sábado, 7 de novembro de 2020

Ninguém deve levar a mal


Apenas mais uma amostragem de como se deve governar em democracia, reflectindo, ponderando, ensinando, dando a cara para as verbosidades necessárias no nosso país de verborreia -nem sempre conseguida, é certo - e oferecendo os braços e o peito nus para a demonstração de como se deve apanhar a vacina, no nosso país de fracas luzes, e sobretudo nesta nossa idade - a minha visivelmente superior – digo, em anos – para a preservação das gripes, mas sou avessa a vacinas, e muito mais à exposição corporal, embora reconheça que as belas fotos são reservadas preferencialmente ao Sr. Presidente e, é claro, às outras personalidades da vida social, e não ao povo anónimo de que faço parte. Por isso, compreendo a ambição do professor Marcelo de se afirmar como presidente bem-falante e também destemido amante dos fluidos exemplificativos ar e água, por frios que sejam, nestes tempos outonais. E desta forma, não acho que seja tão simbólico assim, o presidencialismo do nosso presidente, farto de viver à custa das execuções e decisões do nosso primeiro ministro que é quem mais trabalha, embora o faça por uma nobre causa – a sua, principalmente. O nosso presidente, limitado às selfies, de vez em quando faz os seus discursos de convenção, que ninguém pode levar a mal, carago. Um homem não é de ferro.

OPINIÃO

Marcelo Rebelo de Sousa inaugurou o presidencialismo simbólico

Projectou-se simbolicamente acima do Governo, como uma espécie de “pai da pátria”, mesmo sem precisar de ter assinado ainda o decreto do estado de emergência.

SÃO JOSÉ ALMEIDA

PÚBLICO, 7 de Novembro de 2020

Foi anunciado como uma entrevista do Presidente da República à RTP, a terminar um dia em que este recebeu de manhã em audiência o primeiro-ministro, que lhe foi oficialmente propor que decretasse o estado de emergência com carácter preventivo, para garantir o enquadramento constitucional da acção do Governo na prevenção e no combate ao alastramento da epidemia da covid-19. Depois de durante a tarde ouvir os partidos com assento parlamentar, Marcelo Rebelo de Sousa apresentou-se perante as câmaras da RTP, instrumento de comunicação que domina na perfeição.

A expectativa era grande, até porque o método de optar por anunciar a sua decisão numa entrevista e não de fazer uma comunicação institucional ao país — que acabou por acontecer na sexta-feira — era bastante esdrúxulo para quem está investido no primeiro órgão de soberania do Estado, dentro do que são as regras formais da democracia — o regime que, de facto, mais vive do respeito de regras rígidas por parte dos ocupantes de cargos de poder. Mas nesse espartilho institucional, o Presidente da República não podia fazer o que queria de facto fazer. A surpresa foi absoluta. Marcelo Rebelo de Sousa estreava em directo a transformação do sistema político semipresidencialista, que vigora em Portugal desde que a Constituição foi aprovada em 2 de Abril de 1974.

Bem tentou o director de Informação da RTP, o jornalista António José Teixeira, fazer uma entrevista dentro dos padrões clássicos do jornalismo, ou seja, em que são feitas perguntas pelo entrevistador e a estas o entrevistado dá respostas. Marcelo Rebelo de Sousa não deu um milímetro de espaço, tomou conta das câmaras, ocupou os ecrãs e tratou de atingir o seu objectivo: tornar-se o centro simbólico absoluto do sistema político.

Com a mestria de quem até deixava o jornalista fazer as perguntas, para respirar fundo, retomar fôlego, e prosseguir na sua demanda, num tom de pedagogo e num misto de aula e de palestra, Marcelo Rebelo de Sousa produziu um momento que fica para os manuais da comunicação política. Foi o culminar de um processo por si iniciado e milimetricamente cumprido em que inaugurou o presidencialismo simbólico. Não legalmente, não constitucionalmente, mas ao nível da simbologia do poder perante a percepção da população.

Como preparação da sua estratégia, Marcelo Rebelo de Sousa começou por ouvir vários ex-ministros e responsáveis de saúde, recebendo também a actual ministra, mas relativizando, assim, a legitimidade governativa de Marta Temido. E na quinta-feira 29 de Outubro, de forma cautelosa, mas estrategicamente preparada, em declarações aos jornalistas, levanta a hipótese de ser necessário um novo estado de emergência, estado de excepção que constitucionalmente, depois de aprovado pelo Parlamento, é decretado pelo Presidente, e que dá, assim, a este o co-protagonismo, ao lado do Governo, na gestão da pandemia. O Presidente sabia então o que os modelos matemáticos da progressão da pandemia previam para Portugal em Novembro, como sabia já a gravidade da situação no Outono/Inverno quando, a 9 de Novembro, pronunciou a frase que então pareceu inusitada e tremendista: “É preciso repensar o Natal em família, repensa-se o Natal em família.”

Um conhecimento do risco que o país corre que revelou, na segunda-feira, ao justificar que, se nada fosse feito, os novos casos diários iriam subir exponencialmente, e, perante a interpelação de António José Teixeira de que chegariam aos cinco mil, Marcelo Rebelo de Sousa corrige e diz mais do dobro, ou seja, mais de dez mil casos por dia.

Com sabedoria de quem há décadas respira política, começou por dizer, na quinta-feira 29 de Outubro: “É preciso um consenso parlamentar e social para que essas novas restrições sejam eficazes.” Para, na sua aula/palestra ao país de segunda-feira, frisar que PS, PSD e CDS já tinham declarado o apoio a que fosse decretado novo estado de emergência, pelo que estavam reunidos dois terços dos votos dos deputados necessários a uma revisão constitucional.

Condescendente, defendeu o Governo e as autoridades do Estado — eventualmente, até em excesso —, disse perceber “as críticas e angústias de quem aponta erros, atrasos, contradições e ziguezagues”, mas fez questão de as justificar com o carácter inédito da pandemia. E, sublinhando que “não é função do Presidente demarcar-se do Governo e do Parlamento”, deu o passo em frente e colocou-se simbolicamente no centro do sistema político, quando afirmou assumir “a responsabilidade suprema” da gestão da prevenção e do combate à pandemia em Portugal — quando na realidade ocupa um órgão de soberania sem poder executivo. Ao fazê-lo, projectou-se simbolicamente acima do Governo, como uma espécie de “pai da pátria”, mesmo sem precisar de ter assinado ainda o decreto do estado de emergência, que o coloca formalmente no centro das decisões com o Governo.

tp.ocilbup@adiemla.esoj.oas

TÓPICOS:  POLÍTICA  COVID-19  CORONAVÍRUS  PRESIDENTE DA REPÚBLICA  MARCELO REBELO DE SOUSA  GOVERNO  PRIMEIRO-MINISTRO

 

COMENTÁRIOS:

JarDiniz EXPERIENTE: Não estou de acordo com as conclusões da autora. No sistema português o Presidente nomeia o Governo mas não governa! Que alternativa teria perante a situação actual senão usar a "magistratura da influência" e a "palavra"? Foi o que fez, antes da posição formal que tomou depois quando assinou o decreto do EM. Os poderes do PR estão diminuídos nesta fase do mandato pelo que não vejo que outra posição poderia ter assumido. Quanto à condução da entrevista, não valorizo tanto o mérito do PR mas, sim, o demérito do entrevistador que poderia ser menos subserviente. Além disso, nunca podemos desligar as acções das pessoas dos seus interesses pessoais que, no caso do PR, são os inerentes à sua recandidatura pré-anunciada pelo PR mas não pelo candidato. E a isto o entrevistador nada disse

Marcelo Melo  INICIANTE: Uma análise certeira.

Fernando Luz.550569 INICIANTE: Sim, subscrevo esta opinião, e também eu não gosto de paternalismos, sejam eles de quem forem.

 

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