terça-feira, 24 de novembro de 2020

Quem sabe, sabe


Não resisto a transcrever parte da excelente “Pluma Caprichosa da revista E de 7 de Novembro, de Clara Ferreira Alves, - “ESTADOS DESUNIDOS DA AMÉRICA” - que retrata bem o que a maioria – (“silenciosa”, por cá) – pensa da “esquerda” dos “bons sentimentos” apostados em destruir as grandes superfícies económicas, a propósito da sua (dela, esquerda) atribuição de falta deles (bons sentimentos, digo) aos ricos dirigentes capitalistas e exploradores do proletariado. Há muito que a tal esquerda o afirma, com plenos poderes para o fazer, de resto - neste nosso país, pelo menos - e com isso angariando os votos de quem prefere uma sociedade igualitariamente arruinada, segundo as normas esclarecidamente fraternais, ou fraternalmente esclarecidas da nossa democracia.

Clara Ferreira Alves é uma escritora segura do que afirma, segurança proveniente das suas muitas leituras e viagens pelo mundo, embora o que hoje afirma difira um tanto de opiniões suas anteriores, quando a sua juventude generosa apelava, talvez, pelo lugar ao sol das mesmas oportunidades dessa esquerda tonitruante por cá, e a que já pertenceu, ao que parece, mas isso tem a ver com uma questão de mudança, tema da perfeita sabedoria clássica, (menos politizada embora, e mais naturalista), que as muitas leituras e viagens proporcionam, assim houvesse mais pessoas como ela.

O mesmo, afirma, não se passa na América e em especial na Florida, onde passou um verão e conheceu imigrantes trabalhadores e de pensamento bem divergente do da nossa “maioria silenciosa” acomodada e preguiçosa.

Eis o retrato, que nos devia envergonhar, a nós, silenciosos, fôssemos nós do calibre desses imigrantes na América, de experiências comprovativas de que mais vale um trabalho que proporcione lucro – embora, naturalmente, de doseamento remuneratório desigual – do que a extinção económica resultante da destruição das áreas produtivas. De resto, penso que os nossos emigrantes, que trabalham por essas Europas e América do Norte têm idênticos discursos de felizes realizações.

Eis os passos seguintes do lúcido artigo de Clara Ferreira Alves, “ESTADOS DESUNIDOS DA AMÉRICA”:

 

«A comunidade latino-americana, imigrantes de várias gerações com descendentes ou refugiados da América Latina, vota tradicionalmente à direita e detesta os democratas ou qualquer vestígio de liberalismo e muito menos socialismo. E não são apenas os numerosos descendentes de cubanos que escaparam do fidelismo. A comunidade não é hegemónica e cresceu nos últimos anos com os foragidos das guerrilhas, das ditaduras ou dos regimes de esquerda e centro no sul do continente. Há gente da Nicarágua, que fugiu dos sandinistas, gente da Venezuela que fugiu dos Chavistas, gente da Bolívia, do Panamá, da Guatemala, do Chile, do Equador, da Argentina, do Brasil. E do México, claro. Depois da fase das ditaduras de direita suportadas pelos Estados Unidos, a América do Sul entrou na fase da maré cor-de-rosa, ou guinada para a esquerda nos anos 90 e no novo século. Chávez, Lula da Silva, Cristina Kirchner e Evo Morales foram os pioneiros desta onda esquerdista. Quando o preço das matérias-primas e mercadorias baixou, os regimes foram abalados. Tinham, entretanto, por várias razões, gerado refugiados e emigrantes económicos ou políticos. Gente que vê na América um país de riqueza e liberdade individual, onde a longa mão do Estado não se faz sentir. Estes foragidos têm quase todos, mesmo os que fogem de regimes de direita, ódio à palavra socialismo e uma crença funda, a de que mais vale pagar menos impostos e ter o Estado fora da vida quotidiana. São os foragidos de estados caracterizados pela arbitrariedade e a criação endémica de pobreza e corrupção. (…)

… «Ninguém na América, tirando as minorias das minorias que se confundem com o libertarianismo de esquerda, quer ouvir a palavra socialismo, que os americanos culpam por todos os desastres económicos da Europa. O ethos americano tem horror ao colectivismo. O imigrante mais horror terá, incluindo o indocumentado.

«Conheci brasileiros na Florida, durante um largo verão que ali passei, que odiavam o Brasil e trabalhavam 20 horas por dia para “poderem montar o próprio negócio”. Não recusavam um biscate e amavam a América com um fervor nacionalista, apesar de não serem americanos. Para eles, Trump será um símbolo de sucesso. E os reformados? Os reformados vêem em Sanders alguém que lhes vai aumentar os impostos e os dos filhos e netos, e empobrecer a classe média, para pagar aos pobres e aos falhados. O amor à liberdade individual americana tem como âncora o horror ao falhanço e à pobreza “que não se vira”. A pobreza resignada e sem esperança de que os brasileiros queriam escapar. Um deles, Hudson chamava-se, levantava-se às cinco da manhã e deitava-se à uma ou duas da manhã. Tinha vários empregos pesados, com excepção de umas aulas que dava num ginásio. Enquanto consertava um cano, dizia-me Hudson: “Um dia vou ter a minha própria academia (ginásio), ter a minha vida neste grande país. No Brasil, mesmo que trabalhasse tantas horas como aqui, nunca teria nada. Tudo o que os políticos brasileiros fazem é roubar o pobre.” Odiava Lula, que estava no Planalto, e os conceitos de esquerda ou direita eram-lhe estranhos. Mas Lula era amigo de Fidel, pecado mortal. “Venezuela e Cuba são pecado mortal, mais nada”.

«Imagine-se o efeito que Sanders (“admirador de Fidel”, “apoiante de Biden”, “que estava ali para atacar os donos do dinheiro”) tem na gente que pensa como Hudson, nos reformados ou na classe trabalhadora, que poupa durante anos para ir de férias um ano e que prefere não ter serviço nacional de saúde, a pagar impostos. Quem não conhece esta realidade não conhece a América, e a América não são os redutos liberais de Nova Iorque e da Califórnia ou os feudos bem pensantes. ….»

 

Malgré tout, Biden ganharia as eleições.

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