João Miguel Tavares, como
distracção. Ou meditação.
OPINIÃO: À direita, tudo é literal. À esquerda, tudo é metáfora
Sou liberal, mas não sou parvo. E por
isso estou indisponível para cair nas armadilhas ideológicas que minam o país
desde 1974.
JOÃO MIGUEL
TAVARES PÚBLICO, 28 de
Novembro de 2020
A
resposta a essa pergunta é muito simples: sou liberal, mas não sou parvo. E por
isso estou indisponível para cair nas armadilhas ideológicas que minam o país
desde 1974. Aquilo que hoje está disponível no menu da democracia portuguesa
são coligações de partidos liberais com partidos iliberais. À
esquerda, do PS com o PCP e com o Bloco. À
direita, do PSD, IL e CDS com o Chega.
Portanto, como já
expliquei, e volto a repetir, aquilo que é inaceitável, porque
representaria um perigo maior para a nossa democracia do que André Ventura, é
uma situação de perpetuação do PS no poder, devido à criação de uma cerca
sanitária à direita do CDS. Esse é o sonho da esquerda. Não é o meu.
E
é aqui que entram os duplos padrões. A esquerda quer que a direita desista do
poder em nome dos seus mais elevados princípios, mas depois não tem quaisquer
problemas em reclamar para si própria o mais puro pragmatismo. No caso de Rui
Tavares, nem sequer
vale a pena pegar na história de Lothar Bisky, com que
Sérgio Sousa Pinto o presenteou na
RTP. Basta olhar para o argumento que ele
utilizou ontem nesta página, a propósito do chumbo do Orçamento do
Estado por parte do Bloco. Rui Tavares criticou
tal chumbo por ele poder conduzir a “eleições com uma direita aliada à
extrema-direita”, que em caso de vitória iria “governar os próximos anos com o
maior pacote de fundos europeus de sempre”. Resumo
picaresco do argumento: mas estão parvos ou quê? Vocês vão deixar a direita
governar com uma pipa de massa para distribuir, em vez de ficar a gerir um país
falido, como é tradição? Note-se: o
raciocínio de Rui Tavares está certíssimo. Convém apenas que o
pragmático-Rui-analista-da-esquerda não se transforme depois no
angélico-Tavares-analista-da-direita. Porque o resultado é o que já se sabe. Quando o
Chega defende a prisão perpétua, é uma regressão democrática inaceitável;
quando PCP e Bloco defendem a memória de Fidel Castro, é uma opinião
irrelevante de partidos bem instalados no quadro da democracia portuguesa. Quando André Ventura diz que Joacine deve ser
devolvida ao país de origem, significa que ele está a querer deportá-la
para África; quando Mamadou Ba diz que é preciso matar o homem branco, há que
ter cuidado com as descontextualizações. Quando Ventura fala
em confinar ciganos, ele é fascista (e nesse
caso, é mesmo); quando critica Salazar, está a disfarçar o
fascismo.
Caro
Rui: é insuportável viver num país em que tudo o que de abjecto sai da boca da
extrema-direita é literal, e tudo o que de abjecto sai da boca da extrema
esquerda é metafórico. Ou em que o PS pode negociar com radicais deixando as
abjecções de fora, mas o PSD não pode.
Enquanto estes duplos padrões lixarem tudo, esquerda e direita nunca estarão em
pé de igualdade. E eu estarei aqui a defender o direito à existência de um
partido que detesto, não apenas por razões pragmáticas (que são muito
estimáveis em política), mas também em nome de um princípio de igualdade que a
esquerda diz amar muitíssimo, mas que, pelos vistos, só gosta de aplicar aos
seus.
Jornalista
TÓPICOS PARTIDOS POLÍTICOS EXTREMA-DIREITA RUI TAVARES ESQUERDA DIREITA DEMOCRACIA PORTUGAL
Alguns COMENTÁRIOS
Luis Cunha INICIANTE: Concordo. Este
homem branco não fica satisfeito com a frase do Mamadou Ba. Essa frase nem
sequer passava na avaliação para um comentário do Público, por muito que tenha
um contexto histórico. E é também isso que não gosto na esquerda, incluindo no
outro Tavares, aquela arrogância intelectual de quem diz frases dessas e ainda
nos chama ignorantes por não a percebemos. Ao menos este Tavares está mais
perto da terra. 29.11.2020 Adolfo-Dias
EXPERIENTE: Dos melhores e mais importantes artigos
que JMT escreveu. Em Portugal, o duplo padrão é tal que a direita tem
permanentemente que "justificar" a sua existência!
Alice Baleine INICIANTE: Ao comparar uma mensagem de apoio à Fidel com uma
proposta política concreta para implementar prisão perpétua, JMT continua a sua
monumental escovadela rumo ao buraco da insignificância do discurso intelectual
em Portugal. Apoio público ao Chega em 3, 2, 1 ... AndradeQB INFLUENTE: Não é só Mamadu ir inspirar-se na chacina de muitos
brancos e ainda de muitos mais pretos, para defender matar os brancos, e ter um
exército de contextualizadores a esconder o que é evidente. Também a linha
vermelha muda de sitio se for o o lider parlamentar do PSD a falar com Ventura
ou se for Costa a falar com Ventura para votar contra a proposta do BE sobre o
NB. Infelizmente que é mais fácil ter uma vacina para o Covid do que para a
falta de vergonha da grande maioria de jornalistas e comentadores, saude-se JMT
e a outra meia dúzia de jornalistas que existem no país que, esteja-se ou não
de acordo com o que dizem, dizem o que pensam e não o o que lhes mandam dizer. Rui Fernandes INICIANTE: Completamente de acordo com tudo o que diz. Marcelo Melo EXPERIENTE: Há uma diferença fundamental entre JMT e RT. É que RT
teve/tem participação ativa num partido político que elegeu uma deputada para o
parlamento, e que logo após as eleições sofreu um golpe de estado interno, a
ponto de termos agora uma deputada não inscrita que cujo voto não obedece a
qualquer programa político, nem a qualquer escrutínio de base
ideológico-partidária. Isto não é menos perigoso do que ter o deputado AV do
Chega a votar no parlamento, e RT tem responsabilidades no cartório. Conclusão:
JMT tem toda a razão no denunciar o desequilíbrio direita-esquerda que reina
entre nós, e ao dar a cara por este assunto tem feito um trabalho meritório e
imprescindível para reequilibrar perspectivas. 28.11.2020
II - OPINIÃO: PCP anuncia o seu apoio ao Governo até 2023
Se o país se afundar e a direita vencer as eleições, o
PCP corre o risco de se tornar o partido do Trabant. Se o país resistir ao
pós-pandemia e a esquerda ganhar em 2023, o PCP pode ser premiado pela
fidelidade ao PS – e assim continuar a exibir ao mundo o incrível milagre da
sua existência.
JOÃ O MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 1 de Dezembro de 2020
Público:
«O PCP anuncia o
seu apoio ao Governo até 2023»
O
título deste artigo não consta de qualquer meio de comunicação social que tenha
acompanhado o congresso
do PCP do fim-de-semana, mas foi exactamente isso que retirei de
tudo o que vi, ouvi e li. Em 2015, Jerónimo de Sousa disse
que o PS só não formaria governo se não quisesse – e cumpriu. Em 2020, Jerónimo
de Sousa disse que o PS só não irá continuar no governo até 2023 se não quiser
– e prepara-se para cumprir.
Claro
que Jerónimo de Sousa não o disse assim, de forma tão explícita, até porque o
PCP adora ver-se a si próprio como – são palavras suas– “força de oposição”. Mas disse-o de
forma implícita ao declarar que o PCP “não faltará, como nunca
faltou, a nenhuma solução que dê resposta aos problemas, não desperdiçará
nenhuma oportunidade para garantir direitos e melhores condições de vida”. E a
única forma de dar essas garantias é continuar a ser muleta do Governo
socialista, sobretudo agora que o Bloco de Esquerda desertou da “geringonça”.
Contudo,
aquilo que preocupa o PCP não é apenas os direitos dos trabalhadores, mas
sobretudo a sua subsistência a médio prazo, mais ameaçada do que nunca. O PCP só
é idealista nos seus princípios. Na acção, é um partido puramente pragmático, e
é-o desde sempre. Em
ditadura por razões de sobrevivência; no início da democracia por razões de
estratégia política (o que lhe permitiu ter uma influência no país muito
superior à sua força eleitoral); e agora por razões de sobrevivência outra vez.
A
capacidade de adaptação a circunstâncias tão diversas é em boa parte uma herança
de Cunhal, o mais
flexível dos inflexíveis comunistas. Disfarçada
sob a capa de um radicalismo pequeno-operário de fachada comunista, essa
flexibilidade imensa conseguiu este prodígio: há hoje um Governo na União
Europeia que só não caiu graças ao apoio de um partido comunista na votação do
Orçamento do Estado para 2021. Portugal
é o Adeus, Lenine! da Europa, o único país do Primeiro Mundo que ainda pode ser
visitado para ver marxistas-leninistas em acção, capazes de viabilizar um
Governo, votar de braço no ar, eleger um Comité Central com 98,5% dos votos e
aplaudir homens com sotaque alentejano que celebram o partido por ser a “espinha atravessada na garganta
do capital”. Very typical. Por baixo disto está o realismo de
quem reelege Jerónimo de Sousa porque sabe que o seu ar de avozinho e homem
sério é o maior trunfo do partido, e nenhum jovem se lhe compara; e a lucidez
de quem tem perfeita consciência de que as melhores eleições para o PCP, no
actual contexto, são sempre as últimas. O partido que já teve mais de um milhão
de votos está agora reduzido a 330 mil, e a fragmentação do espectro partidário
não augura nada de bom para os comunistas. As sondagens colocam o PCP como
sexta força política, atrás do Bloco, do Chega – que ganha força no Alentejo –
e do PAN; as próximas presidenciais têm tudo para correr mal; e as autárquicas
foram um pesadelo em 2017.
O que sobra no meio disto? Sobra o PS de António Costa e a posição de primeiro violino de uma orquestra dirigida por socialistas. Costa sabe que o PCP é um partido confiável, e o PCP sabe que o seu destino está ligado ao do primeiro-ministro. Se o país se afundar e a direita vencer as eleições, o PCP corre o risco de se tornar o partido do Trabant. Se o país resistir ao pós-pandemia e a esquerda ganhar em 2023, o PCP pode ser premiado pela fidelidade ao PS – e assim continuar a exibir ao mundo o incrível milagre da sua existência. Jornalista
TÓPICOS OPINIÃO
PCP GOVERNO JERÓNIMO DE SOUSA ANTÓNIO COSTA PS PODCAST POR FALAR NISSO
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