terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A festejar não o 1º de Dezembro de Revolução mas de confinamento


João Miguel Tavares, como distracção. Ou meditação. 

OPINIÃO: À direita, tudo é literal. À esquerda, tudo é metáfora

Sou liberal, mas não sou parvo. E por isso estou indisponível para cair nas armadilhas ideológicas que minam o país desde 1974.

JOÃO MIGUEL TAVARES              PÚBLICO, 28 de Novembro de 2020

A resposta a essa pergunta é muito simples: sou liberal, mas não sou parvo. E por isso estou indisponível para cair nas armadilhas ideológicas que minam o país desde 1974. Aquilo que hoje está disponível no menu da democracia portuguesa são coligações de partidos liberais com partidos iliberais. À esquerda, do PS com o PCP e com o Bloco. À direita, do PSD, IL e CDS com o Chega. Portanto, como já expliquei, e volto a repetir, aquilo que é inaceitável, porque representaria um perigo maior para a nossa democracia do que André Ventura, é uma situação de perpetuação do PS no poder, devido à criação de uma cerca sanitária à direita do CDS. Esse é o sonho da esquerda. Não é o meu.

E é aqui que entram os duplos padrões. A esquerda quer que a direita desista do poder em nome dos seus mais elevados princípios, mas depois não tem quaisquer problemas em reclamar para si própria o mais puro pragmatismo. No caso de Rui Tavares, nem sequer vale a pena pegar na história de Lothar Bisky, com que Sérgio Sousa Pinto o presenteou na RTP. Basta olhar para o argumento que ele utilizou ontem nesta página, a propósito do chumbo do Orçamento do Estado por parte do Bloco. Rui Tavares criticou tal chumbo por ele poder conduzir a “eleições com uma direita aliada à extrema-direita”, que em caso de vitória iria “governar os próximos anos com o maior pacote de fundos europeus de sempre”. Resumo picaresco do argumento: mas estão parvos ou quê? Vocês vão deixar a direita governar com uma pipa de massa para distribuir, em vez de ficar a gerir um país falido, como é tradição? Note-se: o raciocínio de Rui Tavares está certíssimo. Convém apenas que o pragmático-Rui-analista-da-esquerda não se transforme depois no angélico-Tavares-analista-da-direita. Porque o resultado é o que já se sabe. Quando o Chega defende a prisão perpétua, é uma regressão democrática inaceitável; quando PCP e Bloco defendem a memória de Fidel Castro, é uma opinião irrelevante de partidos bem instalados no quadro da democracia portuguesa. Quando André Ventura diz que Joacine deve ser devolvida ao país de origem, significa que ele está a querer deportá-la para África; quando Mamadou Ba diz que é preciso matar o homem branco, há que ter cuidado com as descontextualizações. Quando Ventura fala em confinar ciganos, ele é fascista (e nesse caso, é mesmo); quando critica Salazar, está a disfarçar o fascismo.

Caro Rui: é insuportável viver num país em que tudo o que de abjecto sai da boca da extrema-direita é literal, e tudo o que de abjecto sai da boca da extrema esquerda é metafórico. Ou em que o PS pode negociar com radicais deixando as abjecções de fora, mas o PSD não pode. Enquanto estes duplos padrões lixarem tudo, esquerda e direita nunca estarão em pé de igualdade. E eu estarei aqui a defender o direito à existência de um partido que detesto, não apenas por razões pragmáticas (que são muito estimáveis em política), mas também em nome de um princípio de igualdade que a esquerda diz amar muitíssimo, mas que, pelos vistos, só gosta de aplicar aos seus.

Jornalista

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Alguns COMENTÁRIOS

Luis Cunha INICIANTE: Concordo. Este homem branco não fica satisfeito com a frase do Mamadou Ba. Essa frase nem sequer passava na avaliação para um comentário do Público, por muito que tenha um contexto histórico. E é também isso que não gosto na esquerda, incluindo no outro Tavares, aquela arrogância intelectual de quem diz frases dessas e ainda nos chama ignorantes por não a percebemos. Ao menos este Tavares está mais perto da terra. 29.11.2020       Adolfo-Dias EXPERIENTE: Dos melhores e mais importantes artigos que JMT escreveu. Em Portugal, o duplo padrão é tal que a direita tem permanentemente que "justificar" a sua existência!

Alice Baleine INICIANTE: Ao comparar uma mensagem de apoio à Fidel com uma proposta política concreta para implementar prisão perpétua, JMT continua a sua monumental escovadela rumo ao buraco da insignificância do discurso intelectual em Portugal. Apoio público ao Chega em 3, 2, 1 ...        AndradeQB INFLUENTE: Não é só Mamadu ir inspirar-se na chacina de muitos brancos e ainda de muitos mais pretos, para defender matar os brancos, e ter um exército de contextualizadores a esconder o que é evidente. Também a linha vermelha muda de sitio se for o o lider parlamentar do PSD a falar com Ventura ou se for Costa a falar com Ventura para votar contra a proposta do BE sobre o NB. Infelizmente que é mais fácil ter uma vacina para o Covid do que para a falta de vergonha da grande maioria de jornalistas e comentadores, saude-se JMT e a outra meia dúzia de jornalistas que existem no país que, esteja-se ou não de acordo com o que dizem, dizem o que pensam e não o o que lhes mandam dizer.         Rui Fernandes INICIANTE: Completamente de acordo com tudo o que diz.      Marcelo Melo EXPERIENTE: Há uma diferença fundamental entre JMT e RT. É que RT teve/tem participação ativa num partido político que elegeu uma deputada para o parlamento, e que logo após as eleições sofreu um golpe de estado interno, a ponto de termos agora uma deputada não inscrita que cujo voto não obedece a qualquer programa político, nem a qualquer escrutínio de base ideológico-partidária. Isto não é menos perigoso do que ter o deputado AV do Chega a votar no parlamento, e RT tem responsabilidades no cartório. Conclusão: JMT tem toda a razão no denunciar o desequilíbrio direita-esquerda que reina entre nós, e ao dar a cara por este assunto tem feito um trabalho meritório e imprescindível para reequilibrar perspectivas. 28.11.2020

II - OPINIÃO: PCP anuncia o seu apoio ao Governo até 2023

Se o país se afundar e a direita vencer as eleições, o PCP corre o risco de se tornar o partido do Trabant. Se o país resistir ao pós-pandemia e a esquerda ganhar em 2023, o PCP pode ser premiado pela fidelidade ao PS – e assim continuar a exibir ao mundo o incrível milagre da sua existência.

JOÃ O MIGUEL TAVARES          PÚBLICO, 1 de Dezembro de 2020

Público: «O PCP anuncia o seu apoio ao Governo até 2023»

O título deste artigo não consta de qualquer meio de comunicação social que tenha acompanhado o congresso do PCP do fim-de-semana, mas foi exactamente isso que retirei de tudo o que vi, ouvi e li. Em 2015, Jerónimo de Sousa disse que o PS só não formaria governo se não quisesse – e cumpriu. Em 2020, Jerónimo de Sousa disse que o PS só não irá continuar no governo até 2023 se não quiser – e prepara-se para cumprir.

Claro que Jerónimo de Sousa não o disse assim, de forma tão explícita, até porque o PCP adora ver-se a si próprio como – são palavras suas– “força de oposição”. Mas disse-o de forma implícita ao declarar que o PCP “não faltará, como nunca faltou, a nenhuma solução que dê resposta aos problemas, não desperdiçará nenhuma oportunidade para garantir direitos e melhores condições de vida”. E a única forma de dar essas garantias é continuar a ser muleta do Governo socialista, sobretudo agora que o Bloco de Esquerda desertou da “geringonça”.

Contudo, aquilo que preocupa o PCP não é apenas os direitos dos trabalhadores, mas sobretudo a sua subsistência a médio prazo, mais ameaçada do que nunca. O PCP só é idealista nos seus princípios. Na acção, é um partido puramente pragmático, e é-o desde sempre. Em ditadura por razões de sobrevivência; no início da democracia por razões de estratégia política (o que lhe permitiu ter uma influência no país muito superior à sua força eleitoral); e agora por razões de sobrevivência outra vez.

A capacidade de adaptação a circunstâncias tão diversas é em boa parte uma herança de Cunhal, o mais flexível dos inflexíveis comunistas. Disfarçada sob a capa de um radicalismo pequeno-operário de fachada comunista, essa flexibilidade imensa conseguiu este prodígio: há hoje um Governo na União Europeia que só não caiu graças ao apoio de um partido comunista na votação do Orçamento do Estado para 2021. Portugal é o Adeus, Lenine! da Europa, o único país do Primeiro Mundo que ainda pode ser visitado para ver marxistas-leninistas em acção, capazes de viabilizar um Governo, votar de braço no ar, eleger um Comité Central com 98,5% dos votos e aplaudir homens com sotaque alentejano que celebram o partido por ser a “espinha atravessada na garganta do capital”. Very typical. Por baixo disto está o realismo de quem reelege Jerónimo de Sousa porque sabe que o seu ar de avozinho e homem sério é o maior trunfo do partido, e nenhum jovem se lhe compara; e a lucidez de quem tem perfeita consciência de que as melhores eleições para o PCP, no actual contexto, são sempre as últimas. O partido que já teve mais de um milhão de votos está agora reduzido a 330 mil, e a fragmentação do espectro partidário não augura nada de bom para os comunistas. As sondagens colocam o PCP como sexta força política, atrás do Bloco, do Chega – que ganha força no Alentejo – e do PAN; as próximas presidenciais têm tudo para correr mal; e as autárquicas foram um pesadelo em 2017.

O que sobra no meio disto? Sobra o PS de António Costa e a posição de primeiro violino de uma orquestra dirigida por socialistas. Costa sabe que o PCP é um partido confiável, e o PCP sabe que o seu destino está ligado ao do primeiro-ministro. Se o país se afundar e a direita vencer as eleições, o PCP corre o risco de se tornar o partido do Trabant. Se o país resistir ao pós-pandemia e a esquerda ganhar em 2023, o PCP pode ser premiado pela fidelidade ao PS – e assim continuar a exibir ao mundo o incrível milagre da sua existência.          Jornalista

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