Henrique Salles da Fonseca presta-a ao
seu modo suavemente divertido, chamando a atenção para aspectos da intervenção
de Gonçalo Ribeiro Telles não
totalmente aceitáveis ao nível do ensino universitário. Como sempre gostei da
figura modesta mas saliente do arquitecto, procurei outra crónica – a de Abel Coentrão, e seus comentadores, no Público,
que
manifestam pelo arquitecto igual simpatia, justificada pela obra deste. Também
julgo que Ribeiro
Telles merece todas
as homenagens.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 12.11.20
Cenário – Lisboa,
esplanada ribeirinha ao Tejo.
Personagens – Beltrana, Fulano e eu
* * *
Beltrana –
Bom dia! Podemos sentar-nos à sua mesa?
Eu –
Claro que sim! Não vos vi chegar, estava aqui no telemóvel a ver se diziam
alguma coisa mais acerca do ilustre defunto de ontem.
Fulano –
E do de hoje?
Eu –
Hoje, quem?
Fulano –
O Cruzeiro Seixas. Morreu com
100 anos. Uma bonita idade.
Eu –
Não lhe conheço a obra. Li algures, já não sei quando, que é (era) surrealista. Vou ter que ver no meu amigo que sabe tudo.
Beltrana –
Você tem um amigo que sabe tudo?
Eu –
Tenho. Chama-se José Google da Silva
mas toda a gente o trata só por Google.
Beltrana –
Ah Ah! Acho que também o conheço…
Fulano –
E sobre o Arquitecto dizem alguma coisa?
Eu –
Não tive tempo de encontrar. Mas ele, o que era, era Engenheiro Agrónomo. Aquela da Arquitectura Paisagística foi uma
maneira de ele instituir um “curso superior” de jardinagem.
Beltrana –
Acha mesmo?
Eu –
Acho. Não me parece que aquela temática tenha uma componente científica
relevante que a eleve para além de uma ou duas «cadeiras» opcionais de
«formação estética» no curso de agronomia. A componente científica é
agronómica; esta arquitectura é estética. É este gasto de energias, este
«faz de conta» que nos tenta enganar com gatos por lebres que não nos deixa
sair da cepa torta. A quem querem enganar?
Fulano – O
negócio das propinas…
Eu –
Não, não creio. Trata-se de propinas públicas, não devem constituir negócio
de tal modo atraente que justifique a criação de cursos fantasma. Era pura
perspectiva doutoral. Mas, apesar disso, o ilustre defunto foi uma pessoa
importante. Não esqueçamos que foi ele que levou o Ambiente para o Governo e
foi a partir dele, primeiro Secretário de Estado do Ambiente, que nasceu a
Política portuguesa do Ambiente com todas as qualidades e defeitos que lhe
conhecemos.
Beltrana –
Defeitos?
Eu – Sim,
todos sabemos como andam por aí à solta os radicais ambientalistas que
sobrepõem os passarinhos ao homem.
Beltrana – E
não acha que o ambiente deve ser protegido?
Eu – É claro
que sim mas não deve haver exageros nem mentiras como as que antecederam a
Conferência do Clima em Copenhagen em que os cientistas foram apanhados a
combinar a inversão dos gráficos das temperaturas para «provarem» o aquecimento
global. Mas
o ilustre defunto não teve nada a ver com isso, era um homem sério que se batia
pelas causas em que cria. Os fundadores das políticas não podem ser
responsabilizados pelos erros cometidos pelos sucessores. Gonçalo Ribeiro Teles
foi um homem de bem que merece o louvor da Nação.
Fulano –
Muito bem, está chegada a hora de irmos andando.
Eu – Vamos todos
andando…
Novembro de 2020 Henrique Salles da Fonseca Tags:: "conversas
soltas"
COMENTÁRIOS:
Francisco G. de
Amorim 12.11.2020: Conheci bem o
Gonçalo Ribeiro Teles.
II - Gonçalo Ribeiro Telles, o
cultivador de utopias
Figura tutelar da arquitectura
paisagista e do movimento monárquico, Gonçalo Ribeiro Telles morreu em casa aos
98 anos, confirmou o PÚBLICO junto da família.
PÚBLICO, 11 de
Novembro de 2020
Gonçalo Ribeiro Telles morreu esta quarta-feira na sua casa de Lisboa, aos 98 anos, confirmou ao
PÚBLICO o filho Miguel Ribeiro Telles. Arquitecto paisagista, político,
professor universitário, Ribeiro Telles é provavelmente a figura pública que os
portugueses mais associam à luta pela ecologia e pelo ambiente desde o 25 de
Abril.
Deixou-nos jardins que nos descansam e interpelam, a reserva agrícola e a
reserva ecológica. Era, ele também, uma reserva do pensamento sobre a paisagem e ecologia em
Portugal. Ajudou a escrever o articulado
do capítulo da Constituição sobre Ambiente que, a par do ordenamento do
território foi, enquanto político, agrónomo e arquitecto paisagista, a sua
maior luta. Gonçalo
Ribeiro Telles fez das plantas, das árvores e das ideias que semeou as estátuas com
que o país — ou pelo menos a parte de Portugal que não sucumbiu aos patos
bravos e à eucaliptização que ele deplorava — o lembrará.
Apareceu-nos
em público, na televisão, a levantar a voz, em desassombro, contra o impacto do
desordenamento do território nas consequências, mortais, das cheias no Tejo, em
1967, em plena ditadura. O mesmo desassombro com que anos antes se demitira
da Câmara de Lisboa, quando lhe pediram que recuasse num projecto para a
Avenida da Liberdade que dava mais espaço às árvores. Estávamos nas décadas de
50 e 60, e a conversa — a das árvores na cidade, excesso de construções versus natureza no espaço urbano —
poderia ser de hoje.
Não se considerava um utópico. Ou, dito de outra
forma, acreditou sempre que, se atirada à terra, e acarinhada, a utopia do
reequilíbrio entre homem e natureza, cidade e campo, poderia medrar. O que caracterizou sempre
este democrata conservador — esteve ligado à oposição monárquica e
católica, na ditadura, foi fundador do Partido Popular Monárquico e mais tarde
do Movimento Partido da Terra — foi uma capacidade de ler o território no que
ele tem de estável. Para lá do tempo — que ele via como co-autor, com o homem,
da paisagem — e das modas que a foram moldando.
“Todos
têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e
o dever de o defender”, lê-se no número um do Artigo 66.º da Constituição
que ele, com Fernando dos Santos Pessoa, e outros amigos, ajudou a escrever,
num café da Avenida da Liberdade, décadas antes de o mundo se aperceber,
globalmente, da urgência de arrepiar caminho.
E Gonçalo Ribeiro Telles fez desse
dever de defesa de um bom ambiente, do reencontro entre urbanização e
ruralidade, um desígnio de vida, na política, e fora dela.
Ordenamento do território
Entre as suas várias passagens pelo Governo,
no pós-25 de Abril, na AD, nos anos 80, enquanto ministro de Estado e da
Qualidade de Vida, lançou as bases de uma política nacional de ordenamento do
território, e criou a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional. Já enquanto académico, o antigo aluno de Francisco
Caldeira Cabral — figura
a quem devemos a introdução, entre nós, dos estudos da paisagem —viria a criar o primeiro curso superior de
Arquitectura Paisagística, em 1975. Uma licenciatura da Universidade de Évora
que acabou por deixar de receber novos alunos no actual ano lectivo, para
tristeza daqueles que viam nele um dos mais
importantes legados de Ribeiro Telles: a transmissão de conhecimento.
Como paisagista, a sua obra mais famosa será o Jardim da Fundação Calouste
Gulbenkian (1968) — pelo qual lhe viria a ser atribuído, com António Viana Barreto, o Prémio Valmor, em 1975 —, mas o seu génio enquanto
criador de paisagens deu origem a milhares de projectos e pode ser encontrado
noutros espaços: no
Jardim do Tanque Palácio de Mateus (1960), em Vila Real; no projecto do
Corredor Verde para a capital e no Jardim Amália Rodrigues (1996), no Parque
Eduardo VII, também em Lisboa. O seu pensamento espraiou-se também nos projectos
dos vales de Alcântara e de Chelas, da Radial de Benfica e do Parque Periférico
e pode ser ainda encontrado em vários textos em defesa de uma cidade, qualquer
cidade, que respeite as pequenas hortas e a importância dos logradouros para a amenização do ambiente
urbano.
Aos 90 anos, em 2013, e apesar de ter uma obra toda ela realizada num
pequeno país como Portugal, recebeu, vinda dos antípodas, da Nova
Zelândia, o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe,
considerado, entre os pares, o Nobel do paisagismo, criado no início deste
século. Sucedeu a Peter Walker (EUA), Bernard
Lassus (França), Cornelia Hahn Oberlander (Canadá) e Mihaly Mocsenyi, (Hungria)
numa distinção que ele definiu como “uma couraça” e que, insistia, validava as propostas para
resolver os “problemas que vinham preenchendo a [sua] vida – propostas essas
“que eram entendidas como utopias”, atirou.
O fabricante de paisagens, como lhe chamava o PÚBLICO na notícia sobre o
prémio da Federação Internacional de Arquitectos Paisagistas, foi uma voz
activa contra a eucaliptização do país — e
contra a outra monocultura, a do betão, no espaço urbano. E sentia que, apesar de a sua obra
ser muito lida — o seminal A Árvore em Portugal, escrito com
Francisco Caldeira Cabral, teve várias edições e está esgotado — faltava, entre os
decisores, quem transpusesse o seu pensamento para a prática. Isso ainda assim nunca
o esmoreceu. No documentário de 2013, Em
Nome da Terra, explica, sucintamente, o que o movia, em busca do
homem do futuro, aquele que juntaria campo e cidade: “A
inquietação tem de existir. Todos estamos numa marcha. Em que altura da marcha
estamos não sei.”
Com Isabel Salema
TÓPICOS: CULTURA-ÍPSILON ARQUITECTURA PAISAGISTA ARQUITECTURA URBANISMO CULTURA OBITUÁRIO GONÇALO RIBEIRO TELLES
COMENTÁRIOS:
Jose INFLUENTE: Um sábio que
nos deixa e a humanidade fica mais pobre. Fernando Ferreira EXPERIENTE: Se este grande Senhor tivesse sido ouvido e se tivesse
sido levado a sério pela cacicagem autárquica parasita, Portugal hoje poderia
ser um exemplo na Europa e no Mundo. Só que muitos da nossa cacicagem
autárquica optaram pelas grandes negociatas com os patos bravos amigos tirando
daí visíveis benefícios pessoais. A maior parte deles impunemente. Vão-se os
bons, fica a trampa. Que descanse em paz.
Bom dia, Terra! EXPERIENTE: Bom sujeito, mas aquele duplo L só me faz sorrir,
porque realmente os descendentes de Telo são Teles. 11.11.20 Ceratioidei INFLUENTE: Grande Homem. Descanse em Paz, obrigada por tudo o que
fez por Portugal que amava profundamente. Foi sempre um exemplo a seguir. Será
sempre uma saudade e continuará a viver no recanto mais iluminado da nossa
memória. MPS INICIANTE: Um
paisagista à frente do seu tempo. O Mundo fica mais pobre. tecosta INICIANTE : Imensa a minha tristeza. Do tamanho do Mundo. Aquele
mundo belo e inteiro que defendeu como legado obrigatório. Estamos cada vez
mais pobres. Pobre Nação. Temo pelas futuras gerações. Obrigada. Foi e
continuará a ser uma inspiração para mim. Defendo e defenderei as suas lutas
sempre. É o meu pequeno tributo pelo tanto que nos deu. Bem-haja e até um dia. João Borges MODERADOR: Que grande perda.... Luis_Morgado INICIANTE:Um grande Homem! Um defensor da qualidade do ambiente
e do território. Os portugueses guardarão boas memórias dele e das suas ideias. Jorge Sm MODERADOR: Grande, grande, grande. Obrigado por tudo, Gonçalo
Ribeiro Telles. Agora vão-se suceder homenagens e palavras hipócritas de quem
continua a não ligar patavina àquilo que Ribeiro Telles alerta há décadas e com
toda a razão do mundo. mariaestela.rodriguesmartins EXPERIENTE: Gonçalo Ribeiro Telles era um visionário. Começou a
preocupar-se com o ambiente muito antes de este ser um tema de discussão
mundial. Deixou-nos belas obras, das quais destaco o jardim da Gulbenkian,
talvez o mais perfeito jardim de Lisboa. Pena é que não haja seguidores, que se
preocupem com a o edifício que constroem, mas também com a paisagem que o
rodeia. As nossas cidades ganhariam muito com isso. PG INICIANTE: Raras
vezes fico comovido com a morte de alguém que nunca conheci pessoalmente. Esta
é uma delas. Joaquim Manuel Lopes INICIANTE : Um homem avançado no tempo. Ainda me lembro como se
fosse hoje, vê-lo numa confeitaria em Évora, que na altura, me impressionou e contentou,
pela sua figura. Paz à sua alma.
Luis Cunha_ INICIANTE: É mesmo uma notícia muito triste. Destes já não se
fabricam, uma pessoa incrível e inspiradora. FPS INFLUENTE: Eis
um homem de direita que todo o país admirava e respeitava integralmente (nunca
vi ou li, que me lembre, nada que o pudesse molestar). Facto absolutamente
único... sendo que, ainda por cima, era monárquico num país como o nosso,
assumida e hoje pacificamente republicano. Um nosso muito distinto
concidadão que nos deixa, com a sua partida, mais pobres, menos cultos, muito
menos tolerantes. Deixa no seu legado um traço que o distingue dos restantes
ecologistas que era o seu respeito pela terra e pelo homem. Permitir-me-ia,
finalmente, salientar da sua obra os jardins da Fundação Gulbenkian e do
Castelo de S.Jorge. Este homem é dos tais que não morrem porque sempre viveram.
Descanse em paz! Jose INFLUENTE: Um sábio que nos deixa e a humanidade fica mais pobre.
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