Mas isso não se passa cá, foi lá fora que sucedeu, nós, é mais as sopas
e o repouso. Tudo quanto cheire a dogma, torna-se, de resto, demasiado
drástico, nesta fugacidade do tempo sobre as coisas. E ainda bem que nem mesmo
o Maomé conseguiu fazer deslocar a montanha. Era demasiado transtorno, teve ele
mesmo que lá ir. Nem os nossos maomezinhos estariam para aí virados, apesar das
suas vozes épicas. No fundo, o que eles querem é o mesmo que os outros, acho
eu. Mas, de facto, nunca se sabe, o Dr. Salles tem mais experiência e saber,
talvez tenha razão em se preocupar com essa coisa da fé.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO28.11.20
ou
AS MARAVILHAS DA FÉ
Sim,
Caro Leitor, este é um texto polémico e por isso começo por lhe sugerir que
aperte o cinto de segurança. É que, pese embora eu achar que a fé não se
discute, não me sinto obrigado a nem sequer referir esse tipo de matérias.
Cito-as acriticamente e cada Leitor que se dedique à adivinhação sobre o que
penso.
E se a maior parte das vezes que se
cita a fé se esteja a tratar de temas religiosos, aparecem também outras
ocasiões em que podemos citar dogmas laicos.
Num calendário coincidente com a
realização do Congresso dos
comunistas leninistas stalinistas portugueses, os dogmas laicos jorram por tudo
quanto é sítio do Pavilhão Paz
e Amizade de Loures e basta
escolher…
Então,
começo logo pelo nome do próprio pavilhão em que se realiza o Congresso,
o da paz e amizade, quando é
sabido que o comunismo é militarista,
expansionista, unicitário e, portanto, monolítico e, bem pior, taliónico. Ou seja, o comunismo é autista e só cultiva a paz
e a amizade consigo próprio. À semelhança do islamismo cujo
primeiro grande dogma consiste na atribuição a Maomé da autoria do Corão apesar
de se saber que o Profeta não lia nem escrevia. Mas os dogmas são assim mesmo,
não se discutem e são apenas para quem neles crê.
A semelhança que existe entre o
comunismo e o islamismo é o tratamento dado aos não comunistas e aos infiéis: o
fuzilamento e a decapitação. A paz
com os decapitados e a amizade com os fuzilados.
E
se quanto a semelhanças entre estes «benignos» me fico por aqui, o marxismo tem
outras facetas que me levam ao espanto por ainda haver quem, nestas primeiras
décadas do séc. XXI, nele veja um caminho para o bem comum.
Que bem comum é possível num
cenário em que a uma classe social é atribuído o monopólio das decisões com
prejuízo total das demais classes?
Que bem comum é possível quando
o conceito de democracia consiste no nivelamento por baixo pelo despojamento de
todo o conforto individual?
Que bem comum é possível quando
a diabolização do lucro conduz inevitavelmente ao aniquilamento do
investimento?
Que bem comum é possível quando
a iniciativa individual é esmagada pelo planeamento central?
Que bem comum é possível prometer quando o determinismo histórico falhou clamorosamente em 1989 pela
queda do muro de Berlim e pelo desmoronamento da URSS?
Pois
é Caro Leitor, vejo-me obrigado a reconhecer que já escrevi textos mais imparciais
e acríticos.
Mas
com tanto dogmático por aí além a apregoar loas, também eu me sinto no direito
de afirmar um dogma: este é um texto imparcial e… adogmático!
Apesar da minha «imparcialidade», o melhor é mantermos os cintos de
segurança apertados não vá aparecer alguma verdade jorrada lá do pavilhão de
Loures e nos magoarmos caindo de espanto.
Novembro de 2020 Henrique Salles da Fonseca
Tags:
"política
portuguesa"
COMENTÁRIOS
Adriano Lima 28.11.2020: A
sobrevivência entre os portugueses do seu partido comunista é um caso curioso e
costuma suscitar reflexões. Mas actualmente creio que o PCP é mais um folclore
que uma realidade sociológica a sério. Não creio que esteja muito longe a sua
extinção, face ao emergir de outras tendências e algumas pouco recomendáveis e,
porventura, mais perigosas na actualidade do que o PCP.
Anónimo 29.11.2020: excelente. Luís Soares de
Oliveira
Francisco G. de Amorim: 29.11.2020: Da
extrema esquerda tudo se pode esperar, sobretudo NADA de positivo. É uma
espécie de movimento, que se movimenta demais, sempre num espírito de negação
sistemática a um avanço em prol da melhoria da humanidade. Não é nem utopia. É
só uma doença que pode transformar-se em algo que só quer destruir.
Anónimo 29.11.2020: Caro
Henrique, segui o avisado alerta teu e tenho permanecido com o cinto de
segurança apertado. Terminado o Congresso há pouco, sem que eu tenha caído de
espanto, resolvi libertar-me do cinto e enviar-te umas palavras, a título de
comentário, evitando repetir o que já tiveste a gentileza de publicar em
momentos recentes quando o tema do comunismo e do PCP foi também tratado. Sobre
o PCP, tenho dúvidas que possa evoluir da sua posição habitual nos próximos
tempos, até porque acaba de receber uma importante garrafa de oxigénio, aquando
da discussão do OE/21. No momento em que o meu colega de ano do curso
universitário, Carlos Carvalhas, deixa
o Comité Central, a seu pedido, segundo as notícias, expresso a opinião que ele
deve ter dado um contributo decisivo, como secretário-geral (1992-2004), para
que o PCP não se tivesse eclipsado, como aconteceu a tantos partidos
comunistas, por essas alturas. Pelas notícias não me pareceu que as correntes
(suspeito que as há) de geringonça e não geringonça (seja ela plena ou coxa) se
tenham confrontado. Foi pena… Quanto ao título ou subtítulo do teu post – “As
maravilhas da Fé” – nada mais apropriado do que saber o que um dos maiores
historiadores ingleses do século XX, homem de ciência, com reputação mundial,
marxista, anti estalinista, membro do PC Britânico até ao fim da sua vida, em
2012, tem a dizer. Refiro-me a Eric Hobsbawn, com abundante bibliografia publicada em Portugal.
Vou recorrer-me ao seu livro “A Era dos Extremos 1914-1991” (pág. 483). “Foi bastante superficial o domínio do
comunismo sobre a enorme área que conquistou mais rapidamente do que qualquer
outra ideologia desde o islamismo no seu primeiro século. Embora uma versão
simplificada do marxismo-leninismo se tornasse a ortodoxia dogmática (secular)
(…) desapareceu de um dia para o outro com os regimes políticos que impôs”.
E porquê? “O comunismo não se baseava na conversão de massas, mas
era uma fé de quadros ou (nos termos de Lenine) “vanguardas”. E
esclarece: “Por outro lado, todos os partidos comunistas
governantes eram, por opção e definição, elites de minorias. A aceitação do
comunismo pelas “massas” dependia não das convicções ideológicas ou outras
semelhantes, mas de como julgavam o que a vida sob os regimes comunistas fazia
por elas, e de como comparavam a sua situação com a de outros. Assim que deixou
de ser possível isolar essas populações do contacto e do conhecimento com
outros países, os seus julgamentos foram cépticos. Também aqui o comunismo era
uma fé instrumental: o presente só tinha valor como meio de alcançar um futuro
indefinido”. E
acrescenta: “Os próprios quadros de partidos comunistas começaram a concentrar-se
nas satisfações comuns da vida assim que o objectivo milenar de salvação
terrestre, ao qual dedicaram as suas vidas, passou para um futuro indefinido”. E resume: “Em suma, pela natureza da sua ideologia,
o comunismo pedia para ser julgado pelo sucesso e não tinha protecção contra o
fracasso”. Henrique, desta vez não termino, como habitualmente, com um abraço.
Aprendi ontem num livro que o tinha desde 1996, mas só agora o estou a ler,
numa luxuosa edição da Mobil (onde ela já vai), de autoria de José Hermano
Saraiva e intitulado “Os últimos 100
anos”, que a expressão que dá nome ao teu
blog, e com que os ofícios das entidades públicas terminavam no tempo do Estado
Novo, foi antecedida por uma outra, no tempo da 1ª República. E é com essa que
me despeço: Saúde e fraternidade. Carlos Traguelho
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