sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Pregando no deserto


Um homem preocupado: Jaime Nogueira Pinto. Uma conscienciosa mas serena análise histórico-política sua, a respeito de um povo pequeno, que vai deslizando servilmente atrás das baboseiras escancaradas desde tempos passados, e que as vaidades e ambições de governação sobretudo dos governos socialistas – (que abarcam uma enorme quantidade de adeptos à maneira da “união nacional”, fingindo condená-la, mas aplicando-a para benefício próprio, só com menos sentido patriótico do que aquele que a instalara) – que as tais vaidades e avidez, repito, usam, distorcendo os valores de um comunismo que aceitam, embora o saibam ultrapassado há muito, no seu dogmatismo de fachada. Um texto extraordinário, este de Jaime Nogueira Pinto, como todos reconhecemos, embora lavemos as nossas mãos, indiferentes às suas razões…. Coragem não é connosco, a não ser para exigirmos dinheiro de esmola alheia … Esse tal, de antigamente, pelo contrário, mostrava o cotão dos seus bolsos, mas pagou os débitos, diz-se, e juntou ouro, da exploração …

Das direitas lembradas, esquecidas e para esquecer /premium

O mal maior, o grande perigo para a Esquerda e para uma preocupada e vigilante direita liberal vem de Trump, do Chega ou, agora, até do Dr. Rui Rio. Saberão onde está, de onde vem o perigo real?

JAIME NOGUEIRA PINTO

OBSERVADOR, 13 nov 2020

Houve e há muitas esquerdas, mas também houve e há muitas direitas. Esquerdas democráticas e totalitárias, patrióticas e internacionalistas, nacionais e europeias, liberais e socialistas, religiosas e laicas, autoritárias e libertárias. E o mesmo número de direitas, também nestas e noutras variantes: direitas liberais e totalitárias, republicanas e monárquicas, conservadoras e revolucionárias, religiosas e agnósticas. Talvez por isso, numa entrevista que publicámos no nº2 do Futuro Presente, o velho Prezzolini (cuja admiração partilhei com um bom amigo e um grande representante da direita nacional, católica e conservadora, João Bigotte Chorão) tivesse definido a Direita como “o conjunto das Direitas, das que recordamos e das que esquecemos”.

Isto, no princípio dos anos oitenta, quando decidimos resgatar das cinzas e dos destroços do Estado Novo e do PREC uma alternativa de pensamento ao “antifascismo” da esquerda festiva, um antifascismo meio decadente, meio soporífero, quase sempre utilitário, o “antifascismo” que ficara da Revolução, morta no 25 de Novembro de 1975, duas semanas depois do fim oficial do Império, a 11 de Novembro.

Esse Novembro de 1975 marcou o fim de duas gerações de revolucionários e de duas utopias – uma que tinha querido fazer do Império uma Nação, mas que chegara tarde. Outra que tinha querido fazer uma revolução comunista em Portugal, uma década antes de Gorbachev iniciar a liquidação da revolução soviética.

Fracassámos uns e outros, também porque, a seu modo, estes dois projectos eram utópicos, ou melhor ucrónicos. Ou as duas coisas. Já não faziam parte do tempo e do lugar. Vinham tarde.

Percebemos hoje que fazer do Império uma Nação – integrada, multinacional, descolonizada de dentro para fora – depois do fim dos impérios europeus, era uma missão impossível. Estávamos já fora do tempo, mas isso não impediu que o nosso projecto derrotado tivesse deixado uma marca em todos – e foram muitos – os que nele participaram. E até nos nossos inimigos de então. Do outro lado não sei, mas os comunistas portugueses que, graças ao Dr. Cunhal, não embarcaram em eurocomunismos, acabaram por ser os últimos sobreviventes desse mundo que caiu na Rússia com Gorbachev e na China com Deng Xiaoping. E que também deixou marcas.

Foi nas cinzas do pós-salazarismo e do pós-marcelismo que nós, que nunca tínhamos sido salazaristas e muito menos marcelistas, quisemos fazer uma direita nova; e fazê-la à imagem das memórias e histórias da Direita do Prezzolini, que abrangia todas as outras, como alternativa àquela neblina viscosa que era o Centrão pós-PREC, àquela pobreza de ideias – pobreza não é o termo, pobreza tem uma certa dignidade e conteúdo, por isso, corrijo –, àquela indigência de ideias, de história, de narrativa, que então dominava e domina o mainstream político-intelectual doméstico.

Nesse princípio dos anos oitenta, os que tínhamos na Direita um pensamento alternativo achámos que era o tempo da coruja, o tempo de pensar, o tempo de preparar o tempo das lutas. Lembro-me muito bem de a Zezinha, que esteve comigo nas guerras e exílios do fim do Império, dizer que, naturalmente, o que devíamos passar a ser era uma espécie de corpos – não sei se vivos, se mortos – entre um tempo e outro, entre passado e presente, pontes entre a tal nação utópica e o futuro da “pátria de novo pequena”.

Foi por esse tempo que criámos o Futuro Presente e fomos à procura das raízes teóricas e vivas de uma alternativa, não tanto já contra a filosofia e à prática do totalitarismo comunista, mas contra o tentacular “antifascismo” do Centrão, na sua versão liberal (que era a da direita permitida) e esquerdista (que era a do socialismo democrático, que enfrentava os liberais).

Entretanto, passaram quarenta anos.

O comunismo nas suas várias formas – a soviética, a maoista, os goulags terceiro-mundistas – desapareceu. Restam umas sobrevivências – a Coreia do Norte, Cuba, a Venezuela. Mas levantou-se e está de pé um marxismo cultural ou uma correcção política que, sem usar assaltos ao Palácio de Inverno, campos de concentração, massacres, terror, vai ganhando terreno. E que tem por aliados, por toda a parte, os politicamente correctos de todas as categorias, conscientes ou inconscientes, activos ou passivos.

Também na Direita acabaram os nacionais-socialismos, os fascismos e os autoritarismos, como acabaram as ditaduras militares da América do Sul. E nenhum dos partidos de direita nacional e popular que vêm surgindo na Europa, partidos cujo crescimento é eleitoral, com razões diversas segundo cada país, propõe ou deseja o fim da Democracia, o silenciamento da oposição, o controlo da imprensa. Do mesmo modo, sob os governos que lhes “dão seguimento” e para os quais a esquerda e alguns inocentes úteis arranjaram o qualificativo de “iliberais” – como a América de Trump, o Brasil de Bolsonaro, a Polónia ou a Hungria – funcionam as constituições, há oposição, eleições e equilíbrio de poderes e contrapoderes. A América de Trump, o Brasil de Bolsonaro, a Polónia ou a Hungria não são Coreias do Norte, Cubas, Venezuelas ou sequer Chinas… E, no entanto, parece ser daquelas democráticas “derivas direitistas” e não destas ditatoriais “derivas esquerdistas” que vem “o grande perigo para a democracia”. O grande perigo é só um: o “perigo fascista” ou o perigo da “democracia iliberal”. Iliberal porquê? Proíbe a iniciativa privada? Proíbe a liberdade religiosa ou de expressão de pensamento? Tem milícias ou polícias políticas?

A Academia, que nas chamadas Ciências Sociais está quase monopolizada pelos que ali exercem uma estratégia de hegemonia ideológica e um verdadeiro autoritarismo iliberal – que policia a linguagem e as ideias, que higieniza a História, que seca o pensamento crítico, e, logo, todo o pensamento –, não constitui qualquer perigo. O controlo e a manipulação da classe jornalística, com o silenciamento e ocultação de alguns assuntos e o realce calculado de outros, a adjectivação sectária, o partidarismo misturado de ignorância, são também inofensivos. Como inofensivas e isentas de perigos são as leis fracturantes discretamente negociadas e passadas como moeda de troca por quem liberalmente nos governa.

Nada disto é, aparentemente, perigoso nem preocupante: o mal maior, o grande perigo para a Esquerda e para uma preocupada e vigilante direita liberal vem de Trump, do Chega ou, agora, até do Dr. Rui Rio. Rio, que até há pouco tempo, e para os mesmos direitistas vigilantes e apreensivos, era demasiadamente tecnocrata, chegando mesmo a exibir alguns tiques de esquerda, passou agora a ser um cruzamento de Kerensky e Hindemburg, abrindo, via Açores, as portas da cidadela da democracia aos ratos da peste do nazismo, do fascismo-salazarismo, enfim, do iliberalismo.

Saberão onde está, de onde vem o perigo real? Quem é o amigo e o inimigo? O que é a direita, o que é a esquerda, o que é o centro?

Não, o perigo é o Trump, é o Orban, é o Bolsonaro, é o Chega. O Maduro, Cuba, o Fórum de S. Paulo, o PCP, o Bloco, são parceiros democráticos, liberais, inofensivos.

Voltando a Prezzolini, há direitas que lembramos, há direitas que esquecemos e há direitas que são para esquecer.

Receba um alerta sempre que Jaime Nogueira Pinto publique um novo artigo.

POLÍTICA   EXTREMA ESQUERDA    EXTREMA DIREITA

 

COMENTÁRIOS:

Francisco Albino: Muito bem! Ha que por os pontos nos iis.        Filipe Paes de Vasconcellos: Parabéns!  Fernando Almeida: Ė imposivel esperar mais.Conheço indivíduos licenciados em denominadas " ciências sociais", cuja cultura ė zero .Se vamos às areas tecnoĺőgicas, é um " terror'. O que esperar com um "quadro" destes.?     Lúcio Cornélio: Que artigo absolutamente sublime este, de Jaime Nogueira Pinto! Não estando eu em sintonia política com ele, sou liberal e agnóstico onde ele é conservador e católico, sei que o perigo neste Brave New World vem desta corrente, totalitária e imbecilizante, da suposta nova esquerda de causas. Por várias razões não votarei Chega, mas não o diabolizo como, por exemplo, embora o estilo do homem me irrite, nunca diabolizei Trump. Não é altura para as pessoas que prezam a liberdade estarem com bizantinices. O inimigo do pensamento livre e da sua livre expressão, o nazismo "politicamente-correcto", já franqueou as muralhas da Cidade.       Leonardo d'Avintes: A Grande Encenação realizadas após Novembro de 1975, segue dura e crua. A Academia levará décadas a inverter o declínio consequente ao pensamento único. A mídia trocou a sua independência e liberdade por 15 milhões de euros. Esta escolha levou a que cada vez tenham menos leitores. Os políticos de "direita" ficam traumatizados com o nome, Rui Rio incluído. Talvez porque não sejam de direita, talvez por alguma covardia. Seja como for, lideram Portugal para uma pequenez aviltante.    Joaquim Rodrigues: A verdade é que a antiga direita salazarista, está no actual sistema, sente-se bem neste sistema, na companhia dos partidos do sistema, os quais controla a seu bel-prazer. A ideologia dominante do “Sistema” vigente, é a ideologia anti-liberal dos herdeiros de salazar/cunhal. Não foi por acaso que Sócrates juntou, nas suas negociatas, ex- cunhalistas como o Mário Lino e ex- salazaristas, como o Ricardo Salgado. Em Portugal, qualquer movimento anti-Sistema passa pela afirmação de políticas liberais. Em Portugal, a dicotomia direita/esquerda é apenas um expediente para “manter este sistema”. O “chega” não passa de uma “excrescência” retardada da facção mais fascistóide do Salazarismo, mas é um grupelho do “sistema” apenas tornado possível pela decisão do Costa de, em desespero de causa, para salvar a sua carreira política, se ter aliado ao BE e ao PCP. O Passos Coelho, apesar de ter tomado algumas iniciativas liberais e de ter tomado muitas medidas correctas enquanto governante, não soube, quando saiu do governo, construir uma estratégia racional, sólida, coerente e sistemática de oposição e de Governação. Ficou-se pelo discurso limitado do regresso do “Diabo” que, com o andar dos tempos, passou a ser, cada vez mais, motivo de chacota do Costa. Foi aliás, quando se tornou ridículo, aos olhos de todos, o discurso do “diabo” que o Passos teve que abandonar a liderança do partido. Assim como o Costa esgotou o seu reportório programático de governo com as “reversões” e, concomitantemente, esgotou a solução governativa “geringonça”, também o Passos tinha esgotado o “seu” programa com a concretização do programa da TROICA. Pena foi que tivesse convencido a TROICA a não fazer a “Regionalização”, ao contrário do que aconteceu na Grécia, que já hoje está a colher os benefícios dessa reforma.

Passos esgotou-se. Costa está esgotado. Mas, um e outro, são “lideres” de “conjuntura”. A questão principal em Portugal não tem a ver com estas “direitas-esquerdas”. A questão em Portugal é o “Sistema” “Estatista” e “Centralista”, típico dos “Estados Totalitários” do pós 1ª Guerra Mundial que, por Portugal ter ficado à margem da 2ª Guerra Mundial, foi “perpetuado” pelo Salazar e preservado e retocado no PREC pelo Cunhal, até aos dias de hoje. É esse “Sistema Estatista e Centralista”, a “mãe” de todo o “compadrio e corrupção” à volta dos poderes de Estado, dos negócios de Estado e do Orçamento de Estado, que levou Sá Carneiro a erguer a bandeira da “libertação da sociedade civil”, da “livre iniciativa privada”, da “igualdade de oportunidades”, do “liberalismo económico” e da “descentralização”. Sá Carneiro não foi assassinado por ser de Direita ou de Esquerda. Sá Carneiro foi assassinado por ser contra o “Estatismo” e o “Centralismo”, a fonte de todos os atavismos, compadrios e corrupção que estão a condenar Portugal ao eterno atraso e a ser, a curto prazo, o País mais pobre da União Europeia. O resto são "tretas" para manter o "sistema". Manuel F .: Excelente artigo     Manuel F .: Excelente artigo.           advoga diabo: Esta mesma crónica consubstancia de onde vem o real perigo, daqueles que, sem nunca darem o "corpo às balas", pondo na prática o que defendem na teoria, são os seus verdadeiros ideólogos.         josé maria: agora Jaime Nogueira Pinto, 74 anos, politólogo, escritor, empresário, conhecido intelectual da direita radical portuguesa, defensor da administração Trump, considera que as eleições americanas ainda não estão decididas: “Há recontagem de votos, há processos a decorrer, há suspeitas de fraudes. O Joe Biden não devia comportar-se como vencedor”, adverte Visão, 11/11/2020

josé maria > josé maria: Sempre pensei que JNP era um homem de cultura e inteligência superior, incapaz de proferir esse tipo de dislate e de se nivelar pelo pior que o trumpismo boçal e mentiroso tem. Afinal, equivoquei-me... José Barbosa > josé maria: Da mesma forma que Al GORE contestou os resultados eleitorais quando perdeu e exigiu a recontagem, só cedendo a vitória a Bush quando o Estado da Flórida colocou um prazo para terminar a recontagem e os resultados da mesma indicavam que nada se iria alterar. Nessa fase, ninguém criticou a esquerda que representava AL GORE, principalmente, em Portugal. Digo isto, considero Trump um mau presidente americano, os republicanos teriam muitas melhores escolhas.       advoga diabo: Esta mesma crónica consubstancia de onde vem o real perigo, daqueles que, sem nunca darem o "corpo às balas", pondo na prática o que defendem na teoria, são os seus verdadeiros ideólogos.          Nuno Morgado: Que falta faz este senhor na verdadeira direita Portuguesa.      ANTONIO MADUREIRA: Obrigado por este artigo!  Maria Nunes: Muito bom. Obrigada JNP.        H Almeida > Maria Nunes: Subscrevo!        José Dias: Subscrevo na íntegra e com aclamação!       Jose Lima: Os meus parabéns! O Jaime Nogueira Pinto é uma voz solitária na comunicação social, mas tem a atenção e admiração dos que querem romper a “espiral do silêncio “. JORGE PINTO: Excelente! Obrigado! Gostava que JNP me ajudasse a esclarecer as possíveis respostas à seguinte questão: Por que motivos a juventude escolarizada urbana está “cultural-marxistizada” ou “politicamente-correctizada”?        José Ribeiro > JORGE PINTO: “Mas levantou-se e está de pé um marxismo cultural ou uma correcção política que, sem usar assaltos ao Palácio de Inverno, campos de concentração, massacres, terror, vai ganhando terreno. E que tem por aliados, por toda a parte, os politicamente correctos de todas as categorias, conscientes ou inconscientes, activos ou passivos”       antónio lencastre cruz > José Ribeiro: Estão a esquecer o Gramsci...!      Tiago Ribeiro Coelho > JORGE PINTO: Porque tem uma vida fácil e privilegiada e engolem tudo o que lhe enfiam na cabeça. Se os jornalistas que deveriam ser os primeiros a verificar factos e desmontar discursos não o fazem, está à espera que sejam putos de 18 anos.

 

Nenhum comentário: