–
Na Internet, por exemplo - o libelo de Antero
de Quental que ele leu na segunda sessão das “Conferências do Casino “, em 27/5/1871, sessões
que iniciariam a corrente realista que tantos nomes ilustres de literatos e
estudiosos forneceria à nação, dispostos a libertar o país de uma crassa
pobreza material e espiritual vinda de longe, sim, em distância temporal, que
Antero quis explicar na sua primeira intervenção de conferencista no Casino Lisbonense: “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, lhe
chamou, que desenvolveu segundo três tópicos, que encontramos facilmente na
Internet, donde extraio a sua síntese:
Já Antero de Quental tomara como tema
das “Conferências do Casino” as causas
do atraso português (e espanhol, na altura), no discurso de abertura no Casino
Lisbonense
«1.
A reacção religiosa, conhecida como
Contra-Reforma, consumada no Consílio de Trento e dirigida por jesuítas;
«2.
A centralização política realizada pela monarquia absoluta, com a consequente
perda das liberdades medievais;
«3.
O sistema económico criado pelos Descobrimentos, de rapina guerreira, que tinha
impedido o desenvolvimento de uma pequena burguesia
«A primeira tese inspirada em Alexandre
Herculano (“ Da origem e do estabelecimento da Inquisição em Portugal” de 1854), a segunda, seguindo a tese de Montesquieu em “L’Esprit des lois” e “confirmada para Portugal pela “História de Portugal” de Herculano. A terceira tese, sobre a causa económica, tem origem em autores dos séculos 17 e 18.
«Publicada em folheto, exerceu grande influência, sobretudo em Oliveira Martins, que escreverá a “História da Civilização Ibérica” e a “História de Portugal”»
Mas vale bem a pena ler o libelo de Antero de Quental, pela clareza e lucidez dos seus
argumentos, o que não obsta à evidência do argumento final de Salles da Fonseca, e seus comentadores, a respeito do atraso
permanente em que sempre fomos “viciados”, justificativo da situação terceiro-mundista
que para sempre nos definirá.
DO DESENVOLVIMENTO - 1
HENRIQUE SALLES
DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 23.12.20
Na
minha passagem por dois Comités de Peritos da EFTA[i],
tive um colega na representação portuguesa que fazia humor perguntando se
Portugal seria o país mais atrasado do primeiro mundo ou o mais desenvolvido do
terceiro mundo. O meu sentido de humor não era (nem é) assim tão elástico e
apenas esboçava um sorriso não dando seguimento à conversa. Mas ficava a
pensar…
Numa
conversa informal com um membro norueguês de um desses Comités, fiquei a saber
que nos anos 20 do séc. XX tinha sido localizado num recanto obscuro de um
fjord longínquo um adulto que vivia isolado com a sua avó numa cabana de
madeira alimentando-se da pesca e de pouco mais e que, pasme-se, era
analfabeto. O escândalo por haver um norueguês adulto que não sabia ler
nem escrever foi tal que o assunto mereceu debate no Parlamento e o Governo
caiu.
Pela minha parte, costumo comparar alguns países:
A Suíça e o Afeganistão são
países interiores mas existe uma relativamente importante marinha comercial
suíça com portos de amarração em Génova e em Amesterdão (e importante tráfego
fluvial ao longo do Reno); é sabido que a Suíça não tem riquezas no subsolo mas
nada se sabe acerca de eventuais riquezas mineiras afegãs; nenhum dos dois
países tem relevante propensão agro-pecuária mas a Suíça tem a «Nestlé». Assim,
à pergunta sobre o que justifica tão díspares níveis de desenvolvimento, só me
ocorre responder com a qualidade das pessoas que residem em cada um
desses países;
O Japão
não tem recursos naturais e Angola é naturalmente ubérrima. Também aqui, à
pergunta sobre qual a razão para tão díspares níveis de desenvolvimento, só
encontro a resposta na qualidade das pessoas dentro de cada um desses
países. A propósito, a frase do Professor Doutor
Manuel Enes Ferreira (ISEG,UL) quando lastima esses «pobres países ricos».
Historicamente,
em Portugal, chegámos à República com uma taxa de analfabetismo
estatístico[ii] adulto a rondar os 90% e em 1974 ainda essa taxa era da ordem dos
25%. No Recenseamento Geral da
População realizado em 2011, esse flagelo ainda era de 5%. No próximo Recenseamento, em 2021, adivinho
com alguma facilidade, a redução que verificaremos ficará a dever-se sobretudo
ao forte incremento dos óbitos causados nas mais altas faixas etárias pela
pandemia. Não faço futurologia, lamento que continue a haver em Portugal quem
apelide a alfabetização de adultos de «arqueologia social»[iii].
Um
conhecido meu, que tinha sido Prior de uma populosa (e popular) Paróquia de
Lisboa, referiu-se a inúmeros jovens universitários frequentadores da sua igreja e actividades
correlativas como tendo «espírito de analfabetos». Perante o meu espanto, perguntou-me ele se eu seria
capaz de imaginar a vida doméstica de um jovem (rapaz ou rapariga) que é
estudante do ensino superior mas cuja família é composta por avós totalmente
analfabetos, pais com o ensino primário incompleto e já quase esquecido, casas
em que o nível literário mais elevado é um jornal de futebol surripiado da
tasca da esquina… Gente esta equiparada a objectos arqueológicos… Contudo,
conseguiram fazer com que das suas casas surgissem estudantes universitários. E
que se passará nas outras casas donde não surgem jovens com vontade de subir na
vida? Temo que enxameiem os noticiários mais abjectos da comunicação social.
Sem
querer maçar com informação estatística, não resisto a referir o que encontrei
no Eurostat que nos diz que, em 2019, nos 28 Estados da UE havia 25,7% da
população com apenas (nível máximo) o patamar elementar da escada da
escolaridade mas que na Suécia esse índice era de 20,8% e em Portugal uns
tenebrosos 47,6%. Por aqui se vê o esforço que ainda temos que fazer para
chegarmos à média europeia.
O cenário urbano acima descrito é extremamente pesado e representa
enorme inércia ao desenvolvimento não só pela evidente falta de produtividade
mas também pelo peso das políticas públicas de protecção social. É claro que
não se pode deixar essa gente sem tecto nem amparo mas o problema está em que
dos pântanos não surgem rosas nem cravos.
*
* *
Em paralelo com o ambiente social o urbanismo periférico, o mundo
rural tem vindo progressivamente a assemelhar-se a um lar para a terceira idade. Em Portugal, a empresa agrícola não tem ao seu
dispor os mecanismos que lhe garantam mercados transparentes nem métodos
lógicos de formação de preços. Basta reconhecermos a existência de um
fortíssimo lobby do comércio constituído por um facilmente identificável
oligopsónio para constatarmos que o «jogo» está todo viciado em desfavor da
oferta.
Resumindo,
os problemas sociais da periferia urbana – nomeadamente nas nossas maiores
cidades - constituindo quase totalmente uma relação directa da desertificação
do mundo rural pelo facto de em Portugal à oferta cumprir a amarga
tarefa de servir os interesses da procura.
Ou seja, desfavor da produção, privilégio do consumo, crónicos
défices comerciais externos, empolamento da dívida externa privada, insolvência
nacional, recurso recorrente ao FMI e quejandos apoios…
E
se assim é no mundo rural, nas pescas
ainda é pior com um método de formação dos preços na primeira venda[iv] que comprime a oferta sob a quase
totalidade do risco e a procura a definir todas as regras desse mercado.
*
* *
De tudo, para concluir que ainda nos falta muito para nos constituirmos
como um modelo de desenvolvimento.
(continua)
Dezembro de 2021
Henrique Salles da Fonseca
Em
tempo: para quem quiser consultar as estatísticas e índices da escolaridade nos
Países europeus, sugiro o «Eurostat – Escolaridade» e, a nível mundial, o «Relatório do
Desenvolvimento Humano do PNUD» (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento)
[i]- Comité de
Peritos Comerciais e Comité de Peritos Aduaneiros e de Origem
[ii]-
Analfabetismo estatístico corresponde àqueles que não sabem ler nem escrever
[iii]- Expressão
que ouvi da boca de quem então presidia à ANEFA-Agência Nacional para a
Educação e Formação de Adultos entretanto extinta e substituída pelas «NOVAS
OPORTUNIDADES»
[iv]- Leilão
descendente, invertido
Tags:: "economia portuguesa"
COMENTÁRIOS
Anónimo 24.12.2020: Na véspera de Natal, eis o presente natalício do
Henrique – reflexões sobre o desenvolvimento de Portugal. Sabes que a minha
formação não é macroeconomia, então pouco poderei aportar, da minha lavra, ao
tema, mas tão-só invocar reflexões de outros que, de alguma forma concorde, e
que poderão completar o teu pensamento ou servir de seu contraponto. Dentre as
várias causas do diferente desenvolvimento dos Países está, obviamente, a qualidade
das pessoas que aí residem, como dizes. Vários economistas, designadamente
Prémios Nobel, têm procurado as razões para essa situação. Entre estes,
destaca-se, pelo seu pioneirismo, Douglass North. Perante a não explicação
cabal desse fenómeno pelos factores económicos, como o capital, a
mão-de-obra (incluindo o capital humano que representa a educação e o grau
de qualificações), bem como o progresso tecnológico e o comércio
internacional, North
acrescentou as instituições que sustentam a economia do País. Se estas forem corruptas isso afectará negativamente o
desenvolvimento económico. O pensamento
deste economista consta, por exemplo, do livro de Linda Yueh intitulado “Os
grandes Economistas”. O trabalho de North teve seguimento por outros
economistas, como James Robinson, um dos coautores dum livro já aqui citado por
mim “Porque falham as Nações”. É apontada como causa deste falhanço a
existência de instituições extractivas que incentivam a exploração, em lugar de
um esforço produtivo. Estas não criam os estímulos necessários para que as
pessoas poupem, invistam e inovem, antes cimentam o poder daqueles que
beneficiam com a extracção. Acrescentam os autores (pág. 443) que os
políticos desses países não têm o menor pejo em extrair recursos ou em asfixiar
qualquer tipo de actividade económica independente susceptível de constituir
uma ameaça para si ou para as elites económicas. A solução, apontam, é transformar as instituições extractivas em
inclusivas. Os autores apresentam inúmeros exemplos de fracasso e também
alguns de sucesso e dentro dos primeiros, particularmente no que se refere a
ajuda externa, está o Afeganistão, a que tu também te referes. Estima-se que
apenas 10%, ou no máximo 20%, daquela cheguem ao seu destino!...
O meu amigo Eduardo Catroga, no seu livro “Gestão, Política e Economia”,
menciona Angus Deaton como um dos que se insurge contra a política corrente de
ajuda ao desenvolvimento dos países mais pobres pelos países mais ricos em que
estes atiram “dinheiro para o problema”, e que os maus governantes o utilizam
frequentemente para se perpetuar no poder, desviando do seu fim de fomento do
desenvolvimento económico. Na vez anterior que citei “Porque falham as
Nações” disse que não poderíamos encontrar explicação para a situação de atraso
relativo de Portugal na existência de instituições extrativas – outras seriam a
causas. César das Neves em “Portugal, esse desconhecido” reconhece que Portugal
não é um país roubado nem espoliado. Uma das principais causas para o nosso
atraso é a educação, a que te
referes igualmente (páginas 262 e seguintes). Mas aponta outras causas, tais
como: incompetência da regulamentação, paralisia da burocracia, peso dos
impostos, bloqueio do corporativismo (e não encontrarás neste corporativismo
resposta ao tema que suscitas na parte final do teu post. – desfavor da
produção e privilégio do consumo?) Outro amigo, António Mendonça Pinto, no
livro “Economia Portuguesa – Melhor é possível” (2002) trata também da qualidade
dos recursos humanos, reconhecendo que se falhou dramaticamente na educação e
qualificação dos portugueses, antes e depois do 25 de Abril. Tínhamos, então, a menor escolaridade
média por pessoa entre os 25 e os 64 anos no conjunto dos países da OCDE, para
além de não termos prestado a devida atenção aos conteúdos do ensino e à
empregabilidade que os mesmos poderiam proporcionar. Decorridas quase duas
décadas, confio que os alunos quando actualmente saem da Escola, estejam
mais preparados para a economia do presente e do futuro do que para a do
passado. Termino, com duas preocupações de outro colega, Eugénio Rosa,
expressas no seu livro “Uma Nova Política Económica” (2006) – as baixas
qualificações profissionais associadas à baixa escolaridade; e a incidência
desta na qualificação dos patrões. Feliz
Natal. Carlos Traguelho
Adriano Lima 24.12.2020: Acertada reflexão, dr. Salles. O défice de
escolaridade é, efectivamente, a causa fundamental do nosso atraso em relação
aos nossos parceiros. O problema é que será difícil superá-lo para que
possamos atingir num dado momento o patamar médio dos outros. É que podemos
intensificar o esforço nesse sentido, mas os outros não ficam entretanto
parados no tempo e continuarão a diferenciar-se positivamente de uma ou outra
maneira, seja na área da escolarização, seja na melhoria dos processos de
socialização.
NOTAS
DA INTERNET:
Uma página de Antero de Quental: (< «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares»:
«……Quais as causas dessa decadência, tão visível, tão
universal, e geralmente tão pouco explicada? Examinemos os fenómenos que se
deram na Península durante o decurso do século XVI, período de transição entre
a Idade Média e os tempos modernos, e em que aparecem os gérmenes, bons e maus,
que mais tarde, desenvolvendo-se nas sociedades modernas, deram a cada qual o
seu verdadeiro carácter. Se esses fenómenos forem novos, universais, se
abrangerem todas as esferas da actividade nacional, desde a religião até à indústria, ligando-se assim
intimamente ao que há de mais vital nos povos estarei autorizado a empregar o
argumento (neste caso, rigorosamente lógico) post hoc, ergo propter hoc, e a concluir que é nesses novos fenómenos que se devem buscar e encontrar
as causas da decadência da Península.
Ora esses fenómenos capitais são três, e de três espécies: um moral, outro político, outro económico. O primeiro é a transformação do catolicismo, pelo Concílio de Trento. O segundo, o estabelecimento do absolutismo, pela ruína das liberdades locais. O terceiro, o desenvolvimento das conquistas longínquas. Estes fenómenos assim agrupados, compreendendo os três grandes aspectos da vida social, o pensamento, a política e o trabalho, indicam-nos claramente que uma profunda e universal revolução se operou, durante o século XVI, nas sociedades peninsulares. Essa revolução foi funesta, funestíssima. Se fosse necessária uma contraprova, bastava considerarmos um facto contemporâneo muito simples: esses três fenómenos eram exactamente o oposto dos três factos capitais, que se davam nas nações que lá fora cresciam, se moralizavam, se faziam inteligentes, ricas, poderosas, e tomavam a dianteira da civilização. Aqueles três factos civilizadores foram a liberdade moral, conquistada pela Reforma ou pela filosofia: a elevação da classe média, instrumento do progresso nas sociedades modernas, e directora dos reis, até ao dia em que os destronou: a indústria, finalmente, verdadeiro fundamento do mundo actual, que veio dar às nações uma concepção nova do Direito, substituindo o trabalho à força, e o comércio à guerra de conquista. Ora, a liberdade moral, apelando para o exame e a consciência individual, é rigorosamente o oposto do catolicismo do Concílio de Trento, para quem a razão humana e o pensamento livre são um crime contra Deus: a classe média, impondo aos reis os seus interesses, e muitas vezes o seu espírito, é o oposto do absolutismo, esteado na aristocracia e só em proveito dela governando: a indústria, finalmente, é o oposto do espírito de conquista, antipático ao trabalho e ao comércio…..»
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