunistas defendiam. É interessante,
e confrangedor ao mesmo tempo, darmos conta que passámos (perdemos é a
expressão) décadas a discutir isto. Décadas para nos convencermos
que aquilo não interessava, não nos era útil, não nos permitia viver melhor.
Que nos prejudicava e nos empobrecia. Mas o pior nem é o tempo que perdemos. O
pior é o tempo que perdemos para nada. É a noção do desperdício de tempo que se
torna exasperante.
Se em 2020 ligarmos a televisão (agora privada e que
Cunhal qualificaria de amiga do grande capital) deparamo-nos, por exemplo, com Francisco Louçã e Ana Gomes como comentadores de eleição. Não
há dia em que alguém do PCP ou do BE (ou deste PS) não esteja na televisão a
defender políticas falidas, discursos corrosivos da liberdade, formas de pensar
distorcidas, que têm em comum o objectivo de delimitar a liberdade individual,
a possibilidade dos cidadãos trabalharem condignamente, de investirem como se
não fosse o pecado que já nem o catolicismo condena. Vivemos numa democracia e há total liberdade de
expressão. Não é contra isso que me insurjo, mas sim contra a má-fé e o cinismo
das suas intervenções, como continuamente caímos no erro de responder a
declarações que revelam ignorância ou má-fé e que visam apenas direccionar a
discussão, centrando-a nesses disparates por forma a esquecer os temas e
soluções importantes. Escutar Cunhal, 45 anos depois, causou-me uma
impressão imensa porque cresci com o espectro do líder-que-ninguém-se-atrevia-a-contestar
do PCP. Já o tinha esquecido, mas ao ouvi-lo de novo dei-me conta que não se
foi embora. O preconceito (a ideia previamente formada sobre um assunto ou
alguém sem um fundamento sério que a sustente) continua nas acusações
subliminares, nas afirmações que se baseiam em crenças e que são apenas isso,
crenças, nas frases enviesadas e no tempo que perdemos a rebater o que não
passa de um truque de retórica cujo objectivo é o de nos fazer perder tempo. O
de esquecermos o essencial e nos afundarmos nos pormenores, factos secundários,
pessoas, estados de alma e nunca no que importa.
Atente-se no descaramento que é a crítica ao acordo do
PSD com o Chega nos Açores, ao mesmo tempo que se acha normal o do PS com o BE
e o PCP. Uma duplicidade de critérios que estou à vontade para apontar, na
medida em que até sou crítico de uma geringonça de direita. Uma duplicidade
de critérios tão óbvia, que é ofensiva e de que há
múltiplos exemplos: o SNS está em ruptura e o
Governo não negoceia com os privados porque receia a comprovação implícita do
sector privado; a pandemia está descontrolada porque as pessoas não se portaram
bem, e não porque desde Abril o Governo não preparou o país para a segunda
vaga; falta dinheiro para o SNS e o apoio escolar, mas há para a TAP só porque
um ministro acha que o estado deve ter aviões. Na Noruega o governo recusou-se a conceder mais ajudas financeiras à
Norwegian Air Shuttle. Fê-lo, porque os governantes se consideram responsáveis
pelo destino do dinheiro público, que vem dos contribuintes a quem respondem
politicamente. No fundo, a essência do que
deve ser uma democracia. Em Portugal, porque
continuamos no mesmo esquema mental de há 45 anos, há quem ainda se recuse a
aceitar que Estado social não é ter aviões, mas proteger os desfavorecidos. Na
Noruega os níveis de corrupção são ínfimos. Por algum motivo é considerado o sétimo país menos corrupto do mundo. Já em Portugal, onde é questionável enriquecer
fazendo negócios, se enriquece corrompendo um sistema que pune e liquida quem
queira jogar de acordo com regras justas.
Perdi parte do meu precioso tempo a assistir ao debate
entre Soares e Cunhal porque quis percepcionar a mudança de mentalidades.
Desisti defraudado, pois o tempo não passou, o país continua aprisionado
pelo preconceito relativo ao dinheiro, à riqueza, ao mercado, ao trabalho, às
empresas, ao capital. E é porque se mantém refém desse discurso
intelectualmente pobre e atávico que continua sem cativar o dinheiro, a
riqueza, o trabalho, as empresas e o capital que precisamos para viver melhor.
Somos orgulhosamente pobres.
Uma pobreza impoluta apesar da miséria que significa para os que não têm sorte
nem conhecimentos. Uma pobreza sem mancha, porque escondida. O mais curioso é
como a falência intelectual desta gente os leva a adaptar a mantra de outrora.
Sem que se dêem conta disso, que é a única parte desta história que tem graça.
POLÍTICA ECONOMIA MÁRIO SOARES PAÍS ÁLVARO CUNHAL PCP
COMENTÁRIOS:
António Sennfelt: Quando vejo,
leio ou ouço os "comentadores políticos" do calibre daqueles que o
Autor aqui nomeia e que nos são repetidamente e "ad nauseam"
veiculados pela nossa CS, vem-me o grande receio de que, para além de pobres,
também sejamos pobres de espírito! victor guerra: Definitivamente pobres Adelino Lopes: A AAA utiliza a “diplomacia” para explicar os
fundamentos pelos quais não se pode investir em Portugal. Eu vou ser mais
incisivo. Não se pode investir em Portugal por 2 motivos: i) preconceito
ideológico relativamente aos lucros; ii) inveja. Aliás, estas características
são perceptíveis em (quase) todos os países à volta do mediterrâneo. Mas tem
razão: Portugal é um excelente país para se estar a viver ou em férias. PS: Na
Noruega, boa parte do dinheiro público vem do petróleo. A sua boa gestão só
enaltece os seus dirigentes. T R: É
mesmo. Infelizmente. Martelo
de Belem .... : Bom artigo que
diz aquilo que sempre pensei de Portugal e de muitos portugueses. Parados no
tempo e incapazes de ver o futuro. Temos um lago na frente que temos de
contornar mas queremos à força que a estrada imaginária atravesse o lago.
Nenhum comentário:
Postar um comentário