Não resisto a transcrever parte da excelente
“Pluma Caprichosa da revista E de 7 de Novembro, de Clara
Ferreira Alves, - “ESTADOS
DESUNIDOS DA AMÉRICA” - que retrata bem o que a maioria – (“silenciosa”, por
cá) – pensa da “esquerda” dos “bons sentimentos” apostados em destruir as grandes
superfícies económicas, a propósito da sua (dela, esquerda) atribuição de falta
deles (bons sentimentos, digo) aos ricos dirigentes capitalistas e exploradores
do proletariado. Há muito que a tal esquerda o afirma, com plenos poderes para
o fazer, de resto - neste nosso país, pelo menos - e com isso angariando os
votos de quem prefere uma sociedade igualitariamente arruinada, segundo as
normas esclarecidamente fraternais, ou fraternalmente esclarecidas da nossa democracia.
Clara
Ferreira Alves é uma escritora segura do que afirma, segurança proveniente
das suas muitas leituras e viagens pelo mundo, embora o que hoje afirma difira um
tanto de opiniões suas anteriores, quando a sua juventude generosa apelava,
talvez, pelo lugar ao sol das mesmas oportunidades dessa esquerda tonitruante
por cá, e a que já pertenceu, ao que parece, mas isso tem a ver com uma questão
de mudança, tema da perfeita sabedoria clássica, (menos politizada embora, e
mais naturalista), que as muitas leituras e viagens proporcionam, assim
houvesse mais pessoas como ela.
O mesmo, afirma, não se passa na América
e em especial na Florida, onde passou um verão e conheceu imigrantes
trabalhadores e de pensamento bem divergente do da nossa “maioria silenciosa”
acomodada e preguiçosa.
Eis o retrato, que nos devia
envergonhar, a nós, silenciosos, fôssemos nós do calibre desses imigrantes na
América, de experiências comprovativas de que mais vale um trabalho que
proporcione lucro – embora, naturalmente, de doseamento remuneratório desigual –
do que a extinção económica resultante da destruição das áreas produtivas. De resto,
penso que os nossos emigrantes, que trabalham por essas Europas e América do
Norte têm idênticos discursos de felizes realizações.
Eis os passos seguintes do lúcido artigo
de Clara Ferreira Alves, “ESTADOS DESUNIDOS DA AMÉRICA”:
«A
comunidade latino-americana, imigrantes de várias gerações com descendentes ou
refugiados da América Latina, vota tradicionalmente à direita e detesta os
democratas ou qualquer vestígio de liberalismo e muito menos socialismo. E não
são apenas os numerosos descendentes de cubanos que escaparam do fidelismo. A
comunidade não é hegemónica e cresceu nos últimos anos com os foragidos das
guerrilhas, das ditaduras ou dos regimes de esquerda e centro no sul do
continente. Há gente da Nicarágua, que fugiu dos sandinistas, gente da
Venezuela que fugiu dos Chavistas, gente da Bolívia, do Panamá, da Guatemala,
do Chile, do Equador, da Argentina, do Brasil. E do México, claro. Depois
da fase das ditaduras de direita suportadas pelos Estados Unidos, a América do
Sul entrou na fase da maré cor-de-rosa, ou guinada para a esquerda nos anos 90
e no novo século. Chávez, Lula da Silva, Cristina Kirchner e Evo Morales foram os pioneiros desta onda esquerdista. Quando o
preço das matérias-primas e mercadorias baixou, os regimes foram abalados.
Tinham, entretanto, por várias razões, gerado refugiados e emigrantes
económicos ou políticos. Gente que vê na América um país de riqueza e
liberdade individual, onde a longa mão do Estado não se faz sentir. Estes
foragidos têm quase todos, mesmo os que fogem de regimes de direita, ódio à
palavra socialismo e uma crença funda, a de que mais vale pagar menos impostos
e ter o Estado fora da vida quotidiana. São os foragidos de estados
caracterizados pela arbitrariedade e a criação endémica de pobreza e corrupção.
(…)
… «Ninguém
na América, tirando as minorias das minorias que se confundem com o
libertarianismo de esquerda, quer ouvir a palavra socialismo, que os americanos
culpam por todos os desastres económicos da Europa. O ethos americano tem
horror ao colectivismo. O imigrante mais horror terá, incluindo o
indocumentado.
«Conheci
brasileiros na Florida, durante um largo verão que ali passei, que odiavam o
Brasil e trabalhavam 20 horas por dia para “poderem montar o próprio negócio”. Não
recusavam um biscate e amavam a América com um fervor nacionalista, apesar de
não serem americanos. Para eles, Trump será um símbolo de sucesso. E os
reformados? Os reformados vêem em Sanders alguém que lhes vai aumentar os
impostos e os dos filhos e netos, e empobrecer a classe média, para pagar aos
pobres e aos falhados. O amor à liberdade individual americana tem como âncora
o horror ao falhanço e à pobreza “que não se vira”. A pobreza resignada e sem
esperança de que os brasileiros queriam escapar. Um deles, Hudson chamava-se,
levantava-se às cinco da manhã e deitava-se à uma ou duas da manhã. Tinha vários
empregos pesados, com excepção de umas aulas que dava num ginásio. Enquanto
consertava um cano, dizia-me Hudson: “Um dia vou ter a minha própria academia
(ginásio), ter a minha vida neste grande país. No Brasil, mesmo que trabalhasse
tantas horas como aqui, nunca teria nada. Tudo o que os políticos brasileiros
fazem é roubar o pobre.” Odiava Lula, que estava no Planalto, e os conceitos de
esquerda ou direita eram-lhe estranhos. Mas Lula era amigo de Fidel, pecado
mortal. “Venezuela e Cuba são pecado mortal, mais nada”.
«Imagine-se
o efeito que Sanders (“admirador de Fidel”, “apoiante de Biden”, “que estava
ali para atacar os donos do dinheiro”) tem na gente que pensa como Hudson, nos
reformados ou na classe trabalhadora, que poupa durante anos para ir de férias
um ano e que prefere não ter serviço nacional de saúde, a pagar impostos. Quem
não conhece esta realidade não conhece a América, e a América não são os
redutos liberais de Nova Iorque e da Califórnia ou os feudos bem pensantes. ….»
Malgré tout, Biden ganharia as eleições.
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