sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Cada um dá o que tem


Nunca se poderia pedir a Trump ambições do género das de Caeiro:


Quem me dera que eu fosse o pó da estrada

E que os pés dos pobres me estivessem pisando...


Quem me dera que eu fosse os rios que correm

E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

 

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio

E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...

 

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro

E que ele me batesse e me estimasse...

 

Antes isso que ser o que atravessa a vida

Olhando para trás de si e tendo pena...

1914

Não, esses sonhos não eram para Trump, nem Trump os entenderia. Mas tenho pena que Nuno Pacheco, cujos sonhos de eliminar um AO destruidor da harmonia de uma língua, me fizeram respeitá-lo no seu quixotismo desfeito pelos moinhos de vento do nosso atraso e indiferença, como espécie de lunático corajosamente no seu posto de lutador por uma causa - perdida embora - pela inércia de um povo só desperto para os três fff da sua e nossa glória - tenho pena que Nuno Pacheco venha usar de uma ironia de mau gosto contra um homem que afinal também foi corajoso na sinceridade – ridícula mas não malévola nem hipócrita - com que defendeu a sua América, como ele a entendia – pátria de grandes heróis e de gente que lutou para a tornar grande no mundo. Tais ironias de Nuno Pacheco, acerca dos cabelos de Trump e as suas astutas mudanças de cor, parecem-me de um mau gosto surpreendente em Nuno Pacheco, coisa de rapazote, que se admite – às vezes mal - em Ricardo de Araújo Pereira, mas não tem cabimento em NP, no seu rigor severo contra um Trump que tão estranho ódio lhe merece.

 

OPINIÃO

No cabelo é que está a derrota, ou como o ouro se fez cinza

O “loiro” Trump fez-se grisalho em duas conferências de imprensa sobre a covid-19, em Março e agora. Uma estratégia com a cor da derrota.

NUNO PACHECO

PÚBLICO, 19 de Novembro de 2020

Desde a antiquíssima história de Sansão e Dalila que os cabelos (os da cabeça, já que tal nome é dado também aos pelos que cobrem o corpo) deram origem a milhares de histórias, crenças, lendas, mitos e também práticas associadas ao seu poder. Para distinguir, afirmar, glorificar, mas também seduzir, submeter ou humilhar, isto consoante os séculos e as culturas. Há até expressões populares a eles associados, como “estar pelos cabelos” (sem paciência, farto) ou “com os cabelos em pé” (hipérbole para espantado, horrorizado ou em pânico). Mas adiante, que não vamos começar aqui uma lição de história universal, social e muito menos capilar.

Há dias, por sinal numa sexta-feira 13, quando o ainda presidente americano (já falta pouco) deu uma conferência de imprensa sobre a covid-19, houve um certo burburinho. Não pelo que ele disse e desdisse, porque isso já é hábito, mas pelo seu tom capilar. Grisalho, em vez do loiro que ostenta na foto oficial e em quase todas as suas aparições públicas. E este “quase” tem uma explicação, que não é bem a que serviu de mote para comentários irónicos nas redes sociais, como “Trump esqueceu-se de pintar o cabelo” ou “Aparentemente, o cabeleireiro de Trump admitiu a derrota antes dele”.

Na verdade, no passado dia 30 de Março, também numa conferência de imprensa sobre a covid-19, Trump aparecera grisalho. No dia seguinte, a revista Vogue, pela pena de Lauren Valenti, dedicou-lhe um artigo intitulado: “O novo cabelo grisalho de Donald Trump é apenas a sua mais recente táctica política.” Porquê? A revista citava também alguns comentários nas redes sociais, uns pretensamente sagazes e outros jocosos, ora sugerindo que Trump estaria a ensaiar “um ar mais digno” para a campanha presidencial de 2020, ora que, para provar distanciamento social, nem via o seu cabeleireiro.

Mas o comentário mais sensato, e provavelmente mais verdadeiro, foi o da historiadora Alexis Coe, autora de uma biografia de George Washington que foi best-seller do New York Times, ao sugerir que seria uma estratégia estudada, não tanto por Trump (“que não gosta de mudar a sua aparência física”) mas pelos seus assessores, que lhe teriam dito “que precisava de fazer algo dramático.” “O que eu penso que pode estar a acontecer”, dizia Alexis Coe à Vogue, “é uma espécie de manipulação do público americano em que ele está a tentar mostrar aos cidadãos que ele também está a sofrer.”

Despachada a conferência de imprensa, onde o grisalho combinava com um pretenso ar compungido, voltou a aloirar-se. Até que, de novo acossado, a perder nas urnas (mas ainda a gritar por escrito, pateticamente, no Twitter, “WE WILL WIN!”), lá se agrisalhou de novo. O problema é que, como se sabe – e é repisado na “resposta” de Marx a Hegel, dizendo o primeiro que “a história repete-se sempre, pelo menos duas vezes”, acrescentando o segundo que da primeira vez seria como tragédia e da segunda como farsa –, a tragédia da covid-19 tem sido a farsa de Trump. Insistentemente. E enquanto vão sucumbindo ao vírus cada vez mais compatriotas seus (só nessa sexta-feira 13 tinham-se registado mais 181.194 novos casos de infecção e mais 1384 mortes, num total que já ia em 159.508 no dia 17 de Novembro, segundo o registo diário do New York Times), ele vai gastando os seus últimos dias na Casa Branca a tentar bombardear o Irão (falhou), arrasar a Fox (que dele se distanciou) e a tuítar “FRAUDE”, na esperança de que o levem a sério.

Foto: A cabeleira de Donald Trump retratada pelos Simpsons nos 100 dias da sua presidência

Voltando ao cabelo de Donald Trump, que dourou talvez para sugerir um toque de Midas, tão falso como ele, há dois registos imperdíveis que lhe estão associados: um, foi quando Jimmy Fallon, após entrevistá-lo ainda como candidato no The Tonight Show, lhe pediu para fazer uma coisa que há muito desejava e, em seguida, o despenteou; o segundo é o retrato da cabeleira de Trump feito pelos Simpsons nos 100 dias da sua presidência, como se tivesse vida própria, uma espécie de cãozinho amarelo enrolado na sua cabeça. Seja como for, é no cabelo (verdadeiro) de Trump que está a derrota. Onde o ouro não se fez prata, mas cinza.

tp.ocilbup@ocehcap.onun

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COMENTÁRIOS:

João Pereira INICIANTE: Nuno Pacheco, cabelo, só há no couro cabeludo, tudo mais é pelo. Diz qualquer manual de anatomia.

Winston Smith INICIANTE: Já ninguém me devolve os minutos que perdi a ler esta crónica inútil. 19.11.2020

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