Também fui professora, julgo que das
empenhadas e realmente o que sempre pretendi foi conseguir transmitir as
matérias da minha responsabilidade docente, usando os truques possíveis para viabilizar
os meus intentos. Valeu-me o estudo próprio das matérias e línguas (portuguesa
e francesa) e literaturas respectivas - enquanto a literatura francesa
constituiu matéria de currículos – (antes do 25 de Abril, é claro), mas ela serviu-me
sempre para uma abordagem mais lúcida da literatura portuguesa, não duvido. Não
tinha sequer tempo para pensar em mudar outra coisa que não fosse realmente o comportamento
discente relativamente à compreensão das matérias em causa que os programas
ordenavam. É certo que por vezes havia desvios. Não esqueço aquela aula em que,
a propósito do custo de vida, comparei a renda de uma casa que estreei, novinha
em folha, em Aveiro, em 58, no meu primeiro ano de docência, renda que ficava
por 800 escudos, um terço do meu ordenado, ao passo que as rendas das casas nesse
ano de 89 ou 90 custavam o ordenado de um dos elementos de um casal, o que era
chocante. E esse assunto foi efusivamente aceite, sobretudo pelas alunas daquele
suponho que 11º ano, inesperadamente gratas por uma abordagem extracurricular.
Concordo com o que Maria Fernanda Santos Souza afirma
sobre a situação do ensino hoje, de autêntico teatro e atropelo, por conta de
um vírus daninho. Mas acho demasiado pretensioso querer fazer do ensino uma
escola de mudança do mundo, quando o que parece importante é, de facto,
contribuir para a formação das crianças ou jovens em cada domínio de estudo a
transmitir, não deixando, é claro, de chamar a atenção para as
responsabilidades de todos nós para os valores da moral e da cidadania, como,
de resto, deve ser esse também o papel da família. Mas era necessário que a retórica
ministerial fosse nesse sentido e não me parece que o seja, na permissividade
aos abusos discentes e na sobrecarga palradora sobre os docentes.
Voltando a falar em heróis e heroínas...
Não há palavras suficientes para reconhecer todos os
professores e professoras, que estão, neste momento com muito mais esforço, a
tentar mudar o mundo, uma criança de cada vez.
MARIA FERNANDA SANTOS SOUZA
OBSERVADOR, 17 nov
2020 bem
Faz
dois meses do início do ano lectivo e do regresso do ensino presencial às
escolas desde o princípio da pandemia. Apesar do aumento significativo no
número de casos de Covid-19 durante as últimas semanas, as escolas permanecem
abertas, em actividade. Ou, como muitos dizem, estão a funcionar “normalmente”.
Excepto que, de normal, não há nada e os desafios que se apresentam aos
professores, alunos e a toda a comunidade escolar são maiores do que nunca.
O uso constante de máscaras, o
impedimento de partilha de material, o distanciamento obrigatório, as regras de
higienização, os espaços-bolha para cada turma, entre várias outras medidas,
dificultam – e muito – a boa experiência no ambiente escolar e, por
consequência, o processo de aprendizagem.
Não há dúvidas, porém, de que é
fundamental que as escolas continuem abertas. O ensino à distância e as
diversas ferramentas que proporciona, apesar de serem uma excelente alternativa
e complemento aos estudos, também revelaram limitações e agravaram
desigualdades. A falta
de acesso a computadores (ou a partilha de apenas um computador entre toda a
família) e de espaços apropriados para o estudo em casa, o risco aumentado de
exposição à violência doméstica e insegurança alimentar e a ansiedade
generalizada que a situação provocou são apenas alguns exemplos. Além
disso, a ausência de contacto afectivo, neste caso com os colegas e
professores, que representa uma componente crucial no desenvolvimento humano,
também ficou prejudicada.
É de conhecimento geral que as famílias em situação socioeconómica
desfavorável são as que mais sofreram as consequências da pandemia e do ensino
à distância. Pelo menos um quarto dos estudantes
do ensino básico em Portugal não teve acesso a um computador, o que deixou a
maioria com pouquíssimo – ou nenhum – acesso às oportunidades educativas
promovidas pelas escolas. Actualmente, em Portugal, há 137
agrupamentos escolares inseridos no programa TEIP (Territórios Educativos de
Intervenção Prioritária), que abrangem escolas em contextos socioeconómicos
desfavoráveis e, se o ensino à distância ainda apresenta tantas limitações,
para estas populações é mesmo insuficiente para suprir as necessidades
educativas básicas das crianças e adolescentes.
Apesar da taxa de abandono escolar em
Portugal ter diminuído nos últimos anos, o Governo já alertou para o seu
potencial aumento no contexto pós-pandemia. Muitos alunos, simplesmente,
“saíram do radar”, por diversas razões, e não será tarefa fácil inseri-los
novamente no sistema educativo.
Para
o retorno às aulas presenciais, um relatório da DGE revelou
preocupações com a consolidação e recuperação de aprendizagens, comprometidas
durante o período do ensino à distância. Entre as orientações comunicadas às
escolas, definiu-se a garantia do bem-estar socio-emocional dos alunos como uma
das prioridades para o ano, além da reorganização de grupos de trabalho e
expansão dos programas de mentoria e tutoria personalizada. Todo o apoio
possível, neste momento, é fundamental para minimizar os efeitos negativos da
pandemia na educação.
Um
relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico), sobre a reabertura das escolas, afirma que é
esperado dos professores que, mais do que nunca, sejam inovadores e “game
changers”, que o seu papel será muito diferente de anos anteriores e de total
importância para o sucesso das escolas pós-pandemia. O relatório sugere que os
professores devem liderar a mudança e assumir, para além das funções
educativas, um papel estratégico nas decisões da escola e de apoio a toda a
comunidade escolar.
Ou
seja, durante o período anterior, os professores precisaram, de um dia para o
outro, de procurar soluções para manter as aulas online, muitas vezes eles
próprios sem condições ou conhecimento suficiente para tal. Agora, no
regresso à escola, o cenário parece ainda mais complexo: alunos com perda acentuada de aprendizagem, menos
competências sociais, um quadro grave de ansiedade geral, milhares de
professores com a possibilidade de se afastarem por baixa médica, a incerteza
de como proceder com avaliações (qual a forma mais justa nesse momento?), carga
horária extra com reuniões online sem fim e o medo constante pela própria saúde. Em Portugal, aproximadamente 20% dos
professores têm mais de 60 anos e muitos outros estão em regime de mobilidade,
o que significa, muitas vezes, estar longe das suas famílias.
Segundo Paulo Freire, a educação deve
estar ao serviço da transformação social e, portanto, deve ser libertadora e
permitir o pleno desenvolvimento do potencial humano. Se é, desde sempre, um
trabalho muito desafiante, garantir o pleno desenvolvimento de tantas crianças
e jovens em tempos de pandemia parece mesmo ser uma tarefa para super-heróis e
heroínas.
Torna-se,
então, ainda mais escancarada a pouca valorização e remuneração dos
professores, comparada com a alta carga de responsabilidade que acumulam. Entre
rejeitar os abraços, o cansaço de dar tantas aulas com o uso de máscaras e
todas as outras circunstâncias, os professores estão a “dar a cara a tapas”,
todos os dias, nas escolas, com coragem e determinação.
Tal
como disse Malala, “uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem
mudar o mundo”. Não há palavras suficientes para reconhecer todos os
professores e professoras, que estão, neste momento com muito mais esforço, a
tentar mudar o mundo, uma criança de cada vez, e estão, também, no topo da
lista de heróis e heroínas desta pandemia – e fora dela.
Maria Fernanda Santos Souza é mentora na Teach For Portugal. Brasileira, mestranda em Educação e
Literacia Física, foi co-fundadora dos Global
Shapers em São Luís, no Brasil, e trabalhou na ONG global AIESEC por
4 anos. É Alumni do programa de liderança do governo dos Estados Unidos, Young
Leaders of the Americas Initiative. Já viveu em três países e considera-se uma
cidadã global.
O
Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial,
para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto
pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo
representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos
Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.
COMENTÁRIOS:
Rita Vilela: Muito
romântico, mas não é bem assim. Tenho 3 filhos na escola pública. Na quarentena
foram poucos, muito poucos, os professores que se esforçaram. Aliás, igual ao
que acontece na escola. Tenho encontrado Professores óptimos, com P grande,
sim, mas são uns 25%. O resto nem se dá ao trabalho de mudar os testes de ano
para ano, chapa 4 e está a andar.
Antes pelo contrário: COMO?!? "a
tentar mudar o mundo, uma criança de cada vez"??? "O relatório sugere
que os professores devem liderar a mudança e assumir, para além das funções
educativas, um papel estratégico nas decisões da escola e de apoio a toda a
comunidade escolar."??? Isso é um abuso das funções para fins políticos e
qa doutrinação das crianças consoante as ideologias ou crenças dos
professores!!!!! Nenhum professor- e eu fui professor durante 12 anos, em
vários níveis de ensino - tem o direito de fazer tal coisa! Os professores
devem dar a máxima abertura ao conhecimento e ensinar as crianças a pensar
por elas próprias - e não usá-las para "mudar o mundo", nem para fins
"estratégicos"!!!!!
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