De
Teresa de Sousa, que, uma vez
mais atesta a sua argúcia expositiva, sempre bem informada, e a sua grande
sensibilidade na análise dos procedimentos de solidariedade em relação, não só
à rapidez de descoberta científica de uma vacina urgente, como à sua
distribuição simultânea e proporcional por todos os países da União Europeia,
como, de resto, se fez nos Estados Unidos, reveladora de uma absoluta
consciência moral dos dirigentes europeus (e americanos), com destaque para Ursula von der Leyen «o rosto tranquilo deste “milagre”,
simbolizando a instituição europeia que tem como dever fundamental garantir o
interesse comum». Uma mulher bem informada
e bem formada, Teresa de Sousa.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
Um pequeno passo de gigante
A distribuição simultânea da vacina em
todos os Estados-membros tem um enorme significado: igualizou a capacidade de
fracos e fortes para negociar no mercado a sua compra.
PÚBLICO,27 de Dezembro de 2020
1.
Talvez não haja nada de mais simbólico do valor da União para os seus 450
milhões de cidadãos do que este momento. Nos 27 Estados-membros,
independentemente da sua riqueza, da sua dimensão, da sua economia, da sua
história, da sua cultura, vão ser hoje aplicadas as primeiras vacinas contra a
Covid-19 (A Hungria e Eslovénia acabaram por antecipar o calendário acordado).
Os critérios escolhidos a nível nacional são
igualmente muito semelhantes: para além
dos profissionais de saúde, primeiro estão os mais frágeis. As imagens falarão
por si. Hão-de preencher ao longo do dia os programas das televisões. Vão
permitir palavras entusiásticas dos responsáveis políticos. Ursula von der Leyen será o rosto tranquilo deste “milagre”,
simbolizando a instituição europeia que tem como dever fundamental garantir o
interesse comum. A Europa exultará de orgulho, mesmo que sejam apenas
simbólicas as doses que hoje começam a ser inoculadas. Mesmo que o processo
seja lento e haja ainda dúvidas sobre o abastecimento necessário para atingir
rapidamente em cada país os números que garantem a imunidade de grupo. Como
sempre, a realidade tem duas faces.
2.
No dia 18 de Dezembro, a Der Spiegel pintava um retrato um pouco mais realista desta
grande aventura. “São
imagens de esperança: enfermeiras a serem vacinadas; paletes de pacotes de
vacinas a serem distribuídas em voos especiais; mayors exultando com ‘o
principio do fim’ da pandemia. Estas imagens chegam dos Estados Unidos. Nada de
parecido aconteceu na Europa até hoje”. Prossegue a revista: “O
contraste não permite enganos. De um lado, está uma administração Trump
supostamente incompetente, que fornecerá vacinas a 20 milhões de americanos nas
próximas duas ou três semanas. No fim de Março, o plano prevê que cerca de 100
milhões de americanos tenham já levado as duas doses.” A revista
não refere, mas a operação “Warp Speed”, da responsabilidade das Forças
Armadas, é das poucas coisas em que Trump conseguiu acertar, antecipando a sua
necessidade. A Spiegel
lembra
ainda que foi um laboratório alemão que produziu a primeira vacina, o que torna
o contraste ainda menos compreensível. O Reino Unido e o Canadá foram ainda
mais rápidos na sua aprovação, sem que ninguém duvide da qualidade das
respectivas agências que têm essa responsabilidade. A Europa é lenta. O que se
compreende quando é preciso conciliar a vontade de 27 países. Mas é bom manter os pés assentes na terra. É a
única forma de preservar o que se conseguiu em 2020, o ano em que os europeus
viveram a sua maior crise desde a II Guerra e em que a União Europeia soube,
apesar de tudo, responder em conformidade.
3. A distribuição simultânea da vacina em todos os
Estados-membros tem um enorme significado: igualizou a capacidade de
fracos e fortes para negociar no mercado a sua compra, independentemente das
doses de que cada um necessita. Dos 80 milhões de alemãs aos 450 mil
luxemburgueses. Isto aconteceu graças, em boa medida, aos esforços da
presidente da Comissão que conseguiu pôr de pé uma estratégia comum de
aquisição, não imediatamente aceite por todos. A tentação do “cada um
por si” ainda se manifestou, embora sem muitos adeptos. As coisas teriam sido
muito diferentes caso não tivesse havido um Conselho Europeu em Julho, o
segundo mais longo da história da Comunidade europeia, em que foi possível um
acordo merecidamente qualificado de histórico. Significou um dos momentos mais
altos da solidariedade europeia, devidamente entendida: ou seja, ajudar alguns
beneficia todos. O montante dessa ajuda colectiva, que soma 1,8 biliões
de euros, entre o Fundo de Recuperação e o Orçamento Plurianual, parece-nos de
uma dimensão extraordinária. Sabemos que foi um passo enorme no fortalecimento
da integração europeia, incluindo a sempre difícil partilha de riscos, que
alguns dos países mais ricos do Norte não queriam sequer considerar, antes que
a pandemia transmitisse um sentimento de destino comum que acabou por
prevalecer.
Mas,
mais uma vez, estes números com tantos zeros à direita que só as calculadoras
científicas conseguem registar, perdem um pouco da sua cor quando comparados
com os que traduzem as ajudas aprovadas no Congresso norte-americano. É
verdade que a União une nações e os Estados Unidos são uma nação. Mas são uma
nação que, com este ou com qualquer outro Presidente, não olha a meios
quando é preciso vencer uma crise. Foi assim na crise financeira de 2008. Foi
assim na Grande Depressão de 1929. É assim agora. As duas farmacêuticas que
venceram a corrida da vacina são americanas: a gigante Pfizer e pequena
Moderna. É verdade que, como lembrava a Spiegel, foi uma empresa europeia que
fez a descoberta da vacina. Mas é preciso lembrar a história completa da
colaboração entre a BioNTech e a
Pfizer, que é, ela própria, uma lição. Um casal de imigrantes
turcos de segunda geração e um grego de Tessalónica consideraram que tinham
alguma coisa em comum: partilhavam a mesma história de imigração e de amor pela
ciência; vinham das margens da Europa; viam-se como cidadãos do mundo. Nasceu
daí a sua colaboração. Os seus nomes são mais estranhos na Europa do que nos
EUA, onde os CEO das grandes multinacionais ou das empresas de excelência
representam uma cacofonia verdadeiramente única no mundo: Albert
Bourla, Ugur Sahin e Ozlem Tureci.
Por
trás desta capacidade científica esteve também uma decisão do nosso bem
conhecido dr. Fauci. Quando, na
década de 1990, tentava encontrar uma vacina ou um medicamento que travasse
o HIV resolveu criar o “Cento de Investigação de Vacinas”, reunindo cientistas
de diferentes disciplinas, permitindo uma enorme acumulação de saber. Na
mesma década, uma cientista húngara a trabalhar na Universidade da Pensilvânia,
Katalin Kariko, previu o
poder das terapias assentes no “mensageiro RNA” para combater as mais variadas
doenças, declarando obsoletos outros métodos científicos. Na altura,
ninguém lhe deu muita importância, embora a investigação tivesse continuado
numa universidade do Wisconsin. São apenas alguns dos inúmeros
pequenos e grandes passos do caminho que levou até à vacina que hoje os portugueses
vão começar a receber. Não
há nesta corrida europeus contra americanos. Há apenas europeus e americanos. As virtudes das sociedades abertas – aos
imigrantes, à cooperação internacional, à partilha de saberes à circulação de
pessoas e de ideias –saíram claramente vencedoras.
4. Von
der Leyen
chamou-lhe um alívio cheio de uma “doce tristeza”. Boris Johnson, para além do seu exuberante e exagerado “grito do
Ipiranga”, teve algumas palavras de bom senso. O Reino Unido e a União Europeia
continuarão a partilhar “os mesmos sentimentos, as mesmas emoções, a mesma
cultura, a mesma história, a mesma geografia, os mesmos interesses estratégicos.” O que é provavelmente verdade, mas levanta
imediatamente uma questão: então para quê? A “Global Britain” ainda está
por concretizar. O globo não é um lugar tranquilo. O regresso da América ao
seu tradicional papel liderante do mundo livre não premeia o caminho escolhido
por Londres.
O
que foi, no entanto, mais paradoxal em muitas das reacções europeias ao acordo
foi a necessidade constante de afirmar que a “força” esteve do lado de Bruxelas. No dia de Natal, um dos títulos mais comuns a
alguma imprensa europeia referia o facto de a União Europeia poder adoptar
represálias em 20 dias, caso o Reino Unido não cumprisse o acordo. Porquê
tanta insistência? Ou tanta desconfiança? Ou tanto receio? Porque a Europa,
forte ou fraca, também precisava de um bom acordo que não afastasse o Reino
Unido das suas costas. Porque é o maior destino das suas
exportações e, em primeiro lugar, da máquina exportadora alemã (o país que lhe
compra mais BMW). Porque tem a maior capacidade militar da Europa, numa altura
em que a Europa tenta fazer da “autonomia estratégica” a sua nova utopia.
Porque a sua capacidade de I&D é enorme.
Como disse a presidente da Comissão, este acordo permite que todos
ganhem. Foi, indiscutivelmente, outro bom resultado do ano que marcou de forma
indelével o destino da Europa.
TÓPICOS
OPINIÃO
COVID-19 VACINAS CORONAVÍRUS EUROPA UNIÃO EUROPEIA FARMACÊUTICAS
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manuel.m2 INICIANTE: O acordo agora
conseguido terá de ser, em virtude dos Tratados Europeus, primeiramente
traduzido em todas as línguas nacionais, (todas as suas 2.000 páginas incluindo
anexos), para ser então debatido no Conselho Europeu e, se nenhum dos 27
Governos vetar o texto, ser devidamente aprovado. O mesmo procedimento deverá
ser seguido em todos os Parlamentos Nacionais. Finalmente cabe ao Parlamento
Europeu que é, devemos lembrar, o único Órgão da União Europeia que é
directamente eleito pelos seus Cidadãos, escrutinar detalhadamente os termos do
Acordo para depois este ser levado á votação. Mas "Não há tempo" diz
a Comissão e há que aprovar imediatamente porque depois, lá para 2021, vão ter
todo o tempo para debaterem o que quiserem. Uma "Grande vitória"?
Sim, para os inimigos da UE. 27.12.2020 Roberto34 MODERADOR: Manuel a aprovação é provisória. Além disso, os países têm sido
continuamente informados das negociações. O conteúdo do acordo já é conhecido
pelos Estados Membros quase a 100%. Assim como o Parlamento Europeu. manuel.m2 INICIANTE: Não é verdade. Ninguém fora da Comissão, e mesmo assim dentro dela apenas
um número muito restrito tem um conhecimento global do texto. Quanto à
"aprovação provisória" o Roberto tem um apurado sentido de humor. Joao MODERADOR: Ninguém leu nem vai ler. Aquilo foi a Úrsula, ou a Merkel, a chegar-se à
frente e dizer "assinem essa porcaria de acordo" e pronto. Depois há
milhões de euros para os advogados que escreveram aquilo mostrarem os buracos e
lacunas a explorar a quem pagar mais. Assinatura de cruz. O mesmo com a
aprovação da vacina no dia 21, alguém acredita que a vacina não fosse aprovada?
Que já estava "aprovada" automaticamente há meses? Alguém acredita
que foram ler os relatórios sequer, e muito menos pedir investigação a isto ou
aquilo para aprovar? Ninguém sequer leu e claro assinaram de cruz o que as farmacêuticas
acreditadas escreveram. Lembro o tratado de Lisboa que à saída o argumento
contra o referendo é que era muito complicado e que ninguém entendia nem lia,
mesmo os que o "aprovaram". Roberto34 MODERADOR: Apenas me limito a seguir os procedimentos que saem nas notícias. O Manuel
acredita se quiser. Facto: os Estados Membros já têm conhecimento quer das
negociações quer dos detalhes. João, lamento
informá-lo de que o mundo da fantasia e de teorias de conspiração em que vive
não existe. Você tem mesmo noção dos disparates que escreve? Luis Rocha INICIANTE: OK, Boomer. Só uma visão muito centrada no Atlântico poderia dizer: "a
União Europeia soube, apesar de tudo, responder em conformidade," mais
enaltecer a resposta americana. O número de mortes por milhão de habitantes na
Europa (máximo na Bélgica, mínimo na Finlândia) e nos EUA é inaceitável,
comparado com Taiwan, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul, Austrália,
Singapura, Vietname. Não ajuda esconder estes factos. Não devemos desculpar os
líderes ocidentais por isto, até para que haja uma resposta melhor à próxima
pandemia. Se não fosse a desculpa do Trump ser pior, a resposta europeia teria
sido revelada pelo fracasso que foi. Por favor, mais pensamento crítico, pela
nossa saúde! As sociedades da Ásia-Pacífico saíram de longe melhor nesta
pandemia. Só comentadores muito boomers, podem ver uma resposta boa no
Atlântico. Não estamos no século XX. Joao MODERADOR: Concordo claro. E repare que estes textos laudatórios que falam sobre tudo,
conseguem sempre não utilizar, nem uma só vez, a palavra "morte" de
mais de meio milhão de homens e mulheres europeus que morreram directamente
(fora as mortes indirectas). Nem uma só vez. Luis Rocha INICIANTE: Bem visto João. Nem tinha reparado. José Cruz Magalhaes MODERADOR: A pandemia acabou por evidenciar a capacidade de resposta que a Europa e a
UE conseguem demonstrar, em situações de crise, no teste que a rápida
transmissibilidade do SARS-Cov-2,acabou por provocar. Em acréscimo, ainda
conseguiu resolver uma crise interna, provocada por uma saída anunciada de um
dos países membros. É um ano intenso e horribilis, mas que reafirmou a
capacidade de resistir a crises, que as nações e a EU têm sabido incrementar. Roberto34 MODERADOR: Subscrevo. PSG MODERADOR: Duvido que o
bastonário da ordem dos médicos alemães tenha sido dos primeiros a ser vacinado
por lá. Infelizmente não nos conseguimos libertar do sistema de castas que as
auto-intituladas elites impõem aos concidadãos, pelo que não surpreende a
incapacidade crónica para nos desenvolvermos, tanto ao nível societário como
económico. Joao MODERADOR: Esperançoso texto, certo que precisamos, mas também branqueador das
mortais decisões tomadas por fanatismo ideológico. Um pouco menos este que
o editorial do caro Manuel, mas também branqueador. Imagine-se que quer um quer
outro texto nem uma vez usam a palavra "morte" de que mais de meio
milhão de europeus já padeceram. É obra. Já agora uma palavra sobre a Úrsula, com quem eu simpatizo logo á partida pois é uma mulher com sete filhos.
Aquilo em Bruxelas é um misto de três ou quatro gatos Alfa e umas duas dúzias
de peluches e muitos "tecnocratas" de barriga cheia, e deve ser difícil,
mas foi a única que teve a decência e pediu desculpa e isso não esqueço. Também
desconfio que teve acção política no acordo Brexit que andava enrolado em
tretas, tardiamente decerto, mas penso que decisiva. Não sei, mas até parece
uma pessoa se compararmos com o sebento Cherne, do bêbado "luxleaks",
do aldrabão "corkleaks", e demais camarilha boçal e criminosa. FPS INFLUENTE: Estou de acordo, como não estar?, com a quase
generalidade das considerações de Teresa de Sousa. Mas o facto de a Alemanha,
Hungria e Eslovénia terem destoado do extraordinário significado e simbolismo
das primeiras tomas da vacina se processarem, para todos os estados membros, na
mesma data compreende um importante significado político, ainda por cima,
assumido por três estados de grande influência cultural germânica. Talvez um
dia (destes?) Teresa de Sousa melhor nos
esclareça o por quê deste desfasamento... Mas que é esquisito, lá isso é.
Roberto34 MODERADOR: O calendário não foi acordado. Era apenas indicativo uma vez que as vacinas
só chegaram apenas ontem. A Holanda por exemplo só planeia começar a vacinação
em Janeiro. O objectivo de VdL era que as vacinas entrassem nos países todos no
mesmo dia. FPS INFLUENTE: Sempre oportuno
e sempre bem informado sobre o que se passa na nossa UE. Agradecido, caro
Roberto34. Roberto34 MODERADOR: Von der Leyen tem tido de facto uma gestão e governação excelentes
(juntamente com a sua equipa). Em pouco mais de 1 ano já teve muitos momentos
históricos: teve a humildade de pedir desculpa aos Italianos pelo início
atribulado da gestão da crise pandémica, conseguiu aprovar um fundo de
recuperação financiado por emissão de dívida Europeia, conseguiu um acordo
comercial com o RU, conseguiu coordenar a gestão da pandemia e garantir que
todos os países Europeus recebam as vacinas no mesmo dia, entre outros feitos
como o novo pacto verde, etc. Apesar de alguns erros, a Europa está de facto de
parabéns e haja esperança para um 2021 melhor. Jacob van der Sluis INICIANTE: Muito boa analise, com esperança.
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