domingo, 15 de novembro de 2020

Tem toda a razão


JPP, ao atacar as propostas absurdas do Chega, mas o que é paradoxal, é a manifesta simpatia pelas esquerdas, sempre que vem a talhe de foice uma oposição incompatível com a sua actual filiação partidária. É caso para pensar que lhe foge sempre o pé para a chinela, de excelentes memórias… Mas não se estranhem essas traiçõezinhas bem humanas. O “struggle for life” tem enorme força, mesmo que, por vezes,  se doure a pílula a disfarçar…

OPINIÃO: Injectar lixívia em política

Nos seus “programas activos”, o BE e o PCP caminharam para a democracia, o Chega caminha para fora dela e a força da sua inegável vitalidade vem daí. Os eleitores do Chega não são inocentes, sabem muito bem em que votam e o que votam.

JOSÉ PACHECO PEREIRA          PÚBLICO, 14 de Novembro de 2020

Um dos principais argumentos dos defensores do acordo com o Chega é a similitude entre a unidade da direita sob a direcção do PSD e os vários acordos do PS com o BE e o PCP. Se “eles” o podem fazer, por que é que “nós” não podemos? Sim, admitem, o Chega é pestífero, mas não o é mais o PCP ou o BE, com quem o PS se aliou para governar? O Chega é racista e xenófobo, e o PCP e o BE não são contra a Europa e a NATO, e amigos dos ditadores comunistas? Por aí adiante...Esta comparação não tem qualquer fundamento nem factual, nem social nem histórico nem de ciência política, faz parte apenas de uma narrativa política autojustificatória para 2020. É o equivalente aos absurdos de Trump com a hidroxicloroquina ou o injectar lixívia nas veias para “limpar” o corpo do coronavírus.

Para nos colocarmos em 2020 e não em 1917, ou em 1933, ou em 1975, façamos uma distinção entre a tradição e o programa genético dos partidos e aquilo que é hoje o seu “programa activo”. O “programa activo” é o que um partido faz de facto, como actua, como recruta, como cresce ou diminui, o que é que o torna um sucesso ou um falhanço, que imagem tem na sociedade e junto dos seus militantes, “o que é que o faz/os faz mexer”, ou seja, a identidade prática do partido. A tradição, a história, o conteúdo programático original são muito relevantes e estão sempre presentes, mas, para analisar o que é a actuação, o carácter, a “natureza” de um partido, sem ser de forma a-histórica, ou seja, no presente, o “programa activo” é mais relevante porque toma em linha de conta a factualidade da sua actuação. Esta diferenciação não é nova e já foi usada para a história do PSD, distinguindo entre o conteúdo programático e a “história não-escrita”, ou seja, a história do partido como fonte de identidade.

Voltemos à equivalência Chega/BE ou PCP. São o BE e o PCP partidos “revolucionários” cujo objectivo é derrubar a democracia, substituindo-a por uma ditadura do proletariado ou um eufemismo como a “democracia avançada”? Se tivermos em conta a tradição dos vários grupos esquerdistas que formaram o BE e a génese e a história do PCP, a resposta é sim. Ambos têm origem na tradição comunista de raiz marxista-leninista. Mas de há muito que quer um, quer outro têm “programas activos” bem longe dessa tradição. Não vemos nem o PCP nem o BE preparar-se para a revolução, inevitavelmente armada e violenta, nem a organizar um sector militar clandestino nem a cumprir nenhuma das explícitas obrigações de um partido comunista traduzidas nas célebres 21 condições da Internacional Comunista. E sempre foi claro desde Lenine que estas condições são para cumprir, sob pena de estarmos a falar de partidos que se “social-democratizaram” ou se “aburguesaram”.

Nem o PCP nem o BE, cuja composição agrupa várias tradições esquerdistas, do maoísmo ao trotskismo, e que têm génese no leninismo organizacional, o fazem. E toda a panóplia de elementos complementares, seja a abolição da propriedade, a luta de classes, o anticapitalismo, é isso mesmo, de elementos complementares, que não são exclusivos do comunismo, mas partilhados pelo anarquismo, pelo fascismo, pelo nacional-socialismo, pelo socialismo radical. E só a deslocação excessiva das classificações políticas para a direita considera que sindicatos, greves, manifestações, combate aos despedimentos ou mesmo propostas anticapitalistas (que o PAN e a Iniciativa Liberal também fazem) são “revolucionárias”. Pode-se perguntar se isto acontece por oportunismo, para disfarçar a sua natureza aceitando as regras democráticas... Se é assim, já dura há muito tempo para que seja um disfarce. O tempo conta para o “programa activo” porque ele condiciona hábitos, práticas organizacionais, recrutamentos, processos, culturas. E isso muda quase tudo.

Vamos ao Chega. Como é um partido novo, o programa e as propostas estão ainda próximas do “programa activo”, mas existe uma diferença de conveniência entre o discurso oficial e o discurso real, aquele que recruta, move os militantes, dá identidade ao partido. E esse é claramente racista, xenófobo, violador dos direitos humanos e antidemocrático. Podem-se apontar muitos exemplos, mas, por economia de espaço, fico-me pela pedofilia, uma das bandeiras do Chega, que levou mesmo a manifestações de rua. Corrupção e pedofilia são um par no discurso do Chega, mas as faces que são apresentadas nos cartazes são apenas de políticos, excluindo qualquer referência, quer a empresários ou a banqueiros, no caso da corrupção (“Portugal é um mar de corrupção: Duarte Lima, Vara e Sócrates”, diz um cartaz), quer a padres, no caso da pedofilia. O Chega entende que há uma ligação entre pedofilia e corrupção e essa ligação é o “sistema político”: “Pedofilia é igual a podridão do sistema político”, diz um cartaz. Esta obsessão com a pedofilia e com a castração é reveladora, porque no discurso do crime e da ordem, que é vital no Chega, não são todos os crimes que contam. Por exemplo, a violência doméstica, que mata muitas mulheres por ano, não é crime para o Chega. Na verdade, nem é o crime nem a injustiça nem a pedofilia nem a corrupção que contam, mas a sua correlação com a política democrática. A solução para o problema é simples: “Pedófilos, castrados já”, o que podemos traduzir, sem perda de sentido, por acabe-se, castre-se o “sistema político”, ou seja, a democracia, que produz pedófilos e criminosos.

Nos seus “programas activos”, o BE e o PCP caminharam para a democracia, o Chega caminha para fora dela e a força da sua inegável vitalidade vem daí. Os eleitores do Chega não são inocentes, sabem muito bem em que votam e o que votam.      Historiador

TÓPICOS

CHEGA  PARTIDOS POLÍTICOS  BLOCO DE ESQUERDA  PCP  DEMOCRACIA  HISTÓRIA  DIREITA

COMENTÁRIOS:

Mário Areias INICIANTE: Você é completamente ingénuo ou quer fazer de alguns de nós parvos porque, muitos já o são há muito tempo. Mais você começou no MRPP o que prova a sua ingenuidade congénita. Assim que o PCP ou o BE tomassem conta do país por eleições democráticas, mudavam todas as chefias militares e para militares, acabavam com todos os sindicatos que não estivessem alinhados com a CGTP e nas eleições seguintes nunca mais perderiam a maioria absoluta com mínimos de 70%.Deixe-se de programas activos que é apenas uma treta para parecer politicamente correcto e muito inteligente.          Conde do Cruzeiro INICIANTE: J.P.P. num excelente artigo, dá uma lição de política à direita anti democrática do século passado. Infelizmente a direita que não aprendeu como é viver em liberdade, ainda é maioritária no nosso país.      Rui Barbosa.823113 INICIANTE: É verdade que o PCP e o BE não põem em causa a nossa Constituição, mas explica-se pelo facto de esta também ser a sua constituição. Foi aprovada por PCP e UDP e tem como objectivo o caminho para uma sociedade socialista. Estranho seria se a contestassem. Também é verdade que o PCP e BE têm tido nas últimas décadas propostas que não entram em choque com direitos humanos e recentraram as suas opções políticas. Mas isso também se explica pelo facto de terem sido travados no 25 de Novembro de 75 a passagem para uma ditadura de tipo socialista. A partir daí não restou outra opção senão entrarem no sistema democrático e moderarem as suas posições. O populismo de direita no sec. XXI tem o mesmo ímpeto de choque e anti-sistema, que a esquerda revolucionária tinha nos anos 60,70. O radicalismo de esquerda até aos 60s era pró soviética e menorizava ou omitia os seus crimes (como ainda hoje faz o PCP). Quando já eram demasiado notórios, passou a haver um novo ideal: a China de Mao e a Albânia de Hoxha ( os crimes destes regimes ainda não eram muito conhecidos e assentavam como uma luva na lógica isolacionista e anti-imperialista Além da defesa ou relativização do terrorismo de esquerda que na altura surgiu. Pacheco Pereira conhece bem esta realidade, pois foi um adepto maoísta. A derrota destes regimes e movimentos abjectos fez com que houvesse uma moderação e evolução para as causas fracturantes actuais, que são de facto uma posição (concorde-se ou discorde-se) que não é violadora da dignidade humana. A extrema direita actual está ainda numa fase de histrionismo um pouco parecido ( em sentido oposto claro) á dos movimentos de contra-cultura nos anos 60,70s por parte das esquerdas de então. Defende um outro tipo de soluções abjectas e isso deve ser igualmente condenado. Diz-se porém que não há equivalência moral entre estes 2 tipos de radicalismo. Eu penso que há. Por um lado a esquerda radical apresenta propostas que não aparentam dividir nem ostracizar, mas o objectivo é mesmo esse. A direita radical faz o mesmo mas sem o talento para não o aparentar. É comum porém sentirmos mais empatia pelas propostas do histrionismo revolucionário do que do reaccionário. São propostas sempre apresentadas como justas e benignas. Toda a intelectualidade as apoia em peso. Lenine e Mao foram inspiradores para os estudantes do maio de 68. Estes clamavam uma revolução cultural com o livro vermelho na mão. A China vivia o terror e estes iluminados reclamavam belas palavras de ordem inspiradas no grande timoneiro. Era uma defesa de valores abjeta mas nunca o foi considerado como tal. É sobretudo esta a vitória das extremas esquerdas. Matam e oprimem em nome de ideais supostamente benignos e têm uma complacência tremenda por parte de intelectuais e imprensa. Isto aliado á forma como a direita, e já incluo a democrática, foi sempre menorizada, cria-se um sentimento de injustiça que resvala em muito do populismo actual.          José Luís Sousa EXPERIENTE: Em primeiro lugar não sou militante, apoiante do chega ou parecido. Agora vamos ser claros, se o bloco e o partido comunista são burguesia deve-se apenas e só ao facto de essa ser a única forma de chegarem ao poder. Achar que estes partidos têm como objectivo a manutenção da democracia é de uma inocência gritante. Não é claro o discurso sobre as atrocidades do comunismo e dos seus actores, por parte destes partidos, exemplo: Trotsky comandante do exército vermelho, durante uma guerra civil sanguinária. Esta situação desculpabiliza PSD? Não o creio, mas também não desculpabiliza o PS. Vamos ver, se fundassem um partido neo-fascista e lhe chamassem: cilindro da direita e com tempo se tornasse mais dócil; alguém iria crer que seriam democratas de gema? Claro que não. Então porque raio.... Magritte EXPERIENTE: Contribuição exemplar. Há poucas que tenham uma capacidade de síntese e um poder de análise tão pertinente quanto esta.  JarDiniz EXPERIENTE: São as contradições da Democracia! Uns, maoistas, trotskistas, leninistas, estalinistas e outros revolucionários como o JPP (Fec-ml, OCMLP, Grito do Povo, MRPP, etc...), que também defendiam, lutavam e agiam por ideais autoritários, "social-fascistas" e totalitários como o autor descreve, "aburguesaram-se", "arrependeram-se" ou "normalizaram-se com o decorrer do tempo, passado que foi o fulgor da juventude (25 anos?). Os que agora militam nesse partido não nasceram hoje e estavam "escondidos" noutros partidos democráticos e saíram a terreiro e têm força porque os partidos do sistema não cumpriram a sua missão, como o JPP costuma denunciar. Cumpre, a quem acredita que a Democracia é o melhor sistema, não deixar que se repitam as consequências da "República de Weimar" .      ricardo111 EXPERIENTE: O Bloco é complicado já que é essencialmente a Esquerda não corrupta da Classe Média e dos altamente educados (de notar que não digo que educação só por si é sabedoria) com muitas mas moderadas influencias da antiga Esquerda da revolução. O PCP é mais um partido da luta revolucionária, ainda com os chavões e os apelos ao "operariado" fazer isto ou aquilo mas sem aquele ódio à burguesia dos tempos antigos. O Chega é quase inteiramente um partido da raiva, do ódio e do egoismo: a unica evolução "positiva" que eles propõe para Portugal é eles terem a liberdade de fazerem o que quiserem e sugarem como quiserem e que sem lixe a comunidade (i.e. os outros todos), tudo o resto ou é fazer mal a alguem (para disfarçar chamam-lhe punir, tal e qual como faziam os Nazis) ou é destruir, nunca construir      viana EXPERIENTE: Uma lição de Política de um dos mestres! Mas... e agora JPP, como é que fica o seu apoio a Rui Rio?... Quando é que temos uma "mea culpa", admitindo que estava enganado quanto ao rumo político que o PSD tomaria com Rui Rio?...    Mario Coimbra EXPERIENTE: Se acha que Portugal está hoje melhor devido ao BE e PC, continue a votar e a defender as suas ideias e programas. Agora não verdade não tem que dar lições a quem não concorda consigo. Assim como os 70 milhões que votaram no Trump não são um grupo de deploráveis, quem vota no chega também não o é. E se não perceber isto e combater isto só está a engrandecer o partido. E este é o perigo. A indignação da esquerda vale o que vale. Indignação. Eu já tive a minha quando Costa alargou o arco da governação. E tive que aguentar. É a democracia a funcionar. Agora que está feito tem que fiscalizar, discordar ou não seguir em frente. O mal já estava a sua porta           Leitor Registado EXPERIENTE: Se injectar lixívia no corpo é muito mau, já injectar lixívia na politica, nos politiqueiros, comentadores profissionais e assalariados, se calhar o resultado até pode ser positivo. Pelo menos, em minha casa limpa-se muita porcaria com lixívia!         Paco Silva INICIANTE: O Chega pegou em 3 ou 4 temas fracturantes para a sociedade portuguesa, para transmitir uma mensagem política. Para um partido novo, não tem sentido comunicacional ter muitas mais mensagens. E fez bem, porque a corrupção é uma epidemia sem confinamentos, a pedofilia um crime com uma moldura penal ultraleve e muitas vezes desculpada ou pouco penalizada. E isso as pessoas entendem. Em paralelo, fazer melhor que a actual classe política não é nada difícil, pelo que o Chega andará por aqui por muitos anos.      ricardo111 EXPERIENTE: O Chega não faz, só acusa - não têm uma única proposta construtiva detalhada, só querem punir os "inimigos" deles. Até o "acabar da corrupção" deles tem zero detalhes de como o pretendem fazer - é o equivalente a dizer que com eles Portugal passa a ter sol todos o dia onde há gente mas chuva onde há agricultura: fantasismo hipócrita para enganar simplórios.      Jorge Sm MODERADOR: Muito bem! P.S. De facto, só tolinhos ingénuos é que acreditam que o combate à corrupção é uma preocupação do chega. O chega está-se completamente nas tintas para o combate à corrupção. O chega apenas usa a treta do "combate à corrupção" para minar o sistema, através da propagação da ideia (obviamente falsa) de que a corrupção é generalizada, atingindo tudo o que mexe, e de que o sistema democrático está "podre".     JPR_Kapa EXPERIENTE: Há radicalismos que se cruzam com os do Chega, quando menos se espera - o registo é o mesmo, só que noutro quadrante, a regressão civilizacional que defendem é a mesma, mas aplicada a alvos diferentes, conforme a obsessão política e as "teses" fantasistas que perseguem.

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