segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Agora é mais à trolha

 

Posta assim a questão, parece que o que conta menos é o país. Mas, acho eu, era neste que se devia pensar e não em aplicações próprias. Esquerda, direita – onde fica o igualitarismo e a liberdade de pensamento dos ideais democráticos? Trabalhar, desenvolver o país, onde todos cabem, não é essa a justa doutrina?

Julgo que AB se engana, o país (quem diz país diz povo) é mais esperto do que parece, no sentido de finório e comodista. De resto, a época dos coronéis e dos generais já passou e as próprias armas levaram sumiço. Nós, é mais à porrada, para os pequenos ideais que nos movem, tudo boa rapaziada, que se contenta com umas bejecas e uns palavrões à maneira…

OPINIÃO

O pior é possível

O Chega, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, tão diferentes nas suas histórias, tão distintos na sua organização e nas suas doutrinas, poderão ter, no futuro, se os deixarem, uma enorme capacidade de destruição dos dois grandes partidos da democracia portuguesa.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 21 de Novembro de 2020

A coligação de esquerda promovida pelo PS de António Costa e a criação do partido Chega de André Ventura são os dois acontecimentos singulares mais importantes para a remodelação do panorama político e partidário. Em conjunto, militam seriamente a favor do pesadelo político que, cada vez mais, se anuncia como inevitável: a separação do país ao meio, esquerda e direita, ou a criação de dois blocos compactos, o de esquerda e o de direita, ou ainda a divisão dos portugueses em dois grupos irreconciliáveis, o de esquerda e o de direita.

Há, todavia, uma diferença notável entre a criação do Chega e a coligação de esquerda. A primeira surge das margens e é uma mera borbulha, enquanto a segunda emana do centro do poder e é um gesto com peso e medida. De comum, têm o facto de tentarem promover a alteração da vida política e o de estarem na origem de percepções catastrofistas do futuro do país. Já se berra por aí “abaixo o fascismo” e “fora o comunismo!

Há anos que estava nas cartas, mas que foi sempre sendo recusado. A tão desejada bipolarização, defendida por muita gente à esquerda e à direita, não era mais do que isso. Ou antes, era uma versão do que realmente se escondia, o receio do “bloco central”, considerado este como o alfobre da corrupção, o viveiro do compadrio e a incubadora da partidocracia. Nos seus tempos mais viçosos, a defesa da bipolarização utilizava argumentos tentadores. Esclarecia a vida política, dizia-se. Ficava a saber-se melhor quem era quem, julgava-se. Terminava com as meias medidas e os meios-tons. Afastava as águas mornas e pantanosas. Ajuizadamente, nunca se fez realmente. Nem nos tempos de Cavaco Silva ou de Sócrates. Mas quase se fez nos de Passos Coelho. E agora, mais do que nunca, está aí à porta.

A divisão do país entre esquerda e direita, nas actuais circunstâncias históricas, determinará uma fragmentação partidária muito mais acentuada, assim como a divisão entre o público e o privado e o fomento da luta das classes a graus desconhecidos há quarenta anos. A bipolarização não vai permitir mobilizar interesses e classes, recursos e criatividade suficientes para idealizar e concretizar o progresso do país nas próximas duas décadas. Depois da pandemia, cujos efeitos não são ainda totalmente previsíveis, mas que serão sempre piores do que se espera, vai ser necessário um enorme esforço de reorganização e de investimento. Assim como de protecção social. E também de paz social. Não de “união nacional”, mas de convergência maioritária coesa e programática. Ora, infelizmente, nada na actualidade parece apontar nesse sentido.

Os dois mais importantes partidos da democracia portuguesa, obviamente o PS e o PSD, preparam-se para um ciclo terrível de divisões internas. Um porque não tem poder, outro porque não o tem suficientemente. Um porque se quer chegar à direita, outro porque quer rumar à esquerda. Mas isso não é importante. O que realmente conta é a percepção generalizada de que nenhum dos dois poderá jamais voltar a ter uma maioria absoluta. Pode acontecer, mas é improvável. O essencial é que os seus eleitores e os seus militantes estão convencidos de que tal não é possível. Assim, as facções internas e os grupos habituais começaram a preparar uma batalha que se anuncia sangrenta e longa. Não necessariamente ou não apenas pelo poder dentro do partido. É muito mais do que isso e muito mais importante: o que está em causa é a união das esquerdas e a união das direitas, a formação de dois blocos irredutíveis, adversários e rivais. Inimigos, mesmo. Tanto à direita como à esquerda, há quem tal não queira. Mas são minorias quase insignificantes.

As divisões dentro dos dois grandes partidos vão ser perigosas. Não parece haver, em qualquer deles, personalidade, equipa ou doutrina à altura de forjar a unidade ou de federar tendências. Além disso, os objectivos de luta não são puramente internos. Dado que são externos e dizem respeito a toda a direita e a toda a esquerda, a luta será renhida e provavelmente acabará em mais um processo de fragmentação, como ainda não houve em Portugal, mas cujos riscos são cada vez maiores.

Perigo de fascismo? Ridículo. Ameaça de comunismo? Risível. Possibilidade de aventuras revolucionárias populistas de esquerda ou direita? Certamente. Mas só terão hipótese de concretização se os dois grandes partidos, PS e PSD, não forem capazes de suster a deriva populista e a fragmentação. O Chega, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista nunca governarão Portugal, mas, por causa deles, os dois partidos correm riscos de mutação, deslize, afundamento e descaracterização. É muito pouco provável que qualquer destes partidos tenha uma influência preponderante no governo do país. Mas têm seguramente enorme influência no pensamento e nas políticas do PS e do PSD, caso estes dois partidos não sejam capazes de resistir às suas tentações e aos seus próprios receios e não tenham força suficiente para se afirmar e defender as suas políticas. O Chega, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, tão diferentes nas suas histórias, tão distintos na sua organização e nas suas doutrinas, poderão ter, no futuro, se os deixarem, uma enorme capacidade de destruição dos dois grandes partidos da democracia portuguesa.

Infelizmente, estes dois grandes partidos não dão sinais de terem percebido o que está em causa, nem de se prepararem para evitar o declínio, a fragmentação e a divisão. No PS e no PSD, há “anjos” convencidos de que a melhor maneira de evitar o Chega, o PCP e o Bloco consiste em trazê-los para a democracia, na convicção de que mudarão. O mais provável, todavia, é que sejam os dois partidos a mudar e a aproximar-se mais dos projectos radicais.

Nenhum dos grandes problemas nacionais do presente se esgota ou resolve com uma política de esquerda ou de direita. O Serviço Nacional de Saúde, o investimento económico, a criação de emprego e a protecção social não se compadecem com um governo de esquerda ou um governo de direita. Também a reforma da Justiça e a da Educação exigem muito mais do que isso, do que uma política sectária de esquerda ou de direita.

A divisão da política portuguesa em dois blocos de esquerda e direita é a destruição de qualquer hipótese sensata de social-democracia e de socialismo democrático ou de democracia social. E é uma diminuição das hipóteses e da riqueza da democracia liberal.

Sociólogo

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COMENTÁRIOS:

Fowler Fowler INICIANTE: Oráculo importante! Porém, lembro-me que, nos seus tempos mais viçosos, AB, zangado com o PS, criou os “Reformadores” com os quais participou na AD (coligação de direita); clamou contra o “bloco central” e teatralizou o famoso “peuple de gauche”, na eleição do Presidente Soares, ajudando assim a criar facções e blocos adversários e até inimigos. Nos verdes anos da democracia, a direita esteve enroscada no armário e as esquerdas fragmentaram-se. Agora, desde o “Compromisso Portugal” que, na ausência de maioria absoluta do PSD, AB deseja um governo de direita liderado por Passos com o apoio parlamentar do PS. É caso para dizer que o sectário de ontem ganhou asas e virou “anjo”. Só falta sair do armário... 21.11.2020    mpro EXPERIENTE: Nada é imutável. Para AB, alterar o centro que lhe deu vida, e que vida, é uma ignomínia. Quando a nossa existência é o centro do mundo, qualquer sombra é a maior das tempestades. Mas já Camões dizia, "todo mundo é composto de mudança", e não se pode eternizar o nepotismo, para manter o status quo, de onde só os nossos beneficiem. Por alguma razão há muitos anos, o AB, fugiu de Trás os Montes, para paragens mais amenas. Não pode negar isso aos outros. E não vale a pena mistificar com a igualização do PC, Bloco, e Chega.          Manuel.Barbosa. EXPERIENTE: Weimar, revisitada.          FzD INFLUENTE: Muito bem, António Barreto. Subscreveria, se fosse caso disso.          GMA EXPERIENTE: Avisada reflexão Professor A. Barreto! Espero que o PS e o PSD não acordem demasiado tarde do tão doce quanto perigoso embalo Poder, do suicidário frenesim que a vertigem do poder induz. A ressaca será dolorosa!         EXPERIENTE: Já chega de chega! - dizia, um dia destes Barreto - mas que por qualquer fixação, não compreensível, o faz voltar sempre ao mesmo tema, ( onde, aliás, não está sozinho). Depois, lá lhe vem o seu sexto sentido de bruxo, que não concebe uma sociedade futura sem o acompanhamento de PS e PSD. Mas, a pregunta pertinente não lhe ocorre: " porque aparecem estes partidos demagógicos e populistas?" É evidente que foram formados pela inépcia dos "proclamados partidos democráticos" que não cumprem, não têm comportamentos morais, e muito menos praxis incentivadoras para que sejam credíveis. É assim ao não? Caro António Barreto.        OM INICIANTE: AB odeia o preto e o branco; esconjurá-los-á em cada prédica semanal até que todas as nossas cabeças duras assimilem que a única cor pura é o cinzento. No princípio era o Cinzento, e o Cinzento resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra o Cinzento. Houve um homem enviado por Deus cujo nome era. Para que testificasse que o Cinzento estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele. E o Cinzento se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória. Amen. Óscar Mota       EuQuixote INFLUENTE: É verdade, temos muitos exemplos no mundo que está cada vez mais bipolar (ver UK e USA por exemplo). Isso pode ser muito mau, cria ruptura e leva à guerra. Não será fácil de lidar, se calhar se as pessoas deixassem de se ofender continuamente com “fachos” e “comunas” nas redes sociais por dá cá aquela palha, ou até por palha nenhuma, podia melhorar.           Filipe Paes de Vasconcellos INICIANTE: As habilidades do Dr. Costa O dr. Costa ao trazer a extrema-esquerda para o arco da governação teve como consequência evidente o aparecimento de uma direita radical. Só não viu quem não quis ver. O que estava à espera o nosso mais bem preparado politólogo Marcelo Rebelo de Sousa que andou com a geringonça ao colo?      Luís Pires INICIANTE: AB tornou-se um quisto de si próprio. Alimenta-se das fixações que produz e bebe a seiva da sua repetitiva angústia. Ao invés de evoluir, ao nível da reflexão crítica e autocrítica, continua a deslizar pela encosta.

EuQuixote INFLUENTE: E o LP deve ser uma pessoa super especial, um modelo a seguir, um avatar! Ele há com cada narciso...      Magritte EXPERIENTE: No entanto, nenhuma das condições essenciais para uma divisão ao longo destas linhas é actualmente visível. A dispersão política, muito mais visível no PAN do que no Chega, só é um problema para quem está confortável com o status quo: uma política neoliberal, seguida igualmente por PS e PSD. Esse socialismo democrático, essa social democracia, são hoje propostas muito mais efectivas no BE ou mesmo no PCP do que no PS. Haverá uma divisão direita-esquerda insanável? Acho que chegará primeiro a divisão democracia-anti democracia, à qual o PSD se junta já ao segundo campo.

 

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