terça-feira, 10 de novembro de 2020

Voyage autour de ma chambre


Ou mesmo só na minha terra… E ninguém nos tira deste ancoradoiro – exploração, miséria, acusações, o costume…

Aprender com a América /premium

Não nos podemos esquecer da classe média trabalhadora de baixos salários se queremos evitar que Portugal vote também no seu Trump. Os sinais de radicalismo já os vemos, nomeadamente nas redes sociais.

HELENA GARRIDO            OBSERVADOR, 09 nov 2020

O radicalismo que se vive nos Estados Unidos tem de ser para nós uma aprendizagem. Para evitarmos cometer os mesmos erros, imitando o que de pior tem a América. Joe Biden vai tentar unir. Esperemos que consiga.

A Europa está longe de ser os Estados Unidos, Portugal ainda menos, e ainda bem. Mas nos últimos tempos assistimos a uma tendência para replicar aqui o que de pior veio ao de cima na sociedade norte-americana com Donald Trump. É preciso aproveitar este tempo para perceber o que levou Donald Trump a merecer tantos votos, quem são e o que leva as pessoas a votarem numa pessoa com aquelas características, que divide em vez de unir, que agrava problemas como o racismo em vez de os tentar resolver. Têm existido diversos trabalhos que tentam perceber porque votam cada vez mais pessoas em partidos xenófobos e racistas, partidos que negam a liberdade individual de se ser quem se quer ser. Um deles é o livro “The Lonely Century: Coming Together in a World that’s Pulling Apart” de Noreena Hertz que escreve um artigo muito interessante no Financial Times (aqui só para assinantes – não li ainda o livro, li o artigo). A solidão, o isolamento é identificado como uma das principais causas do crescimento do populismo em linha com o que já tinha sido referido por Hannah Arendt. A experiência com ratos que, mantidos em solidão, atacam o visitante, tem sido igualmente referido como fundamentando a tese do peso da solidão no crescimento da intolerância. Se esta tese estiver correcta, o distanciamento físico que temos de ter para combater a pandemia alimenta ainda mais a intolerância que já se vinha instalando na sociedade.

Ligado ou não à solidão há um segundo aspecto que pode igualmente estar a contribuir para a intolerância: o esquecimento a que foi votada a classe média trabalhadora onde se integra também o grupo dos deserdados pela globalização. Foi para estas pessoas que Donald Trump falou, como foram estes eleitores que deram a vitória ao Brexit. Regra geral pessoas que vivem em ambientes menos urbanos e em zonas onde indústria decaiu ao ritmo da crescente globalização. Classe trabalhadora de baixos salários que foi esquecida pelos políticos, mais preocupados com os pobres e desempregados ou com os ricos.

Nos Estados Unidos temos ainda o problema grave e sistémico do racismo, como podemos por exemplo perceber neste trabalho da revista The Economist, em que as famílias negras que se mudam para bairros de brancos vão preventivamente à esquadra da polícia mostrar as fotografias dos filhos. Com estes exemplos cai a hipótese de estarmos perante discriminação social, estamos perante racismo, com os outros a pressuporem comportamentos por causa da cor da pele.

No caso do racismo estamos longe de ser assim em Portugal e é um erro importar linearmente os movimentos norte-americanos para aqui. Temos problemas para resolver? Sem dúvida. Temos de pensar porque é que a ascensão social é, em Portugal, tão difícil. Quem nasce pobre, seja branco seja de outras cores, dificilmente sai da pobreza. E os que conseguem ascender, muito poucos, são em regra ostracizados pelas elites urbanas. A forma como foram tratados Aníbal Cavaco Silva – apesar das suas duas maiorias absolutas e duas vitórias em presidenciais –, assim como Pedro Passos Coelho, com exemplos de assimetria de avaliações para comportamentos ou decisões semelhantes, mostra-nos bem como temos em Portugal uma elite que funciona como um cartel. Também José Sócrates, com todos os seus erros, foi apanhado por esta discriminação. Mas o problema mais grave é aquele que ainda vamos a tempo de corrigir, evitando também nós ter, a prazo, um Donald Trump. Temos, urgentemente de pensar em políticas que sejam amigas da classe média. Quando os partidos mais populistas criticam os apoios sociais, podem ter a certeza que são ouvidos com atenção pela classe média trabalhadora de baixos salários e pelos pensionistas que “descontaram uma vida” e sentem que as suas reformas não reflectem isso. Quando nesta pandemia assistimos a criticas sobre a forma como o Governo não contou com o sector privado na saúde, podemos ter a certeza que a classe média trabalhadora os está a ouvir, já que muitos deles ou têm seguros ou são funcionários públicos com acesso ao privado por via da ADSE. Não se pense que são só os ricos que consomem os serviços de saúde privado, também são, mas não são eles que fazem mexer o ponteiro.

As preocupações que o Governo tem vindo a mostrar, por exemplo, com a construção de habitação para a classe média vão no bom sentido, na linha do que temos de fazer para que a classe média não se sinta cada vez mais esmagada por impostos que não percebe para que servem, se tem de ter um seguro de saúde, não consegue uma casa como gostaria e, frequentemente, tem de optar pela escola privada para os filhos. Claro que os mais pobres dos pobres têm de ter políticas de apoio. Mas não nos podemos esquecer da classe média trabalhadora de baixos salários se queremos evitar que Portugal vote também no seu Donald Trump. Os sinais de radicalismo já os vemos, nomeadamente nas redes sociais. Pode ser apenas isso, mas podemos também já não ir a tempo de transformar a raiva em tolerância, o desafio enorme que Joe Biden tem agora pela frente. Vale mais prevenir do que remediar e, para isso, é preciso voltar mais as políticas públicas para quem trabalha.

POLÍTICA  ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA  AMÉRICA  MUNDO

COMENTÁRIOS:

Maria Cordes: Helena, qual radicalização? A que vai desfiando o rol de misérias desta demokrácia, como as burlas dos senhores deputados, em relação à residência, as reformas e subsídios dos mesmos, o enriquecimento ilícito, os sireps e Gamovs, as Raríssimas, o family gate, o caso Robles, os submarinos e os sobreiros, a substituição da PGR, a bancarrota da CGD pelos gestores e presidentes do CENTRÃO, o BES, as PPP, o BPN, o esbulho dos obscenos impostos, a implosão do SNS, as burlas que semanalmente aparecem à luz do dia, Tancos. Propositadamente, fui misturando esta salada, a que estamos sujeitos há dezenas de anos, incompetência e corrupção. E as redes sociais são radicais, o Ventura racista, o Sócrates uma vítima. Tenha juízo, minha senhora.

Tuga Tesla: Radical és tu e o comunismo. Que devia de ser erradicado do planeta, pelos milhões de inocentes que matou e continua a matar.         José Dias: A censura e o visto prévio atacaram em força e, curiosamente, parece que de forma algo vesga ...      Alberto Smith:Se calhar tem andado um bocado distraida com o que a extrema-esquerda, a cavalo no golpe dos corruptos socialistas, tem andado a fazer. Tal como na América, a extrema-esquerda dividiu já a sociedade portuguesa de forma irreversível. E o cerne da questão está muito longe de ser só o descalabre económico de ter uma ínfima parte da população produtiva a sustentar parasítas e criminosos públicos e privados. A destruição premeditada da sociedade portuguesa, enquanto comunidade cultural de valores, com a imposição totalitária de uma nojenta agenda de subversão, jamais poderá ser aceite por qualquer verdadeiro português de mente sã e recta. Todo esse lixo asqueroso tem que ser varrido do mapa. Nada mais.      Maria L Gingeira: Os “esquecidos” da América preferiram Trump ao candidato dos ricos. Joe Biden vai unir o quê? Os mal tratados e revoltados com o cinismo do politicamente correcto, trumpistas convictos, à nova esquerda americana agora liderada por gente que esconde os mais perversos jogos de poder? Ao menos Trump sempre se mostrou como é. Já cá temos os nossos Trump. Só que estes vestem pele de cordeiros. As pessoas andam muito enganadas com os poderes que se movem no submundo da política. Mas quem está em condições de perceber os mecanismos usados para enganar tolos, não pode fingir que está tudo bem. Tem a obrigação moral de lutar pela verdade.     h J: Uma pessoa da classe média em Portugal será um pobre nos EUA....é triste....e paga impostos que nunca mais acaba. Quanto a habitação para a classe média, mais vale cobrarem menos impostos para que as pessoas possam comprar a sua habitação. Quanto dinheiro se perde em actividades de pouco valor acrescentado? A classe média paga impostos e não consegue comprar uma casa?! E o Estado vai atribuir casas para a classe média? Com que critério? Para os filhos e enteados do PS que não conseguem comprar casa no centro da cidade a que sentem que tem direito? Gasta-se imenso na máquina para cobrar impostos, na máquina para redistribuir, no processo todo...Menos Estado, menos actitivdades administrativas para pagar, e menos impostos e mais dinheiro no bolso de quem trabalha provavelmente e uma melhoria para todos.      Luis Ferreira: Tenho a Sra Helena Garrido em boa conta, em muito boa conta até. Mas está confundida nos pressupostos; pessoas como eu, com 25 anos de descontos, com rotina de chegar às 7:30 ao trabalho e sair às 18:30 ou 19:00 todos os dias, pagar à cabeça 40% do ordenado em impostos directos, mais os indirectos e as taxas e os sobre o património e, e, e... eu não estou pelo racismo nem xenofobia, estou contra a corrupção e contra a estratégia do socialismo de pôr metade de nós a trabalhar para a outra metade, com a utilização dos rendimentos do meu trabalho para subsidiar dependentes do estado e “avençados”, com e sem vínculo!     Leonardo d'Avintes > Luis Ferreira: Metade de nós a trabalhar para a outra metade!? Amigo, somos 4,5 milhões a trabalhar para 750 mil. Se fossem mais, o último já tinha desligado a luz!   Francisco Correia: Populista é o Costa que com as sua políticas vai levar Portugal à quarta bancarrota. Alcides Santos: Portugal? eu diria que tem de aprender com América e alguns países mais pois na realidade os salários foram e são sempre muitos baixos e a culpa? não é só do Ps Psd ou outro partido qualquer. O problema é muito diferente de alguns países europeus, há vários problemas de Portugal ao mercado de trabalho, tais como grupos de trabalho temporários como? Agências que exploram centenas de milhares trabalhadores pagando não só salários baixos como também ainda recebem do estado quantias, sei do que falo muitas dessas empresas são de filiados dos partidos seja Ps ou Psd a competitividade no sector laboral nunca pode ser como tem sido por longas décadas, os baixos salários provocam a saída do país de muitos jovens. Jovens que são uma mais valia ,ao sair de Portugal? nunca tem vontade de regressar é a realidade, vou dar um exemplo: 2019 - havia enfermeiros a ganhar pouco mais de 4 euros à hora muitos procuraram trabalho no Reino Unido, como também noutros países, e esta pandemia veio mostrar a inércia de todos os políticos, a justiça para resolver casos de abusos das entidades patronais demora 3 anos ou mais, coisa que prejudica os cidadãos como também não deixa desenvolver o país acordem para a vida ou então vivam o marasmo que criaram .         Paulo Guerra: Claro que seja que regime for que não corresponde aos anseios das populações corre sempre riscos. O problema é que Portugal não pode fazer nada contra a principal fonte da maioria dos problemas. O neo-liberalismo desregulado que beneficia meia-dúzia em desprimor da esmagadora maioria das pessoas. Nem a UE como um todo quanto mais Portugal. Quanto muito a UE podia e devia ser mais protectora e sobretudo solidária com as economias mais expostas à desregulação dos mercados financeiros. Como logo a seguir à crise do subprime. A crise das dívidas soberanas é uma criação pura e dura da UE. Que nunca devia ter permitido que os EUA exportassem a sua crise financeira para a Europa com consequências económicas terríveis e inevitáveis. A gula dos mercados mais uma vez criou o problema e ainda pôs os mais frágeis a pagar a factura à medida que ainda iam perdendo direitos. Para variar. De resto as agendas populistas têm sempre só 3 ou 4 pontos fundamentais. Também daí ser uma agenda muito facilmente apreendida pelos mais deserdados. Nacionalismos bacocos, nostálgicos do passado é que era bom, securitária por mais seguro que seja o país como Portugal. Mas sobretudo a corrupção e os mais fracos contra os mais poderosos. E por incrível que pareça o estado Social é que ainda é sempre o mais corrupto. O Estado Social que é a única instituição que promove o elevador social e com ele a possibilidade de todos ascenderem e o único que vale realmente aos mais desprotegidos durante as maiores crises económicas. Como aliás Portugal ainda não parou de ver desde a crise do subprime. Contra os demagogos que acordam preocupados com o défice e deitam-se a pensar que o SNS tem que ser mais reforçado. Como actualmente Rio, que pugna por mais investimento público e menos défice. Um milagre à altura da multiplicação dos pães. Uma coisa é certa, nunca vi nenhum populista demagogo vencer eleições com as populações a viver bem. É sempre quando tudo descamba que os populistas encontram o terreno mais fértil para espalhar a banha da cobra. Não estamos a viver nada, neste princípio do séc. XXI, que não tenhamos vivido no princípio do sec. XX. Onde depois do Crash de 1929 se compreendeu rapidamente que qualquer economia de mercado só funciona bem para todos com regras públicas muito claras. O que viria a ser denominado como economia social de mercado. Porque os mercados não se regulam simplesmente per si como já dizia o maior mito do liberalismo económico clássico que funcionava à base de mãos que nunca ninguém viu. E o Mundo só voltou a passar pelas mesmas dificuldades por causa de toda a desregulação promovida pela filha de um pastor em Inglaterra e um actor de cinema nos EUA. Que conseguiram destruir de um dia para o outro aquilo que a esta distância já pode ser considerado como o pináculo da nossa civilização. Uma civilização verdadeiramente livre e muito mais justa. E muito mais integradora no sentido em que não deixava mesmo ninguém para trás na verdadeira acepção do termo. Sem agências de rating e paraísos fiscais e com toda a riqueza mundial muito mais distribuída. Francisco Gonçalves > Paulo Guerra: As voltas que você deu para dizer que a culpa dos nossos problemas é sempre dos outros. Irra! Se trabalhar com o zelo que revela a arranjar desculpas, não se preocupe, vai prosperar.      Paulo Guerra > Francisco Gonçalves: Vamos falar de assuntos concretos em vez de mitos ideológicos que te toldam a cabeça. Achas por exemplo que é Portugal sozinho que se vai opor à tremenda desvalorização do valor trabalho a nível global a que assistimos nas últimas décadas e a que qualquer social-democrata se deve opor e que também se prende directamente com a preocupação fundamental do artigo da Helena Garrido - o desaparecimento da classe média – com todas as implicações que daí resultam para qualquer economia? Não passas de uma criançola ingénua fascinada com o empreendedorismo individual e o capitalismo e o liberalismo laissez-faire que da vida, de economia e de como tudo se processa no mercado de trabalho sabes zero! ANTONIO MADUREIRA: Espanta-me o primarismo da sua análise, achando que o aumento dos rendimentos da classe média trabalhadora evita que este pobre país de mão estendida vote no seu Trump - será o André Ventura? Aqui está mais um inimigo a abater pelo politicamente correcto, de que o seu artigo é um óptimo exemplo!        Alfaiate Tuga: Nos Estados Unidos a maioria dos eleitores estão preocupados com a saúde da economia, que quando de boa saúde lhes proporciona emprego e rendimento ao final do mês e quando atravessa períodos de pior saúde lhes traz desemprego e falta de guito para pagar as contas. Em Portugal a maioria dos eleitores (pensionistas e funcionários públicos e seus familiares directos) está preocupado em saber se o estado arranja dinheiro para lhes manter o salário ou pensão, de preferência sem cortes e se possível com aumentos. Não podemos comparar os dois países, Trump foi eleito prometendo melhor economia e emprego, por cá os partidos que deram origem à geringonça obtiveram votos prometendo reversões de cortes em pensões e 35 horas para a função pública e mais um leque de nacionalizações que agora estamos a pagar caro, como a TAP por exemplo, como para pagar estas promessas foi preciso dinheiro, a carga fiscal nunca baixou e a dívida pública ainda subiu, incentivo à economia zero, andam agora aos bonés com a crise do COVID, e se não fosse com o Covid seria com outro percalço qualquer ao qual pudessem atribuir responsabilidade externa , pois a culpa dos problemas é sempre externa. Portanto caríssima articulista, fique descansada que por cá o eleitorado está de tal forma carregado de dependentes do estado que os candidatos que defendam a economia não conseguem mais de 20% ou 30% dos votos, pois para incentivar a economia teriam de baixar impostos e para tal seriam obrigados a ir ao bolso e horário de trabalho dos dependentes do estado, e isso só vai acontecer quando formos forçados a fazê-lo na próxima pré bancarrota, mas mesmo assim a contra gosto e só pelo período estritamente necessário para voltarmos ao regime das reversões... Estamos muito mais perto da Venezuela do que dos Estados Unidos, portanto temos é que a prender com os venezuelanos e não com os americanos....       ………………………….

Nenhum comentário: