Não quero, com a evocação de Pessoa, comparar os tais mitozitos da esquerda de que trata superiormente Paulo Tunhas. É apenas uma homenagem a este, que tece sobre a indigência e maldade dos mitos de fabrico da esquerda, alatinadamente sinistros, pois. Mas assim vamos vivendo – e morrendo – sem solução, preservados, ao menos, pelo belo poema que, esse sim, tem razão para perdurar, não caseiro escatológico, mas épico.
ULISSES
O mito é o
nada que é tudo.
O mesmo sol
que abre os céus
É um mito
brilhante e mudo —
O corpo morto
de Deus,
Vivo e
desnudo.
Este, que
aqui aportou,
Foi por não
ser existindo.
Sem existir
nos bastou.
Por não ter
vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda
se escorre
A entrar na
realidade,
E a
fecundá-la decorre.
Em baixo, a
vida, metade
De nada,
morre.
A vida no mito da esquerda /premium
Não quero apenas sublinhar o carácter
obsceno da acusação (Ventura igual a Hitler, Rio igual a Pétain). Quero
sobretudo fazer notar a que ponto a vida no interior do mito conduz fatalmente
ao absurdo.
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 26 nov 2020, 07:2941
Comemorou-se ontem o 25 de Novembro. Ou melhor, não se comemorou. Não se
comemora nunca. E porquê? Porque a esquerda o impede? Porque algumas almas
sensíveis o acham “divisivo” e, portanto, insusceptível de festejo público?
Sim, sem dúvida. Mas, ao mesmo tempo, porque lhe falta por inteiro a
componente mítica do 25 de Abril. A acção levada a cabo por parte dos
homens corajosos que fizeram o 25 de Novembro, derrubando as pretensões da
esquerda totalitária de tornar Portugal numa espécie de Bulgária ibérica, e
tornando o país, ao contrário, numa banal e prosaica democracia europeia, não
oferece um mito dentro do qual possamos viver e pensar. Tem a demasiada aspereza da realidade. E grande
parte das pessoas precisa de mitos para viver e pensar. Sem eles, perdem-se os
pontos de referência, a história deixa de ser portadora de um sentido, não se
sabe o que se dizer, as palavras deixam de ter um significado imediato e quase
tangível, igualmente predisposto à acusação política – “fascista!” — e ao
devaneio lírico – “respirar Abril”. Como comemorar uma data assim? Como
celebrar o fim de uma ilusão totalitária? Não se faz.
Por
acaso, os tempos presentes são um bom exemplo dessa necessidade do mito. A propósito do Chega – obviamente um partido “fascista”
que não nos quer deixar “respirar Abril”
(há uma “etiqueta respiratória” de esquerda) –, executam-se os velhos
rituais que, até ao 25 de Novembro, tinham por objecto o CDS. Um deles
é o ritual da ilegalização.
Recentemente, o suavíssimo Fernando Medina, logo
seguido pela dificilmente suave Ana Gomes, declararam o seu desejo de ver o
partido populista de André Ventura ilegalizado. Se dependesse dele, afirmou Medina, era já. E,
obviamente, Ana Gomes não lhe ficou atrás. A confusão do populismo com o fascismo,
na sua própria indiferença para com a história, dá-se no interior do mito. O mito não tolera a equivocidade: se André
Ventura é um demagogo populista, decorre daí
necessariamente que representa a extrema-direita-fascista, e, se representa a
extrema-direita fascista, o Chega não pode existir. Ora, fora do mito, o populismo é, de um certo modo, um
luxo útil das democracias. Dá a ver
coisas que, pelos canais mais habituais, não transpareceriam nunca, ou apenas
se deixariam adivinhar a partir de factos avulsos e inexplicáveis: angústias,
medos, obsessões. Dito de
outra maneira: contribui para um retrato do país que temos de ter em conta e
permite uma acção que possa ser eficaz para mudar a situação. Obedecer aos
rituais que actualizam o mito, pelo contrário – ilegalizar
o Chega, por exemplo –, é, além de
flagrantemente anti-democrático, a receita certa para a cegueira e o desastre. É o que nos sugere, no entanto, como remédio para
todos os males, o pensamento mítico do Dr. Fernando Medina e da Dra. Ana Gomes.
Infelizmente,
eles estão longe de andarem sozinhos por essas águas. Tomemos o
exemplo de uma criatura urbana como o
historiador Rui Tavares. Eis
alguém que, apesar de certas aparências em contrário, navega também ele em
pleno nas águas do mito. Isso vê-se pelo modo como, com uma cedência aqui e
outra ali, tudo faz para dividir a sociedade em dois campos muito estanques: o
do bem e o do mal, é claro. Mesmo que, para a coisa surtir efeito, tenha de
recorrer a uma espécie de amnésia auto-induzida. Dois exemplos
apenas.
Aqui
há uns dias, num debate televisivo, com, entre outros, o socialista
Sérgio Sousa Pinto – que pensa,
e pensa bem, fora do mito –, este último, declarando a sua profunda antipatia
pelo Chega, sublinhou simultaneamente a sua repugnância instintiva por uma
visão do mundo que o partilha entre puros e impuros, perfeitos justos e
perfeitos injustos, e por aí adiante. E, às tantas, Sousa Pinto
perguntou a Tavares se este se lembrava do nome do homem que chefiava o Partido
da Esquerda Europeia na altura em que o então eurodeputado Rui Tavares, eleito
pelo Bloco, nele se encontrava filiado. Todos temos os nossos momentos
infelizes, mas o de Rui Tavares foi infelicíssimo: titubeando, respondeu que
não, que não se lembrava – uma das mais inverosímeis respostas que se poderiam
imaginar. Sousa Pinto lembrou-lhe então o nome: Lothar Bisky. E lembrou-lhe igualmente que,
durante anos, Bisky fora um informador privilegiado da Stasi, a sinistra
polícia secreta da Alemanha de Leste. Mas é claro que Rui Tavares não se poderia lembrar de nada. Uma
das funções do mito é também o de promover o esquecimento selectivo, ou melhor:
o de oferecer um método que desenvolva e aprimore o esquecimento selectivo que
faz parte integrante da natureza humana.
Outro
exemplo. Dia 20 deste mês, Rui Tavares publicou no Público um artigo (“E se a
direita anticolaboracionista tomar partido?”) em que, elogiando quem subscreveu
o manifesto “A clareza que defendemos” (Público, 10 de Novembro), usa e
abusa do vocábulo “colaboracionista”. Não há especial originalidade na
coisa. Nos tempos da troika, na altura em que grandes fotografias de Angela
Merkel apareciam em diárias manifestações pelo país adornadas com um bigodinho
à Hitler, José Pacheco Pereira, é uma tristeza, também chamava
“colaboracionista” a Passos Coelho
e a quem quer que o apoiasse.
Não
é uma originalidade, mas é uma vergonha. “Colaboracionista” tem um
significado histórico muito preciso. Significa o acto de colaborar com o
invasor nazi, tal como defendido pelo marechal Pétain no célebre discurso
radiodifundido de 30 de Outubro de 1940.
Significa isto, apenas isto, nada mais do que isto. Que uma criatura cordata
como Rui Tavares recorra a esta expressão para descrever quem, discordando
do manifesto em questão, aceita dialogar com o Chega, mostra bem o grau a que o pensamento mitológico da
esquerda tomou conta do seu cérebro.
Naturalmente, para ele encontra-se apenas “indignidade” no campo oposto, uma
indignidade promovida “pelos motivos mais corriqueiros: a carreira, o sossego e
a aprovação dos pares levam a melhor”. Falando por mim, é verdade: nos últimos
dias tenho notados melhoras pessoais em todos esses domínios. E na saúde
também.
Não quero apenas sublinhar o carácter obsceno da acusação, nem o seu
ridículo (Ventura igual a Hitler, Rio
igual a Pétain). Quero
sobretudo fazer notar a que ponto a vida no interior do mito conduz fatalmente
ao absurdo, ao nos dar, como alguém disse, uma “ilusória inteligibilidade” das
coisas. Mas aparentemente é a única forma de vida e de pensamento que certa
gente conhece.
POLÍTICA EXTREMA
ESQUERDA 25 DE
NOVEMBRO PAÍS
COMENTÁRIOS:
jorge costa: Tanto medo do Chega! Mas os comunas não trucidaram mais pessoas ao longo da
história que os próprios nazis? Mas porquê não são ilegais em Portugal se são
anti europa, anti euro, anti Nato e pró coreia do norte , pró Cuba e oustars
bostas idênticas ? António
Sennfelt: Uma vez
mais, parabéns ao prof. Paulo Tunhas que, nestes nossos tão sombrios tempos,
novamente nos vem deleitar com um dos seus saborosos e instrutivos textos!
Apenas me incomoda o seu excessivo incómodo perante as useiras excrescências
proferidas por vultos como o do suavíssimo Medina, da não tanto Dra. Ana Gomes,
ou do incontornável "historiador" Rui Tavares! Que outra coisa seria
de esperar senão disparates destas infelizes criaturas obnubiladas pela
excessiva inalação de mitologia anti-fascista? Carminho Sottomayor: Há malta por aqui que anda a dormir,
ou melhor, a fingir que anda a dormir. Observador, 29 Jan 2020: O Conselho
Superior da Magistratura (CSM) considera que o projecto de lei apresentado pelo
deputado único do Chega, André Ventura, que defende a castração química para os
casos “especialmente graves” de abusos sexuais de menores, viola artigos da
Constituição Portuguesa e da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
nomeadamente o direito à dignidade humana. “É um tratamento desumano e cruel“,
conclui o órgão de gestão e disciplina dos juízes. Joao
Figueiredo > Carminho Sottomayor: Então a violação de menores não
atinge a dignidade humana ?
O que propõe a Carminho ? Carminho Sottomayo Carminho
Sottomayor: Proponho que esses violadores sejam julgados, condenados com base na prova
e que lhes seja aplicada a pena prevista na lei. Onde está a dúvida? Sérgio Lopes >Carminho
Sottomayor: Sabe que já foram, este ano, violadas milhares de crianças? Teve a sorte de
não ser ninguém da sua família. Sabe o que é a castração química? É tomar todos
os dias um comprimido para não ter erecção. É uma medida gravíssima, não é? É
melhor traumatizar as crianças e deixar os bandidos andarem por aí? É esta
medida "terrível", que existe em numerosos países, que o Chega
preconiza. Joao
Figueiredo > Carminho Sottomayor: A dúvida está que eles não ficam lá
para sempre e voltam a cometer o mesmo assim que saem ... os mais inocentes
devem ser protegidos de maneira mais eficaz do que essa, que obviamente não
chega. Não sei qual a melhor solução e nisso intelectualmente sou honesto, o
pensar unicamente na dignidade do prevaricador parece-me pouco e esperava mais
de si. Logicamente que eu tb penso que o "doente" que pratica esse acto
tem que ter ajuda e a prisão per si não vai resolver grande coisa Carminho
SottomayorCarminho Sottomayor: Caro Sérgio, va-se informar um pouco
melhor sobre o que é a castração química, nomeadamente sobre os seus efeitos
cancerígenos, entre muitos outros, razão pela qual foi abandonada em muitos
países. E por favor poupe-me a essa argumentação barata e demagógica "tem
sorte não ser da sua família". Mas o dramático mesmo é que a malta nem
sequer se apercebe que está a gastar energias a discutir sobre uma espécie de
"soundbite". Mas por acaso esta questão da moldura penal para os
casos de pedofilia era um problema que carecia de solução urgente?! É isso que
o nosso país precisa urgentemente de resolver? Evidentemente que não, e por
isso é que é populismo no seu pior!
Manuel Magalhães: Bom artigo em que põe em relevo o mito do mito, típico
pensamento das esquerdas e que nos têm conduzido ao abismo para o qual nos
tentam precipitar!!! Gil
Lourenço: Não sei se
já alguém fez uma estatística acerca dos comentadores políticos nas TVs? Seria
interessante ver quantos são de esquerda e quantos são de direita e a que horas
passa cada um. Quantos estão ou estiveram ligados a partidos políticos. Ver
isso sobretudo na TV pública que é paga com os nossos impostos, nomeadamente a
taxa de audiovisual. E começar a reclamar ao provedor por falta de pluralismo. carlos
Heitor: Claro e
objectivo, coisa que infelizmente não sai da nossa esquerda tendenciosa e
bloqueadora da liberdade de opinião Filipe Fernandes: Parabéns pelo texto. "Uma das funções do mito é
também o de promover o esquecimento selectivo". Na mouche. Carminda Damiao: Óptimo texto. O Chega mete tanto
medo a algumas pessoas, que é preciso diabolizá-lo usando argumentos que são
falaciosos. Dizem-se democratas, mas só aceitam pessoas que pensam como eles.
Liberdade de pensamento sim, mas só se pensarem como eles. O Chega estava a
fazer falta. bento
guerra: O 25
Novembro merece celebração? Foi um acerto de contas entre militares, como houve
muitos depois do 25A. Esta "esquerda" é néscia e oportunista. António Sennfelt > bento guerra: O 25 de Novembro "apenas" resgatou
Portugal de uma nova ditadura, mil vezes pior que a anterior! Maria Alva: Muito oportuno e bem explanado Gil
Lourenço: Muito bom texto! Mas por que carga
de água Rui Tavares é comentador! Além do homem ser um tontinho, ainda por cima é dirigente de um partido. É
isto que mina a democracia e a sanidade deste país: políticos ligados a partidos
a comentarem política! Já agora: Nem sequer o Observador comemorou o 25
de Novembro! Andrade
QB: Gostei de
ler. Aliás o que mais me faz, infelizmente, falar com a televisão é o profundo
incómodo com a duplicidade de discurso que a grande maioria de políticos,
comentadores e jornalistas usa a olhar frontalmente para a câmara, como o fazem
os mentirosos competentes. A irritação passa, no entanto, a raiva quando essa
duplicidade vem da parte dos jornalistas. No debate a que Paulo Tunhas se
refere, irritou-me ainda mais do que o inaceitável, por falso, discurso de Rui
Tavares, o facto do Director do Público, para defender a sua tese, lembrar que
o comunismo soviético já não existia, enquanto jurava que o fascismo hitleriano
se mantinha intocado. ANTONIO
MADUREIRA: Muito bem ! ………. Joao Figueiredo > Carminho Sottomayor: Carmino com tanta propaganda ao
Chega tive que ir ver o programa do dito e constato, tem coisas boas para o
cidadão, tem coisas menos próprias e tem imensa palha ou seja na prática é
igual ao do BE, CDU;PS;PSD .... muito blá-blá que depois a maior parte, senão
todos não fazem o que lá está por força das circunstâncias. O Chega será um
partido forte porque o medo o fará crescer com a vossa propaganda. Não acredito
que fico assim tão forte, sempre fomos demasiado mansos e se conseguimos
conviver com a extrema-esquerda conseguiremos conviver com a direita menos
polida. Carlos
Almeida > Carminho Sottomayor Muito bem. Declaração e interesses:
não sou apoiante do Chega e não votarei Ventura. Posto isto, diga-me (se o leu) qual
o artigo ou passagem do programa do Chega que viola qualquer dos princípios que
aponta no seu comentário. Pelos vistos tal não foi descortinado pelo Tribunal Constitucional.
Talvez a Carminho (?) entenda que os magistrados do TC não passem, afinal,
de perigosos direitistas quiçá mesmo fascistas
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