E facilmente se deixa manipular. Foi
assim também que o Dr. Knock enriqueceu,
fazendo a cama – mas essa com todos os requintes de higiene, e de aparelhagem
médica indispensável, não era como por cá, com as falhas usuais – e a todos
convencendo de que estavam doentes, a necessitar de cuidados bem pagos, na peça
em três actos de Jules Romains… O Dr.
Costa sabe como agir e de onde dirigir as manobras, com o seu grupo
apoiante.
Uma crónica impecável de clarividência,
esta de Santana Castilho. E nós cá
vamos andando, malzinho, malzinho, queixosos, ai! O costume, e ele sabe-o.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
Foi Simão Bacamarte a musa inspiradora?
A lógica destas medidas do recolher
obrigatório é uma paródia burlesca, que decreta certezas com base em
incertezas.
SANTANA CASTILHO
PÚBLICO, 11 de Novembro de 2020
Corro o risco de os absolutistas do
mainstream me chamarem negacionista, por vir expor dúvidas sobre as recentes
medidas disfuncionais de combate à pandemia. Mas numa sociedade democrática é livre o direito
de nos expressarmos. Muitas vezes, a opinião dos outros provoca-me dor. Mas
jamais me passou pela cabeça curar a minha dor calando-os, excepção feita
quando o que defendem abalroa os princípios constitucionais e éticos que nos
regem.
O
entendimento entre Marcelo, Costa e aqueles que na AR lhes deram cobertura para
decretar o estado de emergência tem uma leitura
política óbvia: para eles, a Constituição é um estorvo. A preocupante situação da saúde pública não justifica
que o presidente da República proteja a inépcia do Governo com uma questionável
interpretação da Constituição. Não
há estado de emergência a título preventivo. O estado de emergência responde,
não prevê. Não há estado de emergência light. O estado de emergência é um
instrumento constitucional sério e profundo. Este estado de emergência dividiu
o país entre os que aprovam ou reprovam, afastando-nos, como convém ao Governo,
do escrutínio sobre a ausência de planeamento e de medidas eficazes para evitar
a propagação da pandemia. À boa maneira ardilosa de António Costa
fazer política, este estado de emergência põe nas costas dos cidadãos a
responsabilidade pela disseminação de uma pandemia, cujos efeitos se agigantam
face à debilidade para que os sucessivos governos foram atirando o SNS e os
demais sistemas sociais de protecção dos mais pobres, de que a ocupação de mais
de mil camas em hospitais por parte de pessoas com alta clínica mas sem casa
nem família para as acolher é vergonhoso exemplo.
A ruptura do SNS não é de agora. Vem
de trás, do ir além da troika do PSD e das cativações do Ronaldo das finanças,
do PS. E quando se
prepara a partição dos milhares de milhões que vão chegar da UE, de
que se ocupam as estratégias? Da Educação? Da Saúde? Da Justiça? Não! Do
hidrogénio verde, da alta velocidade, da digitalização e demais modernidades. Porque quanto menos críticas e educadas
forem as massas, melhor. Porque quem tem poder económico escolhe e paga os
melhores cuidados médicos. E porque quanto mais lenta for a justiça mais
protegida fica a promiscuidade entre a política e os negócios.
O recolher
obrigatório exprime a preponderância da política para consumo
mediático sobre a racionalidade e aquilo que a ciência já sabe do vírus. Expõe
o desespero e o desnorte de quem se deslumbrou com a toleima do “milagre
português” e não soube utilizar os meses de acalmia para preparar a defesa de
uma previsível segunda vaga, pensando agora que vai dominar a curva epidémica a
toque de corneta.
Um
famoso gráfico colorido da DGS diz que o factor “ familiar/coabitante”
tem um potencial de 68% nos contágios novos.
E prendem-nos em casa a partir da uma da
tarde de sábados e domingos? Que nos permitissem, ao menos, ir andar de metro
ou de comboio na linha de Sintra, com potencial zero nas conclusões da colorida
DGS. O recolher às 23h00 vai
impedir os perigosos jantares familiares? Sendo perniciosos os ajuntamentos
nocturnos dos jovens ao ar livre, serão pacíficas as esperadas concentrações de
consumidores nas grandes superfícies, durante as manhãs de sábados e domingos? Como e onde foi apurado que os passeios de
sábado e domingo à tarde ou a ida às compras ou aos ginásios nos mesmos
períodos são a origem dos contágios? Se a medida visa as grandes festas, não
seria mais adequado tiro certeiro, que não bazuca sem sentido? Se o recolher
obrigatório nos protege dos contágios, porque é que onde ele é total e
permanente (estabelecimento prisional de Tires) se
regista o maior surto apurado numa só instituição (148 casos)? Ou porque é que
1047 idosos morreram em recolhimento obrigatório, em lares de má memória?
Entretanto, há nas escolas portuguesas professores de turmas
enviadas para quarentena que continuam a leccionar outras turmas. Há
professores que tiveram contactos com alunos infectados, mas não foram
testados. Há professores que continuaram a leccionar durante o tempo em que
aguardaram o resultado de um teste, que se revelou positivo.
A lógica destas medidas é uma paródia
burlesca, que decreta certezas com base em incertezas. Terá sido Simão
Bacamarte a musa inspiradora de António Costa?
Professor do ensino superior
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