Apenas mais uma amostragem de como se deve governar em democracia, reflectindo, ponderando, ensinando, dando a cara para as verbosidades necessárias no nosso país de verborreia -nem sempre conseguida, é certo - e oferecendo os braços e o peito nus para a demonstração de como se deve apanhar a vacina, no nosso país de fracas luzes, e sobretudo nesta nossa idade - a minha visivelmente superior – digo, em anos – para a preservação das gripes, mas sou avessa a vacinas, e muito mais à exposição corporal, embora reconheça que as belas fotos são reservadas preferencialmente ao Sr. Presidente e, é claro, às outras personalidades da vida social, e não ao povo anónimo de que faço parte. Por isso, compreendo a ambição do professor Marcelo de se afirmar como presidente bem-falante e também destemido amante dos fluidos exemplificativos ar e água, por frios que sejam, nestes tempos outonais. E desta forma, não acho que seja tão simbólico assim, o presidencialismo do nosso presidente, farto de viver à custa das execuções e decisões do nosso primeiro ministro que é quem mais trabalha, embora o faça por uma nobre causa – a sua, principalmente. O nosso presidente, limitado às selfies, de vez em quando faz os seus discursos de convenção, que ninguém pode levar a mal, carago. Um homem não é de ferro.
OPINIÃO
Marcelo Rebelo de Sousa inaugurou o
presidencialismo simbólico
Projectou-se simbolicamente acima do
Governo, como uma espécie de “pai da pátria”, mesmo sem precisar de ter
assinado ainda o decreto do estado de emergência.
SÃO JOSÉ ALMEIDA
PÚBLICO, 7 de Novembro de 2020
Foi
anunciado como uma entrevista do Presidente da República à RTP, a terminar um
dia em que este recebeu de manhã em audiência o
primeiro-ministro, que lhe foi oficialmente propor que decretasse o
estado de emergência com carácter preventivo, para garantir o enquadramento
constitucional da acção do Governo na prevenção e no combate ao alastramento da
epidemia da covid-19. Depois de durante a tarde ouvir os partidos com
assento parlamentar, Marcelo Rebelo de Sousa apresentou-se perante as câmaras
da RTP, instrumento de comunicação que domina na perfeição.
A
expectativa era grande, até porque o método de optar por anunciar
a sua decisão numa entrevista e não de fazer uma comunicação institucional ao
país — que acabou por acontecer na
sexta-feira — era bastante esdrúxulo para quem está investido no primeiro órgão
de soberania do Estado, dentro do que são as regras formais da democracia — o
regime que, de facto, mais vive do respeito de regras rígidas por parte dos
ocupantes de cargos de poder. Mas nesse espartilho institucional, o
Presidente da República não podia fazer o que queria de facto fazer. A surpresa foi absoluta. Marcelo Rebelo de Sousa estreava em directo a
transformação do sistema político semipresidencialista, que vigora em Portugal
desde que a Constituição foi aprovada em 2 de Abril de 1974.
Bem
tentou o director de Informação da RTP, o jornalista António José Teixeira,
fazer uma entrevista dentro dos padrões clássicos do jornalismo, ou seja, em
que são feitas perguntas pelo entrevistador e a estas o entrevistado dá
respostas. Marcelo Rebelo de Sousa não deu um milímetro de
espaço, tomou conta das câmaras, ocupou os ecrãs e tratou de atingir o seu
objectivo: tornar-se o centro simbólico absoluto do sistema político.
Com
a mestria de quem até deixava o jornalista fazer as perguntas, para respirar
fundo, retomar fôlego, e prosseguir na sua demanda, num tom de pedagogo e num
misto de aula e de palestra, Marcelo
Rebelo de Sousa produziu um momento que fica para os manuais da
comunicação política. Foi o culminar de um processo por si iniciado e
milimetricamente cumprido em que inaugurou o presidencialismo simbólico. Não legalmente, não constitucionalmente, mas ao
nível da simbologia do poder perante a percepção da população.
Como
preparação da sua estratégia, Marcelo Rebelo de Sousa começou por ouvir
vários ex-ministros e responsáveis de saúde, recebendo também a actual
ministra, mas relativizando, assim, a legitimidade governativa de Marta
Temido. E na quinta-feira 29 de Outubro, de forma cautelosa, mas
estrategicamente preparada, em declarações aos jornalistas, levanta a hipótese de ser necessário um novo estado de
emergência, estado de excepção que constitucionalmente, depois de
aprovado pelo Parlamento, é decretado pelo Presidente, e que dá, assim, a este
o co-protagonismo, ao lado do Governo, na gestão da pandemia. O Presidente sabia então o que os modelos
matemáticos da progressão da pandemia previam para Portugal em Novembro, como
sabia já a gravidade
da situação no Outono/Inverno quando, a 9 de Novembro, pronunciou a
frase que então pareceu inusitada e tremendista: “É preciso repensar o Natal
em família, repensa-se o Natal em família.”
Um
conhecimento do risco que o país corre que revelou, na segunda-feira, ao
justificar que, se nada fosse feito, os novos casos diários iriam subir
exponencialmente, e, perante a interpelação de António José Teixeira de que
chegariam aos cinco mil, Marcelo Rebelo de Sousa corrige e diz mais do dobro,
ou seja, mais de dez mil casos por dia.
Com
sabedoria de quem há décadas respira política, começou por
dizer, na quinta-feira 29 de Outubro: “É preciso um consenso
parlamentar e social para que essas novas restrições sejam eficazes.” Para,
na sua aula/palestra ao país de segunda-feira, frisar que PS, PSD e CDS já
tinham declarado o apoio a que fosse decretado novo estado de emergência, pelo
que estavam reunidos dois terços dos votos dos deputados necessários a uma
revisão constitucional.
Condescendente,
defendeu o Governo e as autoridades do Estado — eventualmente, até em excesso
—, disse perceber “as críticas e angústias de quem aponta erros, atrasos, contradições
e ziguezagues”, mas fez questão de as justificar com o carácter inédito da
pandemia. E,
sublinhando que “não é função do Presidente demarcar-se do Governo e do
Parlamento”, deu o passo em frente e colocou-se
simbolicamente no centro do sistema político, quando
afirmou assumir “a responsabilidade suprema” da gestão da prevenção e do
combate à pandemia em Portugal — quando na realidade ocupa um órgão de
soberania sem poder executivo. Ao
fazê-lo, projectou-se simbolicamente acima do Governo, como uma espécie de “pai
da pátria”, mesmo sem precisar de ter assinado ainda o decreto do estado de
emergência, que o coloca formalmente no centro das decisões com o Governo.
TÓPICOS: POLÍTICA COVID-19 CORONAVÍRUS PRESIDENTE DA REPÚBLICA MARCELO REBELO DE SOUSA GOVERNO PRIMEIRO-MINISTRO
COMENTÁRIOS:
JarDiniz EXPERIENTE: Não estou de acordo com as conclusões da autora. No
sistema português o Presidente nomeia o Governo mas não governa! Que
alternativa teria perante a situação actual senão usar a "magistratura da
influência" e a "palavra"? Foi o que fez, antes da posição
formal que tomou depois quando assinou o decreto do EM. Os poderes do PR estão
diminuídos nesta fase do mandato pelo que não vejo que outra posição poderia
ter assumido. Quanto à condução da entrevista, não valorizo tanto o mérito do
PR mas, sim, o demérito do entrevistador que poderia ser menos subserviente.
Além disso, nunca podemos desligar as acções das pessoas dos seus interesses
pessoais que, no caso do PR, são os inerentes à sua recandidatura pré-anunciada
pelo PR mas não pelo candidato. E a isto o entrevistador nada disse
Marcelo Melo INICIANTE: Uma análise certeira.
Fernando Luz.550569 INICIANTE: Sim, subscrevo
esta opinião, e também eu não gosto de paternalismos, sejam eles de quem forem.
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