Mais um texto de pesquisa interessante,
de Nuno Pacheco, sobre um
cantor original, Sérgio Godinho, que escuto no Youtube, na sua voz
bem martelada, que ajudaria a formar os trabalhadores dos nossos actuais tempos
de bom ripanço, auxiliados por uma corona vírus justamente compreensiva:
Que força é essa
Album “Os Sobreviventes”
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Construir as cidades pr'ós outros
Carregar pedras, desperdiçar
Muita força p'ra pouco dinheiro
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Muita força p'ra pouco dinheiro
Que força é essa? Que força é essa?
Que trazes nos braços?
Que só te serve para obedecer?
Que só te manda obedecer?
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que te põe de bem com outros
E de mal contigo?
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Não me digas que não me compr'endes
Quando os dias se tornam azedos
Não me digas que nunca sentiste
Uma força a crescer-te nos dedos
E uma raiva a nascer-te nos dentes
Não me digas que não me compr'endes
Que força é essa? Que força é essa?
Que trazes nos braços?
Que só te serve para obedecer?
Que só te manda obedecer?
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que te põe de bem com outros
E de mal contigo?
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Construir as cidades pr'ós outros
Carregar pedras, desperdiçar
Muita força p'ra pouco dinheiro
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
Muita força p'ra pouco dinheiro
Que força é essa? Que força é essa?
Que trazes nos braços?
Que só te serve para obedecer?
Que só te manda obedecer?
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que te põe de bem com outros
E de mal contigo?
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Que força é essa? Amigo
Fonte: Musixmatch
Compositores: Sergio De
Barros Godinho
OPINIÃO
Quando Sérgio nos explicou o que era dar
a volta ao medo e dar a volta ao mundo.
A reedição de dois discos
essenciais, Pano-cru e Campolide, supre uma falha indesejada na
discografia disponível de Sérgio Godinho.
PÚBLICO, 12 de
Novembro de 2020
Primeiro
o piano, austero, a ecoar num quase silêncio, e depois esta voz: “A
princípio é simples, anda-se sozinho/ passa-se nas ruas bem devagarinho.” Raras serão as pessoas que não reagem logo, ao ouvir
tal início. E muitas serão aquelas que trautearão de memória o resto. Porque
O primeiro dia, de
Sérgio Godinho, entrou há muito na memória colectiva. Mas porquê
falar desta canção agora? E logo num tempo em que “andar sozinho” e “nas ruas
bem devagarinho” pode ser associado aos cuidados com
a pandemia?
Por
uma razão simples: o disco que inclui essa canção, Pano-Cru, acaba de ser reeditado, juntamente com um outro que
também há muito desaparecera das lojas: Campolide. Lançados, respectivamente, em 1978 e 1979, foi com
eles que Sérgio fechou a década de 70, depois de quatro LP editados pela Guilda
da Música/Sassetti, os dois primeiros ainda no exílio (Sobreviventes,
1971; e Pré-Histórias,
1972) e os seguintes já em liberdade e
sob os efeitos da revolução (À Queima
Roupa, 1974; e De Pequenino
Se Torce o Destino, 1976). E fechou-a
trocando-a pela Orfeu de Arnaldo Trindade, antes de se transferir para a
Polygram (mais tarde Universal, editora a que continua ligado) e aí
gravar primeiro a banda sonora do filme Kilas, o Mau da Fita, de José Fonseca e Costa (1980) e depois álbuns de uma nova fase musical, como Canto da Boca
(1981), Coincidências
(1983) ou Salão de
Festas (1984).
Mas
Pano-Cru e Campolide são, como o próprio reconheceu na sua biografia
musical, Retrovisor,
assinada por Nuno Galopim (Ed. Assírio & Alvim, 2006), “discos de
charneira, uma ponte entre o antes e o depois.” Pano-Cru,
além de O primeiro dia, e de
canções que remetem para a fase de intervenção política que se seguiu ao 25 de
Abril (como Venho aqui falar, Lá
isso é ou O homem-fantasma, parente próximo de figuras criadas por Sérgio como o
Barnabé de Pré-Histórias ou
o Casimiro de Cuidado com as imitações, uma canção de Campolide), tem ainda A vida é
feita de pequenos nadas, a Balada da
Rita (composta para o filme Kilas e nele muito bem cantada por Lia Gama) ou 2.º andar
direito, que nos
seus 6 minutos e 54 segundos descreve a zanga e reconciliação de um jovem casal
(“ele vinte anos, ela dezoito”), relatada por um narrador que lhes é próximo
mas que eles não vêem nem ouvem, e que na canção se identifica assim: “É
preciso explicar que sou eu o vizinho/ e à noite vivo neste quarto sozinho/
corpo cansado e cabeça em desalinho/ e o prédio inteiro nos meus ouvidos.” Uma
canção bem rara, na abordagem e na forma.
Já
Campolide, ao dar livre
curso à inspiração do seu antecessor, além da já citada Cuidado com as
imitações, trouxe às reservas musicais de Sérgio
Godinho preciosidades como Lá em baixo
(“toda a gente passou horas/ em que
andou desencontrado/ como à espera do comboio/ na paragem do autocarro”), Mudemos de
assunto, Os conquistadores (escrita
para o filme Le Soleil En Face, de Pierre Kast, 1980) ou Espectáculo,
uma muito bela canção que Shila
já gravara no seu álbum de estreia (Doce de Shila, 1977) e aqui surge numa
versão definitiva. Além disso, podemos ouvir as vozes de Adriano Correia de
Oliveira, José Afonso e Fausto Bordalo Dias em Quatro
quadras soltas ou a de
Vitorino em Vivo numa outra terra.
Curiosidade
adicional, também relatada no livro Retrovisor: a canção O primeiro dia teve uma versão em italiano, cantada pelo próprio
Sérgio Godinho em Itália, em 1995, durante a Rassegna Della Canzone d’Autore,
onde recebeu o Prémio Tenco.
“Foi fantástico cantá-la ao vivo perante os italianos.
Estudei a pronúncia, fui lendo a tradução de Sergio Sacchi, e aquilo parecia-me
de repente uma canção italianíssima”,
diz Sérgio Godinho, citado
por Nuno Galopim. Esta gravação
está incluída no disco Roba Di Amilcare (1999), colectânea de canções desse
festival, onde ao lado de cantores italianos como Paolo Conte, Ornella
Vanoni, Angelo Branduardi, Fabrizio De Andrè, Eugenio Finardi, Jovanotti ou
Vinicio Capossela, só há dois não-italianos: Sérgio Godinho (com o seu Il primo giorno) e Chico Buarque, este num registo de 1996, a cantar um tema
de Paolo Conte, Genova per noi.
Falamos
de tudo isto porque, repetindo a “frase batida” que Sérgio usou na canção (“e
que nem sequer é minha”, como ele reconheceu), hoje é o primeiro dia do resto
das nossas vidas. E porque, umas vezes melhor e outras vezes pior, lá vamos,
como diz a canção e a realidade confirma, dando a volta ao medo e dando a volta
ao mundo. E com alívio (adeus, Trump!).
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COMENTÁRIOS
Boris Vian MODERADOR: Boa
malha Nuno Pacheco, essa de ligar o 'O primeiro dia' à pandemia. Para mim
talvez uma das mais belas canções, se não a melhor, do Sérgio. Talvez, porque
existem outras que batem forte quando se ouve ... a 'Balada da Rita' é obra!
Mas apraz-me saber que os italianos também sentiram a 'pancada' :). Grazie. Já
com as 'Cantigas de Maio' a rendição foi total ... não há tradução, mas o grupo
italiano que a interpreta é fantástico. Conhece, Nuno Pacheco?
12.11.2020
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