segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Picardia

O Dr. Salles apresenta uma definição de “herói” que em nada se parece com a que deu Reinaldo Ferreira, que julgo já ter citado - essa mesmo do “herói” a valer, como bastas vezes demonstrámos, ao longo da nossa História. E continuamos a demonstrar, agora segundo a definição que nos dá o amigo do Dr. Salles – tendo em conta, com certeza, as missões das nossas tropas no estrangeiro, pelo menos antes da Covid malfeitora, as quais ajudam a defender valentemente as pátrias dos outros. Por isso o nosso Hino Nacional nos prestigia, embora a sua letra só se circunscreva aos heróis do mar, mas teve isso a ver com um ultimatum malfadado, feito pelos ingleses que não estão nunca para brincadeiras, e daí nasceu a letra que pegou, no Hino Nacional, que, afinal, nos abrange a todos, como prova o amigo do Dr. Salles, pois continuamos a dar bons exemplos tanto por terra como por mar. Por isso o Hino devia ser corrigido na letra.

«RECEITA PARA FAZER UM HERÓI»

«Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.

Serve-se morto.»

 

MÁXIMA HERÓICA

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 15.11.20

Contada pelo meu colega e amigo Elias Quadros, a máxima que subscrevo:

«Heróis não são só os que morrem pela Pátria; antes e sobretudo, heróis são os que dão oportunidade aos inimigos de morrerem pela pátria deles.».

Dixit

Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS:

Anónimo 15.11.2020:  A máxima que reproduzes, Henrique, tem a ver com heroísmo em tempo de guerra. Deixámos apenas há duas décadas um século que ceifou nesse teatro dezenas e dezenas de milhões de militares e de civis, particularmente na sua primeira metade. Muitos morreram pela Pátria, claro, outros por ideais ou por utopias. Já tive oportunidade de te dizer que estou na fase de leitura de livros que vou comprando e de releitura de outros anteriormente comprados. Por estranha coincidência, quando chegou a tua mensagem de alerta de colocação de post, estava relendo e vendo um livro editado pelo Governo Espanhol, no princípio deste século, a propósito da doação, pelo irmão de Robert Capa, de fotografias sobre a guerra civil de Espanha tiradas por este último. Como se sabe, uma das mais emblemáticas fotografias sobre guerra foi tirada por ele no exacto momento em que um miliciano é atingido mortalmente, num cerro, em frente a Córdoba, precisamente no mesmo dia e mês em que eu haveria de nascer alguns anos depois. Voltei a olhar para a foto depois de ler a máxima, e pensei “este morreu pela Pátria e por um ideal e foi morto por alguém com a mesma Pátria, mas que perfilhava ideias distintas”. E, por associação, pensei nos brigadistas internacionais que foram lutar, não necessariamente pela Pátria deles (os alemães e italianos, sim, pois entendiam que a primeira luta contra o nazismo e o fascismo que dominavam os respectivos países se estava a desenrolar em Espanha), mas por ideologias e utopias – desde da defesa de uma república democrática, a uma república revolucionária, passando por um regime sovietizado, mas acima de tudo – pela derrota do nazismo e do fascismo na Europa. Excluindo, obviamente, da categoria de heróis os que perpetraram crimes de guerra e crimes contra a humanidade, bem como os mercenários, entendo, que no cenário militar, heróis são todos que correm risco de vida, independentemente da sua sorte e do lado da contenda. Todos são heróis, todos são verdadeiros heróis. E sobre estes últimos, prefiro a definição civilista do Prémio Nobel de Literatura – Romain Rolland – que, ao que parece, caracterizou como verdadeiro herói aquele que faz o que pode, já que os outros não o fazem. Abraço. Carlos Traguelho

 

Adriano Lima 15.11.2020: Não é isto que o general Patton costumava dizer aos seus homens?
Um primo direito meu frequentou o COM, em Mafra, em 1969, e foi-lhe atribuída a especialidade de Transmissões de Infantaria. Não satisfeito com a especialidade, e desejoso de ser “Comando”, moveu todos os esforços para ser reclassificado. Atribuía a especialidade “pacífica” com que foi contemplado, a uma cunha do pai, que era coronel de Artilharia, meu tio por afinidade, casado com uma minha tia paterna. Recordo-me perfeitamente de um dia em que fui a casa deles, na Defensor de Chaves, em 1969, e de ele me dar conta da sua insatisfação e do que tencionava fazer para contrariar os conselhos paternos. E, na verdade, conseguiu o que queria, sem saber que estava a ajudar o destino a urdir a teia de uma trágica ironia. Eu, primo mais velho e calejado por aquilo que vira e sentira na minha comissão em Angola, tendo visto como os mitos se esfarelam facilmente, procurei esvaziar o caudal do seu entusiasmo, que me parecia ditado mais por um empolgamento juvenil do que pela ânsia de obedecer a um qualquer chamamento patriótico. Aliás, julgo que é isto que explica a motivação da maior parte dos jovens que se oferecem para a especialidade “Comando”. Em Fevereiro de 1971, alferes “Comando”, morreu com um tiro no peito na última operação em que ia participar. Estava quase a regressar a casa. É por estas e por outras que costumo entrar em interrogações metafísicas sobre o real sentido da morte ao serviço da pátria. Primeiro que tudo, o que é o “serviço à pátria” senão o que emana de decisões políticas tomadas por cidadãos nem sempre muito recomendáveis? Vale a pena arriscar ou perder a vida em nome de interesses que não compreendemos ou de que discordamos? Quando e como se interliga a noção do serviço à pátria com a consciência do dever militar e o que implica de sacrificar a vida? Em minha opinião, isso nunca ocorre de forma explícita. Para o militar, as especulações filosóficas ficam à porta do reduto em que se concentra todo um ritual de vida próprio e inconfundível, com os seus códigos, os seus símbolos e os seus valores. Conceitos como espírito de sacrifício, lealdade e camaradagem, típicos da condição militar, só ganham sentido e consistência na medida em que materializados em actos concretos exemplificados por chefes e interiorizados por subordinados. Acredito que o meu primo não se ofereceu para os “Comandos” por reacção a um apelo patriótico ouvido a Salazar ou Marcelo Caetano, mas porque deve ter presenciado o ritual em que se grita “Mama Sumae" (grito de guerra dos Comandos) e se espeta na relva uma espingarda com baioneta calada. É possível que no seu pouco tempo de vida tenha encontrado o que procurou, sem se lhe deparar oportunidade para qualquer reflexão profunda. É mesmo, Dr. Carlos Traguelho. O “verdadeiro herói é aquele que faz o que pode, já que os outros não o fazem”. E para isso não é preciso andar aos tiros e arriscar a vida, pois que os desafios normais da realidade de todos os dias são mais penosos porque não duram o instante de um tiro no peito, mas a existência inteira.

 

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