domingo, 29 de novembro de 2020

As formas de tratamento

 

Mas isso não se passa cá, foi lá fora que sucedeu, nós, é mais as sopas e o repouso. Tudo quanto cheire a dogma, torna-se, de resto, demasiado drástico, nesta fugacidade do tempo sobre as coisas. E ainda bem que nem mesmo o Maomé conseguiu fazer deslocar a montanha. Era demasiado transtorno, teve ele mesmo que lá ir. Nem os nossos maomezinhos estariam para aí virados, apesar das suas vozes épicas. No fundo, o que eles querem é o mesmo que os outros, acho eu. Mas, de facto, nunca se sabe, o Dr. Salles tem mais experiência e saber, talvez tenha razão em se preocupar com essa coisa da fé.

 

«FASTEN SEAT BELTS»

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO28.11.20

ou

AS MARAVILHAS DA FÉ

Sim, Caro Leitor, este é um texto polémico e por isso começo por lhe sugerir que aperte o cinto de segurança. É que, pese embora eu achar que a fé não se discute, não me sinto obrigado a nem sequer referir esse tipo de matérias. Cito-as acriticamente e cada Leitor que se dedique à adivinhação sobre o que penso.

E se a maior parte das vezes que se cita a fé se esteja a tratar de temas religiosos, aparecem também outras ocasiões em que podemos citar dogmas laicos.

Num calendário coincidente com a realização do Congresso dos comunistas leninistas stalinistas portugueses, os dogmas laicos jorram por tudo quanto é sítio do Pavilhão Paz e Amizade de Loures e basta escolher…

Então, começo logo pelo nome do próprio pavilhão em que se realiza o Congresso, o da paz e amizade, quando é sabido que o comunismo é militarista, expansionista, unicitário e, portanto, monolítico e, bem pior, taliónico. Ou seja, o comunismo é autista e só cultiva a paz e a amizade consigo próprio. À semelhança do islamismo cujo primeiro grande dogma consiste na atribuição a Maomé da autoria do Corão apesar de se saber que o Profeta não lia nem escrevia. Mas os dogmas são assim mesmo, não se discutem e são apenas para quem neles crê.

A semelhança que existe entre o comunismo e o islamismo é o tratamento dado aos não comunistas e aos infiéis: o fuzilamento e a decapitação. A paz com os decapitados e a amizade com os fuzilados.

E se quanto a semelhanças entre estes «benignos» me fico por aqui, o marxismo tem outras facetas que me levam ao espanto por ainda haver quem, nestas primeiras décadas do séc. XXI, nele veja um caminho para o bem comum.

Que bem comum é possível num cenário em que a uma classe social é atribuído o monopólio das decisões com prejuízo total das demais classes?

Que bem comum é possível quando o conceito de democracia consiste no nivelamento por baixo pelo despojamento de todo o conforto individual?

Que bem comum é possível quando a diabolização do lucro conduz inevitavelmente ao aniquilamento do investimento?

Que bem comum é possível quando a iniciativa individual é esmagada pelo planeamento central?

Que bem comum é possível prometer quando o determinismo histórico falhou clamorosamente em 1989 pela queda do muro de Berlim e pelo desmoronamento da URSS?

Pois é Caro Leitor, vejo-me obrigado a reconhecer que já escrevi textos mais imparciais e acríticos.

Mas com tanto dogmático por aí além a apregoar loas, também eu me sinto no direito de afirmar um dogma: este é um texto imparcial e… adogmático!

Apesar da minha «imparcialidade», o melhor é mantermos os cintos de segurança apertados não vá aparecer alguma verdade jorrada lá do pavilhão de Loures e nos magoarmos caindo de espanto.

Novembro de 2020         Henrique Salles da Fonseca

Tags: "política portuguesa"

COMENTÁRIOS

Adriano Lima 28.11.2020: A sobrevivência entre os portugueses do seu partido comunista é um caso curioso e costuma suscitar reflexões. Mas actualmente creio que o PCP é mais um folclore que uma realidade sociológica a sério. Não creio que esteja muito longe a sua extinção, face ao emergir de outras tendências e algumas pouco recomendáveis e, porventura, mais perigosas na actualidade do que o PCP.

Anónimo 29.11.2020:  excelente. Luís Soares de Oliveira

Francisco G. de Amorim: 29.11.2020: Da extrema esquerda tudo se pode esperar, sobretudo NADA de positivo. É uma espécie de movimento, que se movimenta demais, sempre num espírito de negação sistemática a um avanço em prol da melhoria da humanidade. Não é nem utopia. É só uma doença que pode transformar-se em algo que só quer destruir.

Anónimo 29.11.2020: Caro Henrique, segui o avisado alerta teu e tenho permanecido com o cinto de segurança apertado. Terminado o Congresso há pouco, sem que eu tenha caído de espanto, resolvi libertar-me do cinto e enviar-te umas palavras, a título de comentário, evitando repetir o que já tiveste a gentileza de publicar em momentos recentes quando o tema do comunismo e do PCP foi também tratado. Sobre o PCP, tenho dúvidas que possa evoluir da sua posição habitual nos próximos tempos, até porque acaba de receber uma importante garrafa de oxigénio, aquando da discussão do OE/21. No momento em que o meu colega de ano do curso universitário, Carlos Carvalhas, deixa o Comité Central, a seu pedido, segundo as notícias, expresso a opinião que ele deve ter dado um contributo decisivo, como secretário-geral (1992-2004), para que o PCP não se tivesse eclipsado, como aconteceu a tantos partidos comunistas, por essas alturas. Pelas notícias não me pareceu que as correntes (suspeito que as há) de geringonça e não geringonça (seja ela plena ou coxa) se tenham confrontado. Foi pena… Quanto ao título ou subtítulo do teu post – “As maravilhas da Fé” – nada mais apropriado do que saber o que um dos maiores historiadores ingleses do século XX, homem de ciência, com reputação mundial, marxista, anti estalinista, membro do PC Britânico até ao fim da sua vida, em 2012, tem a dizer. Refiro-me a Eric Hobsbawn, com abundante bibliografia publicada em Portugal. Vou recorrer-me ao seu livro “A Era dos Extremos 1914-1991” (pág. 483). “Foi bastante superficial o domínio do comunismo sobre a enorme área que conquistou mais rapidamente do que qualquer outra ideologia desde o islamismo no seu primeiro século. Embora uma versão simplificada do marxismo-leninismo se tornasse a ortodoxia dogmática (secular) (…) desapareceu de um dia para o outro com os regimes políticos que impôs”. E porquê? O comunismo não se baseava na conversão de massas, mas era uma fé de quadros ou (nos termos de Lenine) “vanguardas”. E esclarece: “Por outro lado, todos os partidos comunistas governantes eram, por opção e definição, elites de minorias. A aceitação do comunismo pelas “massas” dependia não das convicções ideológicas ou outras semelhantes, mas de como julgavam o que a vida sob os regimes comunistas fazia por elas, e de como comparavam a sua situação com a de outros. Assim que deixou de ser possível isolar essas populações do contacto e do conhecimento com outros países, os seus julgamentos foram cépticos. Também aqui o comunismo era uma fé instrumental: o presente só tinha valor como meio de alcançar um futuro indefinido”. E acrescenta: “Os próprios quadros de partidos comunistas começaram a concentrar-se nas satisfações comuns da vida assim que o objectivo milenar de salvação terrestre, ao qual dedicaram as suas vidas, passou para um futuro indefinido”. E resume: “Em suma, pela natureza da sua ideologia, o comunismo pedia para ser julgado pelo sucesso e não tinha protecção contra o fracasso”. Henrique, desta vez não termino, como habitualmente, com um abraço. Aprendi ontem num livro que o tinha desde 1996, mas só agora o estou a ler, numa luxuosa edição da Mobil (onde ela já vai), de autoria de José Hermano Saraiva e intitulado “Os últimos 100 anos”, que a expressão que dá nome ao teu blog, e com que os ofícios das entidades públicas terminavam no tempo do Estado Novo, foi antecedida por uma outra, no tempo da 1ª República. E é com essa que me despeço: Saúde e fraternidade. Carlos Traguelho

 

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