quinta-feira, 26 de novembro de 2020

“Se bem me lembro…”


Francisco Assis foi dos que se indignou com a farsa da decisão de António Costa de tomar as rédeas do governo, apesar da derrota que este então sofreu em relação a Passos Coelho, escolhendo apoios à esquerda que lhe proporcionassem a maioria para o acesso. E foi escrevendo, como antes falara, em mesas redondas, que davam prazer escutar, pela serenidade e competência dos seus discursos. Há muito que deixou de escrever e de discursar cá por casa, e espantou-me o seu artigo. Sempre equilibrado, desta vez veio dar a mãozinha aos seus, puxando as orelhas aos da geringonça que dantes não aceitara bem. Francisco Assis continua competente e sereno, afinal amigo do seu amigo. Aquilo do Passos Coelho fora um aparte, para um flash fotográfico momentâneo, como todos os flashes.

 

OPINIÃO

A importância da Concertação Social

Face à natureza dos desafios que se colocam no nosso horizonte uma hipotética desvalorização da Concertação Social constituiria um erro trágico.

FRANCISCO ASSIS

PÚBLICO, 26 de Novembro de 2020

A crise sanitária que se abateu sobre a Humanidade permite-nos, entre outras coisas, extrair duas conclusões da maior importância: ficou plenamente demonstrado que o modelo social europeu constitui um avanço civilizacional ineludível e sem qualquer paralelo de ordem histórica ou geográfica; ficou igualmente patente que a existência de uma economia robusta e de umas Finanças Públicas equilibradas é condição imprescindível, quer para a manutenção do Estado-Providência, quer para possibilitar uma resposta pública contundente em tempos de crise.

Portugal, felizmente, dispõe de um Estado Social razoavelmente apetrechado, mau grado as limitações que todos lhe reconhecemos, e pôde, em tão crítica conjuntura, beneficiar de uma ligeira folga resultante do esforço prosseguido no campo orçamental nos últimos dez anos. Superada que seja a crise económica suscitada pela pandemia teremos pela frente três desafios estruturais: prosseguir uma política exigente de consolidação orçamental tendo em vista a redução progressiva da dívida pública até esta atingir os valores médios europeus; promover a aceleração do ritmo do crescimento económico que se vinha a verificar desde 2014; assegurar a sustentabilidade financeira e social do Estado-Providência, instrumento indispensável para o combate a inaceitáveis disparidades de rendimento e de oportunidades entre os diferentes segmentos da população.

Com os vastos apoios provenientes da União Europeia teremos condições históricas irrepetíveis para a superação dos principais factores de bloqueio ao desenvolvimento do nosso país. Para que tal suceda precisamos, desde logo, de garantir que o debate político assente na confrontação de argumentos racionais e devidamente sustentados em dados empíricos rigorosos. Saibamos evitar uma excessiva polarização da disputa ideológica, sem renunciar à manifestação das divergências próprias de uma sociedade democrática e pluralista. Só assim estaremos à altura dos tempos especialmente responsabilizantes que vamos viver.

Atentemos sumariamente em dois factores nevrálgicos que se têm revelado impeditivos do progresso do país: o baixo nível de produtividade e os elevados valores de endividamento das famílias, das empresas e do Estado. O PIB por hora trabalhada em Portugal, de acordo com a OCDE, correspondia em 2018 a 41,6 dólares, significativamente abaixo da média da União Europeia (58,5 dólares) e da média da OCDE (56,6 dólares). Países como a República Checa, a Lituânia, a Eslováquia, a Eslovénia, a Estónia e, imagine-se, a própria Turquia apresentavam valores superiores ao nosso. Para tal situação concorrem a falta de capital do tecido empresarial, as baixas qualificações que continuam a caracterizar uma parte significativa da população activa portuguesa e as disfuncionalidades existentes no domínio da organização, quer no sector privado, quer na Administração Pública.

Ora, esta falta de produtividade prejudica a competitividade económica e inibe o crescimento salarial num país onde as remunerações do trabalho permanecem dramaticamente baixas. O problema do endividamento, que tem vindo a ser devidamente enfrentado, não pode, em nenhuma circunstância, ser desvalorizado. A nossa dívida pública ainda é uma das maiores do mundo e constitui um pesado constrangimento à acção do Estado em domínios como o investimento público e a despesa social. Acresce ainda que o endividamento das famílias, das empresas e do Estado chegou, em Maio deste ano, ao valor recorde de 740,695 mil milhões de euros, o que representa cerca de 350% do PIB registado no ano de 2019.

Face à natureza dos desafios que se colocam no nosso horizonte uma hipotética desvalorização da Concertação Social constituiria um erro trágico. Esta revelou-se decisiva para o crescimento das economias e para a afirmação do Estado Social nos países mais prósperos da Europa. Sem prejuízo da reconhecida centralidade do Parlamento o caminho a seguir deve ser aquele que, com oportunidade e clarividência, foi enunciado pela líder parlamentar do PS em recente entrevista: tudo o que diga respeito à política de rendimentos e à eventual introdução de alterações à legislação laboral não deve ser feito à margem dos mecanismos de concertação social. Não tenho dúvidas de que o país pagaria um preço muito elevado se optasse por outra via.

Presidente do Conselho Económico e Social

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Magritte
EXPERIENTE: :
É este o problema do PS: a rendição total e incondicional ao papaguear neoliberal. Claro que a concertação social interessa: de que forma se legitimaria a disciplinarização do trabalho e a sua lavagem ideológica, para que adira voluntariamente a políticas que o prejudicam? E para isso, Assis (supostamente socialista) cá está para dar uma mãozinha. Quanto aos cartéis e monopólios, crimes económicos e assuntos fiscais, nem vê-los: estes capitalistas já estão bem concertados.

 

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